Volume 1
Capítulo 43: Você gosta de mim?
Quando saímos do quarto e mergulhamos nos corredores rumo ao restaurante, uma primeira dúvida assolou minha mente.
Deveria segurar a mão dela, mesmo com alguém podendo nos ver?
Olhei para ela de relance diversas vezes. Ela queria tornar público que estamos saindo, que nos tornamos mais íntimos? Como isso afetaria a reputação dela? Eu...
De repente, ela segurou minha mão. O calor dela na minha pele e a atitude dela em me reconhecer publicamente relaxaram minha mente, que se permitiu ficar mais silenciosa.
— Você pensa demais... Tá tudo bem. — E entrelaçou nossos dedos, em uma união de mãos que qualquer um poderia ver.
Olhei para ela e sorri, e ela retribuiu o sorriso com outro encantador. Ao mesmo tempo, fiquei curioso sobre ela dizendo muitas vezes que “está tudo bem”. Será que ela era capaz de me ler quando começava a pensar ou me preocupar demais? Ela me conhecia tanto a esse ponto?
Além disso... o questionamento sobre segurar ou não a mão dela também dizia respeito a mim mesmo. A Aithne e a Guinevere poderiam ver. E isso me assustava um pouco. Mas...
Apertei mais forte a mão dela. Realmente, se eu tivesse dito que a amava mais cedo, seria algo no calor do momento. Ainda tinha dúvidas sobre nós. Agradeci a mim mesmo por não ser tão afobado. Só que...
Apesar de tudo, estava tranquilo ao lado dela. Vendo-a assim, do meu lado, tão vislumbrante, ela era tão bonita... Seus cabelos cor de rubi balançavam com o vento, com uma aparência tão macia quanto era ao tato. Em seus olhos, como ametistas cintilantes, sempre me perdia, vislumbrando uma profundidade que nunca falhava em me fisgar...
Um sorriso bobo apareceu em minha face, e cresceu mais ainda quando ela me pegou a observando. Sem mais magia, vi seus olhos brilhando naturalmente pela primeira vez, suas pupilas se dilatando como se quisesse abraçar a pessoa que via diante de si.
— Você é muito fofo...
— Engraçado, porque estava pensando o mesmo de você...
A química que entre nossos olhares se fez tão densa e palpável quanto o corredor ao nosso redor. Impedidos por não estarmos mais no quarto sozinhos, ela mordeu o lábio inferior, enquanto eu suspirei fundo.
Depois dessa breve frustração, rimos juntos e seguimos pelo corredor, logo chegando ao restaurante. O percurso na verdade foi por volta de cinco minutos, mas senti como se fossem cinco segundos, e aproveitei como se fosse meia hora.
Fui entrar no restaurante com ela e...
— Na verdade, tem um lugar que eu queria te mostrar antes — disse ela, subitamente me puxando para trás, dando nem tempo de eu ver o interior do restaurante.
Segui-a, extremamente confuso com a mudança. Olhando-a de trás enquanto corria, não conseguia ver seu rosto, nem ler sua expressão corporal. Estava tudo bem?...
Tudo que podia ver dela era a mão que eu segurava. Será que...
— É porque estamos de mãos dadas?
Pelas brechas no seu cabelo que voava com a corrente de vento, pude ver sua pele se tornando vermelha como fogo. Ela parou e virou o rosto para mim, numa expressão torta e caótica. Nervosa.
— C-claro que não. Por que eu teria medo disso? Eu...
— Violette. — Andei até ela e segurei seu rosto quente, que se tornou ainda mais caloroso a ponto de parecer que fervia. Olhei nos olhos dela. — Está tudo bem. Não precisa ter medo...
— N-não é isso...
Era óbvio que era isso. Mas talvez as razões fossem mais profundas do que imaginaria à primeira vista. Talvez ela sofreria algo com isso, já que Flamel não era mais que um inútil na opinião de todos. Ou talvez fosse pelo meu bem... Imaginar o que Cyle faria comigo se nos visse assim fez meu coração se apertar.
