Volume 2 – Arco 4
Capítulo 84: Herói da Luz
Um grupo considerável de pessoas começou a se acumular na rua e — tomados pela curiosidade — mais gente parava para observar a causa de todo aquele alvoroço.
Os representantes mais fortes das suas respectivas Academias — Ziz e Behemoth — se encaravam de uma forma nem um pouco amigável. As faíscas de hostilidade saltavam dos olhos de cada um, prontas para se chocarem.
— Eu pensei que a rivalidade da Behemoth fosse com a Leviatã — sussurrou um dos espectadores intrometidos.
Como o Behemoth representava o domínio das terras e o Leviatã, a soberania dos mares, era mais do que esperado que as Academias que carregavam os seus nomes tivessem uma certa rixa entre si.
O mesmo valia para Ziz, o Guardião dos Céus; e para Absalon, o Retentor do Abismo. Todavia, as rivalidades entre os membros das Academias de Batalha iam muito além disso.
— Você ainda não me respondeu, Alícia. — Com os braços cruzados, Lucius alternava sua visão entre a moça e Raizel. — Por que está andando com um nefilim, principalmente com esse cara?
— Isso sim que é um tenjin — disse Raizel, tomando a frente da discussão e dando um empurrãozinho nas costas de Alícia, que a fez dar alguns passos para a frente. — Volte para o seu grupinho. Nunca devia ter saído de lá.
Aquelas palavras machucaram a moça mais do que Raizel poderia imaginar. Isso estava longe de ser o primeiro encontro ideal que ela havia imaginado.
Quem também não se sentiu confortável com aquilo foi o próprio Lucius. Por mais que a garota tivesse pisado na bola, vê-la sendo tratada daquela forma por um nefilim era inaceitável.
Tão rápido quanto um flash de luz, ele se colocou entre os dois, ficando cara a cara com Raizel, sem falar nada.
— Não ver a hora de bancar o herói, não é? — Provocou-o, uma vez que o Top 1 Rank S da Behemoth era conhecido e aclamado daquela forma. — Que seja. Pegue a sua garota e vá embora.
Ignorando o tenjin, Raziel se virou e estava para ir embora com Petra. Havia coisa mais importante para fazer do que bater boca com um moleque com síndrome de super herói.
— Sua existência é uma profanação da santidade — contra-argumentou Lucius, antes que o nefilim ficasse fora do alcance de sua voz. — Eu não posso permitir que alguém assim macule a terra.
Raizel já tinha ouvido aquelas diversas vezes, principalmente vindas de seres divinos. Tal provocação já não o afetava mais.
— Você é alguém que nunca deveria ter nasci… — Foi quando o som seco de um "plaft!" cortou a sua fala.
Nesse momento, o nefilim parou de caminhar e se virou para trás, deparando-se com o rosto vermelho de Lucius após receber um belo e firme tapa na cara.
Paralisado de choque, o tenjin encarou as feições de indignação de Petra. Ele sabia que o correto seria reclamar com ela. Ninguém tinha o direito de chegar e dar uma palmada na cara de outra pessoa daquela forma.
Porém, ardendo mais do que a marca em sua face, os olhos da moça começaram a queimar em uma determinação que pegou todos de surpresa.
Tanto Lucius quanto os integrantes do seu grupo ficaram sem saber o que fazer. Naquele ritmo, era eles que pareceriam os vilões.
— Um herói… — Petra segurou um pouco a voz, para não soltar o sermão de uma forma tão ofensiva. — Não amaldiçoa o nascimento de ninguém.
— Vo… Você entendeu errado. Eu só… — O que estava acontecendo ali? De repente ele ficou mudo diante da sua agressora. "Essa é a parceira dele?"
Ao contrário de Raizel, aquela moça irradiava tanta simpatia e gentileza que era impossível sequer levantar a voz na sua presença, muito menos a contradizer no momento em que explodiu suas emoções.
Vendo que o Top Ranking não diria mais nada, Petra se despediu com um aceno rápido de cabeça e correu até o seu parceiro, acompanhado-o para longe daquela gentalha.
Caminhando por uma área mais tranquila e distante de onde ocorreu a confusão, Petra se mantinha em silêncio. Ela ainda não conseguia acreditar que bateu em alguém que mal conhecia — e ainda era uma pessoa importante.
— Confesso que fiquei surpreso, senhorita. — Seu parceiro começou a puxar assunto, visando fazer com que ela relaxasse um pouco. — Foi um tapa bem dado, eu diria.
— Er, bem… — disse, ao passo que o encarava bem devagar. — A gente vai ter problemas por causa disso?
— A gente já ia ter problema de um jeito ou de outro. Mas digamos que eu gostei. — Com um sorriso encantador, vislumbrou o rosto delicado da sua companheira ficar confuso. — Não foi uma sensação ruim.
Era reconfortante ouvir ele falar aquilo. Depois de tudo o que Raizel fez por ela, defendê-lo das palavras de desprezo de alguém chegava a ser pouco. Ela nunca imaginou que o deixaria feliz com algo assim.
