O Meu Caminho Brasileira

Autor(a): Rafael AS

Revisão: Rafael-AS


Volume 1

Capítulo 5: Por favor, me tire daqui

Quando abri meus olhos e percebi que ainda estava naquela mesma sala de enfermaria, meu peito se apertou. Aquilo...

Aquilo definitivamente não era um sonho.

A sensação agoniante das lágrimas lutando para sair dos meus olhos tomou a minha face, mas... enquanto me esforçava para não respirar muito fundo, com receio de os ossos da minha cabeça doerem, ouvi uma voz masculina cantarolando com bom-humor.

— Q-quem... e-está aí?

A agradável cantarola cessou-se. Em um instante, andou até minha maca um homem de cabelos laranjas enrolados, usando óculos de fundo-de-garrafa que tornavam pequenos seus olhos simpáticos.

— Oh, você acordou? — Ele riu. — Como você está?

— Eu... — Minha garganta parecia entalada, mesmo porque sentia que, se eu confessasse sobre minha situação, não aguentaria segurar o choro. — Estou bem...

— Que bom! Ontem lhe demos um remédio vindo do império Viskhen, então espero que o custo dele valha a pena. — Pelo tom amigável, era claro que revelava a informação só para me confortar.

— Fico tranquilo, então... Espera, ontem? Quanto tempo fiquei desmaiado?

— Foi uma pancada bem feia essa que você teve... Demorou três dias para que acordasse agora, mas o seu corpo se recuperou bastante. Vou só fazer um último exame em você, e então deverá estar liberado para casa, ok?

A seriedade em suas palavras fez meu coração acelerar e o sangue subir à cabeça. Três dias?! Será que realmente está tudo bem?! E que exame é esse?...

— O que devo fazer?...

— Apenas feche os olhos — disse ele, caminhando até mim.

Fiz como pedido, deixando minha cabeça afundar no travesseiro. Sua mão tocou minha face, e senti dela um calor. Após alguns segundos, parecia que meu rosto se conectava àquela mão com uma pressão... espiritual? Sentia algo da minha face sendo puxado, mas não era algo físico, mas espiritual?

— Pronto. — Ele deu dois tapinhas em minha testa. — Está tudo bem. As cartilagens ainda estão se recuperando, mas o remédio fez efeito e os ossos estão bem. Você já está liberado, mas proibido de praticar qualquer atividade física pelo resto do mês. Vou preparar um remédio específico, mas deverá ficar pronto somente amanhã. Então você passa aqui?

— Ok...

— Certo. Então é isso. Tenho um compromisso agora, então vou te deixar aqui, mas se sinta à vontade para voltar ao seu quarto quando quiser. Agora deve ser umas 17 horas, então não precisa retornar para as aulas.

Assim, ele se virou e saiu, me deixando sozinho naquele cômodo branco, silencioso e monótono, recheado de macas iguais e de tons neutros sem-vida. Silêncio dominava o ambiente, fazendo minha atenção cair naquilo que menos queria pensar sobre: eu mesmo.

"O que eu devo fazer agora?"

...Engoli em seco.

Não faz sentido nenhum isso ser realidade...

Tão sem-vida quanto o recinto, levantei-me... Algo no criado ao lado da minha maca me chamou a atenção. Uma adaga preta, com uma fita vermelha no cabo que prendia um papel dobrado.

Peguei-a e examinei o papel. Nele, estava escrito: “Para Flamel.” Será que seria mais uma ameaça do Cyle?...

Retirei o bilhete do laço vermelho e o abri. Era uma folha de tamanho normal, com letras feitas por uma tinta preta e com uma caligrafia perfeita, até excessivamente chique. Comecei a ler o seu conteúdo.

Caro Flamel,

Espero que, quando estiver lendo esta carta, esteja melhor.  

Não somos tão próximos, mas não pude deixar de me sentir horrível vendo o que aconteceu. Você parecia tão surpreso, despreparado e desesperado... Imagino o choque que deve ter tido ao perceber o que um nobre como o Cyle pode fazer sem esperar por consequências e sanções.

Infelizmente, o mundo é assim: cruel e egoísta, quando não sádico, machucando apenas pelo prazer de causar dor, principalmente quando se está em posição de poder e pode conjugar mais livremente seus desejos.

Essa estará longe de ser a última vez que algo assim acontecerá com você. O mundo é assim. Por isso...

Deixo essa adaga com você. Treine e se fortaleça, aprenda a se proteger.

Torne-se forte e sobreviva.

Com carinho,

X.

Isso... Que diabos?!

Por quê? Por que tudo tenta me fazer seguir em frente, como se meus sentimentos não fossem importantes, como se tudo isso não fosse difícil o bastante?!

Eu... Ah, que se dane! Vou apenas voltar para o meu quarto e tentar dormir... Talvez... Talvez eu ainda acorde no meu mundo, junto da minha família, da minha vida...