— É que... — tentou continuar ela.
— Não... Entendo. Onde você queria me levar mesmo?
Um sorriso animado se abriu no meio de sua face rubra. Até que...
Meu estômago rugiu outra vez. Ela parou, olhou nos meus olhos e jogou o cabelo para trás, usando a pausa para respirar fundo.
— Quer saber, espera aqui?
— Claro...
Violette passou por mim, em direção ao restaurante. Ela iria pegar comida para nós? Mas... Agarrei seu pulso, impedindo-a.
— Eles permitem levar os pratos para fora? — falei.
— Só se eles não souberem.
Ela sorriu e se desprendeu da minha mão, com movimentos suaves como se fosse uma dança sem música.
— Já volto!
E assim a vi entrar no restaurante, e logo trazer dele dois copos cheios de uma pasta branca que aos olhos parecia bem macia. Quando ela me entregou um dos copos, a temperatura fria dele quase fez meu queixo cair.
— Sorvete?
— Hm? — Ela pareceu não entender, me olhando com olhos curiosos, enquanto esticava a língua para lamber aquilo que eu julgava ser uma bola de sorvete.
Encarei o sorvete na minha mão sem acreditar que aquilo realmente existia. Diferente dela, usei a colherinha que ela trouxe no copo e experimentei a substância, apenas para ter certeza que era sorvete: doce, macio, friozinho e com o típico gosto de baunilha.
Mas, acima de toda baunilha, o sorvete tinha gosto de shopping, de família, de tantas vezes que o tomei junto dos meus pais, junto de amigos, nas filas de cinema, ou por gula depois do almoço... Tinha gosto de tempos especiais que nunca voltariam. Que, como vento, passaram, e tudo que sobrou foi a sensação de refrescância na pele, que mais marcava sua ausência que o prazer que uma vez senti.
Enquanto me perdia nas incontáveis memórias que davam ao sorvete frio e doce um gosto caloroso e amargo, senti algo envolvendo minha mão carinhosamente. Era Violette, me encarando com um sorriso pequeno mas verdadeiro, o tipo de felicidade muda e pacífica.
— Vamos?
Sorri de volta.
— Vamos.
Ela riu, um sorriso tão fácil que me fez sorrir ainda mais.
— Então vamos! — disse ela, animada.
Então ela se virou e saiu andando às pressas, segurando minha mão, enquanto o sorvete nos nossos potes começava a derreter. Quase tivesse que correr para me manter ao lado dela, mas estava feliz.
Pelo corredor, encontramos mais algumas pessoas, e sentia a mão dela ficar cada vez mais calorosa a cada colega que passava por nós. Com medo de ela sofrer algo por isso, tentei largar sua mão, porém ela a apertou ainda mais forte e seguiu rápida no corredor como uma bala.
Nunca, nunca em minha vida imaginaria a famigerada, temida e imprevisível Violette agindo como uma adolescente tímida e apaixonada. E, sinceramente...
Isso só a tornava mais fofa.
Eu imaginava que ela me levaria para longe, mas não tão longe. Passamos pela entrada da floresta atrás do dormitório e nos colocamos a descer o morro, naquela trilha de terra sinuosa e cheia de falhas que poderiam nos fazer cair ladeira abaixo em um instante.
Talvez ela tivesse percebido como minhas pernas tremiam, porque quase de imediato se colocou à frente e usou nossas mãos como um apoio para me sustentar. Sabia que ela era forte, mas fiquei impressionado com como eu poderia colocar todo meu peso na mão dela que ela permaneceria firme, sem menor sinal de esforço.
— Sua agilidade está melhorando. Tem treinado? Quando troquei suas roupas, percebi que seu corpo está mais definido também — comentou ela enquanto descíamos, num tom tão casual que nem parecia que o assunto era íntimo.
Mas ouvir aquilo me fez ficar com o rosto pegando fogo. Virei para o lado, encarando a mata que nos cercava.
