Volume 1
Prólogo: Promessa
— Ah...
Ao entrar no meu quarto, não pude deixar de suspirar. Meu corpo estava tão lento e cansado, meus olhos pesados pela crescente falta de sono...
Fechei a porta e a tranquei. Andei até a cama, coloquei a mochila na cadeira e me joguei no colchão, sem nem tirar as roupas com que cheguei em casa. Abracei meu travesseiro e não pude resistir aos meus olhos exaustos se fechando, querendo apenas descansar.
Aquilo era tudo que eu precisava...
...Ou não. O tempo passava, mas, embora o cansaço fosse eminente, meu cérebro se recusava a dormir. Uma inquietação, um sentimento aflito no peito não me deixava desligar por completo.
Depois de quase uma hora naquela sensação agoniante, sentei-me na cama e observei o meu quarto.
Como de costume, meus olhos pararam em um retrato que descansava na mesa do computador.
Com uma respiração pesada, criei forças para me levantar da cama e peguei a foto. Sentei-me de volta e a observei de perto através do vidro da moldura.
Como se o tempo estivesse preso nela, lá estava eu quando criança, com um grande sorriso abaixo do cabelo preto e os olhos fechados em felicidade, abraçado com... o meu irmão mais novo, Lucas, que tinha a face mais simpática que já vi, mesmo depois de todos esses anos.
Quanto mais encarava a foto, mais fracos meus braços se tornavam, até começarem a tremer. Dos meus olhos, uma sensação ardente surgiu junto de lágrimas, as quais dei o meu melhor para conter.
— Lucas...
Não importava o quanto eu tentasse fugir disso, hoje era sexta-feira... Era meu tempo especial. No silêncio do meu quarto, contaria ao meu irmão o que aconteceu na semana, tal como a gente fazia antigamente, um hábito que nunca consegui cessar.
— E-espero que esteja tudo bem por aí... Ah... Merda... — Minhas lágrimas se recusavam a recuar. — D-desculpa... Não queria te preocupar, sei que você não gosta de me ver triste, mas...
Uma gota de lágrima desceu pelo meu queixo e molhou a fronha do travesseiro. Com meu coração se apertando e minha face desatando em choro, abracei aquele travesseiro com força. Escondi minha face nele, seu tecido abafando meus soluços.
— Mas... não sei se vou conseguir cumprir a nossa promessa...
A promessa...
Encostei a minha mão gentilmente no meu pulso e senti uma velha pulseira que costumávamos a usar juntos, a qual nunca tive coragem de tirar do meu braço, mesmo que a dele estivesse sepultada junto dele debaixo da terra.
Essa pulseira hoje, com a cor desbotada e o tecido desgastado, um dia já foi colorida e radiante. Ela era igual a nós, quando brincávamos e sonhávamos tanto, como se o céu fosse nosso limite. Jamais poderíamos prever o que a vida planejava para nós...
Lucas queria ser político. É, o mundo tem sempre um desses estranhos. Mas ele era tão amigável, cortês e gentil... Todos sempre pareciam rodeá-lo com alegria, como se ele fosse o centro do mundo, o centro das nossas brincadeiras e da nossa felicidade.
Ele era só um ano mais novo, então acabou que sempre estávamos juntos. Jogando videogame, correndo no parque, estudando à tarde juntos, cheios de sonhos e expectativas...
Em algum momento, começamos a disputar quem teria mais sucesso, quem estudava mais e tirava notas melhores. Toda sexta-feira, conversávamos sobre nossos esforços e nos vangloriávamos das conquistas, com mais apostas e desafios.
Naquela época, eu lhe contava meu desejo de ser médico e devolver a saúde e a vida para meus pacientes...
“Que ironia.”
Encostei novamente na pulseira. Queria salvar vidas, mas acabou que, da vida mais próxima de mim, tudo que me sobrou foi uma pulseira desgastada...
“Que ironia...” Repetia minha mente o pensamento com tristeza.
Nem para ser o médico que prometi... No vestibular, a minha nota passou perto de Medicina, mas não deu. Consegui entrar em Psicologia, mas a frustração ainda me consumia. O que ele pensaria de mim?...
— ...Hoje foi a primeira semana das aulas, mas tudo que fiz foi passar vergonha, entendi mal os textos e a professora me cortou de forma tão direta... Eu...
De repente, uma batida na porta do quarto cortou o fluxo dos meus pensamentos.
— Michael! — disse minha mãe pelo outro lado da porta. — Você quer sobremesa?
Enxuguei um pouco as lágrimas. Engoli seco e suspirei fundo para controlar meu choro.
— Não, mãe! — falei com uma voz falsamente tranquila. — Tô cheio. Muito obrigado!
— Tá bom! Se quiser, só me falar!
Logo ouvi os passos dela se distanciando da porta.
...Isso não estava certo. Meus pais eram sempre tão gentis...
Quando Lucas morreu, eu deveria ter continuado nosso legado. Deveria ter feito o mundo conhecer o poder das nossas promessas, ter tentado alcançar os céus com toda a minha força. Porém...
Tudo que fiz foi morrer junto dele.
— Desculpa, Lucas... Não sei como... Talvez eu até continue tentando Medicina, mas... não vou deixar nosso sonho morrer... Vamos ser grandes, juntos.
O meu peito, mesmo diante de tantos erros meus, ainda se recusava a apenas aceitar o meu fracasso. Eu podia errar tanto, mas ainda queria ser diferente, e...
— Dessa vez... — Um nó pareceu se formar na minha garganta, as palavras saindo com dificuldade. — Dessa vez, juro que vou mudar. Vou fazer tudo acontecer e ser melhor do que antes — disse com uma voz mais firme.
Coloquei o retrato de volta na mesa e deitei na cama. Com o ar-condicionado, sentia um frio bom... Bom o suficiente para me enrolar debaixo de diversas cobertas e me isolar daquele mundo, no meu pequeno refúgio.
Por mais algum tempo, lágrimas ocasionais assaltavam meu rosto.
Mas, dessa vez, tenho certeza que vou ser melhor. Tudo vai ser melhor!...
“Vou orgulhar nós dois! E nossos pais, que tanto fazem por mim, mesmo sendo um... um... fracasso...” Engoli em seco pelo peso da afirmação... Porém, não era como se fosse mentira.
Fechei os olhos e tentei dormir outra vez. A dor no peito continuou a me manter acordado, mas, repousando naquele cantinho da cama, o aperto no coração era menor, e lentamente começava a relaxar...
Por volta de duas horas depois, um sono repentino me abraçou, como se convidasse meu corpo a se afundar no conforto da cama e deixar o cérebro finalmente descansar.
Antes de adormecer, a última coisa que pensei foi uma imagem de mim mesmo no futuro dizendo a Lucas que consegui, que me tornei um psicólogo ou um médico brilhante, que conseguia salvar vidas... Que conseguia dar de volta vida às pessoas, tal como desejava ter sido capaz de fazer com ele no dia em que morreu nos meus braços...