Caminhei com a expressão petrificada, um vazio consumindo meu peito, como se minha mente fosse incapaz de processar mais aquele oceano de desespero e se desligasse. Passei pela enfermaria e dei de cara com aquele pátio logo após o dormitório, no qual alguns alunos com aquele uniforme chique andavam e conversavam.

Vê-los assim me fez me sentir ainda mais fora de lugar. Olhei para baixo e vislumbrei minhas roupas brancas, finas e simples, como que de hospital. Com pés descalços, diferentemente dos sapatos ilustres de todos ao meu redor, caminhei por entre eles, sem coragem de olhá-los no rosto. Tentei esconder a adaga em minha mão, mas era muito grande para passar despercebida.

Um mundo em que sou diferente de todos, mais fraco, mais “inútil”. Em que, enquanto todos devem ter treinado magia desde o início da vida, aqui estou eu, sem memórias e sem um dia sequer de treinamento...  

Com o peito constrangido, atravessei a multidão de estudantes. Com certeza me observavam por estar tão diferente e com um visual tão frágil, mas não liguei. Adentrei dentro dos corredores do dormitório, sentindo-me melhor pela companhia daquelas frias paredes que jamais se voltariam contra mim.

Meus passos me levaram até a porta do meu quarto. Peguei na maçaneta e a puxei para baixo, mas a porta não se abriu. Encarei a barra metálica dela e vi que havia um orbe de cristal semelhante ao que havia na catraca do estádio.

Querendo acabar com tudo logo, imbuí toda a mana possível nele, atacando-me mais uma vez aquela sensação desconfortável de como se uma parte de mim fosse sugada à força.

O orbe brilhou em verde e ouvi a tranca interna se mexendo. Isso... Então, no fim, realmente sou Flamel. Tenho a mana dele...

Sem conseguir processar mais nada sobre esse fato, apenas abri a porta, entrei no quarto e a fechei. A porta se trancou.

Observei meu quarto e senti um desconforto subindo em minha coluna. Tudo estava escuro, a cama desarrumada. Os papéis continuavam jogados na mesa juntos aos frascos vazios que ainda não sei para o que serviam.

Andei até as grossas cortinas e as abri, recebendo a fraca luz alaranjada do pôr-do-sol. Foi o suficiente para retirar o breu do recinto, mas, assim que o Sol se fosse...

Encarei a vela apagada na minha mesa. Não sei usar magia de fogo para acendê-la. Quando tudo escurecer, não poderei fazer nada...

Contudo, não me importava com isso. Meu corpo estava pesado e sonolento; minha mente, aturdida, como se fosse incapaz de seguir qualquer linha de raciocínio. Tudo que queria era deitar...

E assim fiz, após deixar a adaga na mesa. Coloquei-me naquele lençol amarrotado, puxei a coberta para cobrir meu corpo, apoiei a cabeça no travesseiro e abracei um outro.

Tudo ficará melhor...

Acordarei de volta com a minha família.

Tudo ficará melhor, tenho certeza...

Fechei os olhos. Imagens de como minha mãe às vezes arrumava meu quarto me consumiram. Era tão diferente, tão mais fácil... Sempre que chegava em casa havia alguém para me cumprimentar, nem que fosse meu cachorro pulando com tanto vigor em mim. Odiava as patas dele sujando meu corpo, mas amava o quão feliz ele era, e sempre ria tanto dele...

Sim, a minha vida é tão calorosa... É o meu lugar. Vou voltar para lá. Desculpa pai e mãe pelo tempo perdido aqui. Já estarei de volta com vocês.

Eu...

Vou...

V...

...

— Ah... — bocejei ao acordar, esfregando os olhos que lacrimejavam.

Abri os olhos. O quarto estava bastante escuro, mas não por completo. Um poste do campus, cuja luz alaranjada era produzida por um fogo que constantemente falhava, iluminava um pouco meu quarto pela janela.

Então ainda estou aqui...

Em meio ao silêncio e à solidão, senti a tristeza e o desespero criando vida em meu peito, querendo transbordar, como se fossem um rio prestes a destruir violentamente a barragem. A primeira lágrima saiu, e, como se desse furo toda a estrutura da represa se rachasse, mais e mais lágrimas vieram, com tamanho ímpeto incapaz de se parar.

Segurei com força o travesseiro. Soluços invadiram a minha alma. Já chorei diversas vezes, mas silenciosamente, tentando não ser escutado pelos pais. Mas...

Era impossível. Não dá. Mordi o travesseiro para abafar a minha voz e gritei com força, mas tudo que isso me deu foi ainda mais choro e tristeza.

Deus...

Deus, por favor. Tira-me daqui. Devolva-me à minha família. Eles vão ficar tristes sem mim. Minha mãe já perdeu meu irmão, não a faça me perder também, por favor... Foi tão, tão ruim a ver chorando por meses após a morte dele. Eu sempre me sentia tão pequeno e incapaz de consolá-la, não importava o quanto a abraçasse. Era horrível. Não a faça passar por isso de novo, por favor...