— Você podia parar de mexer nas minhas roupas.
Violette, que sorria até então, apertou os lábios, meio emburrada.
— Não sei se você sabia disso, mas sujá-las e até rasgá-las consome as runas delas. Acha que seu uniforme vai ficar limpo para sempre?
— Espera, você tem refeito as runas do meu uniforme? — Olhei para ela boquiaberto.
— Hm? — Ela me fitou com uma sobrancelha levantada, como se estranhasse a surpresa. — Sim? Notei que a sua experiência com feitiçaria é... meio baixa. Então tenho te poupado do trabalho. Você nunca percebeu?
— Não...
Ela sorriu de uma orelha a outra, por algum motivo que não sei se algum dia entenderia.
— Certo. Agora vamos terminar de descer. Na verdade, em vez disso... — Ela me encarou com um sorriso tão, mas tão travesso que minha nuca se arrepiou...
Antes que eu pudesse reagir, Violette puxou meu braço com força, me fazendo cair na direção dela. E, para piorar a situação, ela deu um passo para o lado, liberando a passagem para que eu caísse de cabeça rumo ao chão no final do morro.
— VIOLETTE!
Mas, assim que passei por ela em alta velocidade, ela puxou meu braço de volta e me fez rodar ao redor dela, antes de me arremessar ainda mais alto, para mais de dez metros de altura. Cheguei tão alto que conseguia ver as árvores por cima e contemplar a vastidão da floresta, como se a observasse de cima de uma roda gigante.
No entanto, a vista durou menos de um segundo, e logo meu corpo voltou a cair.
— AAAAAAHHHHHHHHHHHHHH!
Debati meus braços e pernas no ar enquanto despencava desesperadamente, até que me vi acima do rio profundo que passava por lá. Então me concentrei em cair em pé para não me quebrar contra a água, quando de repente vi uma Violette selvagem acima de mim, caindo em uma velocidade ainda maior. Ela me abraçou e disse com toda calma e fofura do mundo:
— Flamelzinho~
— FILHA DA-
E caímos juntos no rio.
Achei que tivesse morrido, porque não senti nada. Quando abri os olhos, vi ela abraçada a mim, uma bolha azul-escura nos protegendo debaixo d’água. Notei também que a bolha tinha nos protegido da batida contra o chão no fundo do riacho.
Inevitavelmente, a bolha nos levou de volta à superfície. Nadamos até a beira do rio, onde nos sentamos. Eu estava ofegando, o medo e adrenalina tão grandes ainda fazendo todo meu corpo tremer violentamente.
— VIOLETTE, VOCÊ...
E ela começou a rir, em um volume tão estridente que os pássaros voaram de árvores próximas. Ela riu a ponto de cair no chão lamacento e não conseguir se conter, gargalhando até acabar suas forças — se um dia pudessem acabar...
Eu fervia de raiva dela. Mas vê-la assim...
Suspirei fundo, e a raiva se transformou em um pequeno sorriso, ainda meio amargurado, mas também contente. Ela continuou lá, rindo, se debatendo igual um peixe fora da água. Nunca tinha a visto desse jeito... De alguma forma, não conseguiria ficar com raiva dela. Até fiquei feliz — e fiquei com raiva de mim mesmo por isso.
Ela segurou minha mão, ainda em sua gargalhada interminável. Cansado e com os sentimentos mistos, deitei no chão e suspirei fundo. Porém, do meu lado, vi algo na terra molhada que me fez levantar assustado.
No chão, vi, de forma bastante apagada, o que aquele menino na beira deste rio tinha escrito há algumas semanas:
Omnix Beytran.
E, abaixo desse nome, estava escrito uma frase que não me lembrava de ele ter escrito.
“A beleza do presente...”
Tinha quase certeza que essa frase foi pronunciada por aquele garoto. Esse mesmo garoto que, com uma aparência idêntica, era Flamel na memória de Guinevere...