— Se é esse o caso. — Virou o rosto meio tímido para o lado e ofereceu sua mão para que o seu parceiro a segurasse. — Eu também ficaria feliz, se a gente andasse de mãos dadas.
Atendendo ao seu pedido, Raizel segurou a mão dela com ternura e entrelaçou seus dedos. Era como se tivessem formado uma corrente impossível de se romper.
— Está do seu agrado? — sussurrou para ela, recebendo a confirmação em forma de um aceno de cabeça.
Raizel levou um tempo para entender o porquê por trás daquele pedido da moça. Eram poucas as vezes em que ela tomava a iniciativa para algo.
Todavia, depois do incidente com Alícia, Petra queria evitar que outra garota surgisse do nada e agarrasse as mãos do seu parceiro.
Era uma sensação estranha a qual ela ainda não estava tão habituada… o ciúme.
Alícia, por sua vez, se encontrava com feições reflexivas enquanto encarava o chão tristemente e, junto ao seu grupo, se dirigia para o local onde ocorreria a Cerimônia de Abertura — motivo pelo qual os outros vieram atrás dela.
— Você usou a ressonância pra me achar, não foi? — indagou para o seu próprio parceiro de duo, Esteban Roy.
— A gente só estava preocupado de você acabar se atrasando. — A garota continuava a encarar o chão. Quando Alícia ficava assim, era bem difícil ter uma conversa muito aprofundada com ela. Esteban sabia disso muito bem. — Enfim, por que você queria falar com aquele nefilim?
— Coisa de menina.
— "Coisa de menina" com um homem, é? — intrometeu-se Luminas, a parceira de Lucius, inclinando-se para a frente com uma risadinha boba. — Sei não, heim?
Erguendo o queixo e virando o rosto com força na direção oposta a de Luminas, Alícia fingiu que nunca ouviu uma barbaridade daquelas.
Já Lucius, manteve seus pensamentos restritos à área da sua própria mente. O tapa, que recebeu de Petra ainda ardia, não em sua face, mas em sua consciência. Ele sentia como se tivesse feito a coisa errada.
— Vocês demoraram muito! — Uma garota, que esperava na entrada do Salão de Cerimônias, apontou um dedo repreensivo para o grupo. — Tá quase na hora já!
No entanto, quem respondeu foi o rapaz que se encontrava ao lado dela, o qual por alguma razão, usava uma venda de couro preto, cobrindo boa parte de seu rosto.
— Todos estamos reunidos. — Com uma voz mais calma do que a da garota, ele transmitia serenidade. — A diretora nos aguarda para a celebração.
Na frente de quatro púlpitos, os representantes de cada Academia se faziam presentes, acompanhando o seu respectivo diretor. Com exceção de Raizel e Petra que, por motivos desconhecidos, não apareceram para a cerimônia.
Isso certamente pegaria muito mal para a imagem da Academia de Batalha Ziz, e dos dois também. A imprensa nunca desperdiçava um bafafá dos bons.
Logo à frente, nos assentos mais abaixo, diversos repórteres e cidadãos aguardavam o pronunciamento dos diretores, com entusiasmo.
"Aquele troglodita só faltou me trazer pelo braço", pensava Klaus enquanto prestava atenção no híbrido dracônico. Ao lado de Baltazar estava uma pequena garota, a sua parceira. Na verdade, ela nem era tão pequena assim. "Perto daquele cara todo mundo é baixinho".
Quem não evitava olhar para Klaus era Kaiser. No grupo da Leviatã, o desgraçado sorria de forma maléfica, nem se esforçava para esconder as suas intenções.
— Parece que você encontrou algo para se divertir, Kaiser — ressaltou um rapaz alto de cabelos e olhos negros, Dreison Asimorph, o Top 1 Rank S da Academia de Batalha Leviatã. — Trate de fazer um bom trabalho.
— Haha! Pode ter certeza disso.
"E eu pensando que era o Raizel que ia se meter em confusão", refletiu Trevor. Bastava um olhar para que ele conseguisse deduzir a situação. "Se bem que pro Raizel ter faltado, coisa boa não deve ter acontecido".
Ao contrário dos seus amigos, Trevor e Sophie tiveram um ótimo tour pelos monumentos da academia anfitriã. O rapaz mal via a hora daquela burocracia toda acabar para ele poder pintar alguns quadros.
Como se para atender ao desejo dele, o diretor anfitrião enfim deu início à sua fala, aquilo que marcaria o início do tão aguardado Campeonato Sojourner.
— É com grande prazer que eu, Nabuco Donosor, venho lhes dar as boas-vindas! — Abrindo os braços, entoou um brado que fez a plateia estremecer.
Tudo isso apenas para, logo em seguida, soltar uma bomba no colo de todo mundo: uma revelação que abalaria o planejamento de muitos dos duos participantes, principalmente dos que lutariam ainda naquele dia.
— Enfim a grande hora chegou e, com isso, posso trazer à tona que o uso de Espaços Dimensionais, durante as lutas, está terminantemente… proibido!
Continua no Capítulo 85: Cerimônia de Abertura
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