Eu preciso voltar... Mas...

Minha barriga roncou, vazia. Merda... Todos os dias, não importava se eu estivesse estudando, jogando ou dormindo, a minha mãe bateria na minha porta e me chamaria para ir comer a janta.

Porém... Aqui nunca ouvirei sua voz. Nunca mais. Nunca mais vou poder reclamar sobre como ela só faz macarrão, como que queria que ao menos tivesse mais legumes...

Essas brigas bobas nunca mais acontecerão.

Desculpa... Desculpa por ter sido um pirralho, pai e mãe... Desculpa por ter sido tão apagado, tão triste. Desculpa por brigar muito por nada.

Por favor... Prometo que vou ser um filho e estudante melhor... Prometo que vou cumprir a promessa que fiz com meu irmão e me tornar grande... Todos os dias, vou sentar a bunda naquela cadeira e estudar até me cansar. Todos os dias, quando chegar da faculdade, vou abraçar meus pais e dizer o quanto amo eles... Por favor... Vou ser alguém melhor, só... Só me tira daqui, Deus... Por favor...

A dor da fome crescia à medida que chorava mais e mais. Merda!...

Soquei a cama. Soquei novamente. Mordi o travesseiro e gritei mais, mas eu sabia que tudo isso era em vão. Que não importava o quanto protestasse, tudo seria inútil. Não conseguiria jamais fugir dali.

Após um longo tempo nesse lamento, meu peito me implorava para arranjar alguma coisa que me distraísse ao menos um pouco, que me fizesse esquecer de tudo aquilo por um curto tempo apenas. Contudo, o que vou fazer?! Não tem nenhum computador ou celular, nem luz direito para ler livro... Não tem nada! E vou sair para lá fora?! Merda nenhuma! Esse mundo me dá medo, só Deus sabe o que vai acontecer comigo se vagar pela Academia de noite.

Fechei os olhos e tentei apenas dormir para acabar com toda aquela dor. Senti como se horas se passassem, mas nada de sono. Só quero fugir de tudo aquilo, porém, era impossível.

O desconforto se tornou tamanho que me levantei, incapaz de sofrer daquela forma passiva e parada. Meu corpo precisava se movimentar. Aquela dor precisava ser colocada para fora.

Peguei aquela adaga preta. Ela era linda, algo assim seria bem caro no meu mundo.

Sentindo seu peso, um pouco grande mas suficientemente manuseável, cortei o ar, produzindo um barulho que me surpreendeu. Se fosse uma pessoa ali...

Será esse o meu destino, me tornar um guerreiro, como os que enfrentaram o pálido? Terei que colocar a minha vida em risco apenas para sobreviver?

Cortei o ar de novo e de novo. Imaginei como seria se tivesse que acertar pontos vitais do meu inimigo. Eu teria a precisão para isso? Testei. Parece que sim, mas, se tivesse que fazer isso desviando...

Antes que percebesse, o meu quarto estava repleto de sons dos meus passos, treinando de um lado para o outro, desviando das sombras que minha própria mente criava.

Isso. Isso. Se alguém tentar mexer comigo, preciso me defender assim. Isso. Imagine o soco do Cyle vindo novamente à minha direção... Como desviaria? Como contra-atacaria?

Tentei reproduzir um desvio, mas tropecei e caí no chão. A faca caiu junto comigo, mas atrás de mim e em pé. Senti uma leve queimadura no canto da minha barriga, a lâmina cortando de raspão a minha cintura.

Quando percebi o que havia acontecido, meu corpo gelou. Se eu caísse um centímetro para o lado, a faca já penetraria as minhas costas...

Isso era perigoso demais. Mas...

Mas o quê?! Foda-se! Se esse é o meu destino...

Levantei-me, peguei a faca e corri até a parede. Com todo o impulso, a cravei na superfície, até o cabo encostar na parede.

Depois de colocar minha angústia para fora, caí de bunda no chão e ofeguei, suor escorrendo pela minha face e torso. Encarei a adaga enfiada na parede.

O que... O que estou fazendo?...

Quer saber? Foda-se. Levantei-me e me coloquei de novo na cama. Meu coração estava disparado, mas decidi que iria dormir. Quero nem saber dessa vida.

Fechei os olhos e fiquei lá até dormir, o que foi acontecer somente horas depois, quando a luz do nascer-do-Sol já estava entrando no quarto.

No meio do sono tão difícil de ter sido conquistado, porém, ouvi batidas na porta do meu quarto. Ignorei-as e voltei a dormir, até que as ouvi com ainda mais força. O que será que é isso?!

Levantei-me com raiva e caminhei até a porta. Abri-a e me surpreendi com...

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