Encarei o céu. Que relação Flamel tinha com Omnix Beytran? E como eu havia conseguido conversar com Flamel aqui? Será que foi realmente ele? Será que-
— Flamel? — chamou-me Violette.
Olhei para ela, e a encontrei com o rosto sujo de lama e vermelho de tanto rir.
— Você não tem jeito, né?
Como se minha fala tivesse despertado algum gatilho nela, ela voltou a rir e a se debater no chão. Meu Deus...
Fiquei lá em silêncio, aguardando por ela, enquanto segurava sua mão trêmula.
Quando já haviam se passado algo em torno de cinco minutos, ela segurou meu rosto e o virou para si, me fazendo encarar uma Violette tão alegre que seria capaz de animar qualquer um que a visse assim, não importa o quão triste a pessoa poderia estar. Apenas a lateral do rosto estava suja, de forma que permanecia tão bela e radiante quanto sempre.
— O que você...
Antes que pudesse terminar minha fala, ela colocou seus lábios nos meus e me roubou um beijo súbito. O formato curvo de seu sorriso passou para mim, como se fosse uma gripe. Até comecei a rir, surpreso com o beijo repentino.
— Flamel... — Ela disse, tão próxima de mim, com um ar quente saindo de sua garganta, quase sufocante.
— Violette... — Segurei a nuca dela e, olhando seus olhos e lábios, meu coração quis de novo se extravasar através de palavras que poderiam me fazer arrepender.
Ela pegou minha mão e colocou sobre seu seio, e tornou a me beijar de novo. Não hesitei e o apalpei, sentindo aquela maciez, fruto divino da natureza, que fez meus hormônios borbulharem à flor da pele...
Aproximei-me ainda mais dela, agarrei sua cintura, puxando-a contra mim, e...
O grito de um pássaro, rouco e potente, cortou a floresta. Naquele momento, olhei para Violette, para seus cabelos molhados, a lateral do rosto suja, a gente deitado no barro... E comecei a rir. Ela também. Encostamos a testa um no outro e rimos como um só, num abraço mais frouxo.
— Você é um fofo mesmo... — Ela trouxe sua mão limpa para meu rosto e colocou seu dedo indicador nos meus lábios.
— Você gosta de dizer isso, hein?
— Bastante. — Violette deu uma piscadela para mim, antes de se levantar e estender a mão para mim.
Aceitei a ajuda e fomos nos lavar no rio, sem necessidade de tirar as roupas, já que estávamos encharcados. Enquanto ela tirava a terra do rosto, um sorriso brincalhão tomou conta do meu rosto. Coloquei a mão na água e...
— Cuidado! Tá vindo um... Tsunami!!!
Usei o feitiço de fortificação corporal e um feitiço básico de água, e joguei um monte nela, suficiente para inundá-la por completo.
A água caiu na Violette, que ficou parada me olhando, como se não acreditasse no que aconteceu. Em vez de rir, seus olhos ficaram afiados como uma adaga. Engoli em seco e me arrepiei todo. Dei um passo para trás...
— E-espera, Violette...
Ela colocou a mão na água, e uma extensa runa, muito mais complexa que a minha, brilhou na superfície.
— Espera, Violette! Eu estava brincando! Era só uma brincadeira! Era só...!
A runa do feitiço cintilou com intensidade máxima, e de repente um verdadeiro tsunami pareceu se apossar do rio, criando uma onda gigante que foi correndo em alta velocidade para cima de mim.
— VIOLETTE, EU TAVA-
E me acertou em cheio. Saí rodando debaixo da água, empurrado para trás. Quando me levantei, meio atordoado, dei de cara com o rosto sorridente da Violette, que voltava a gargalhar igual uma louca, enquanto me abraçava com força.
Ainda mais sem jeito que antes, a abracei de volta e comecei a rir um pouco também. Essa garota...
Ela ainda vai me matar algum dia.
— Onde estamos? — falei, enquanto terminava de torcer as roupas encharcadas no meu corpo.
Curioso, observei melhor o local. Por fora, parecia uma extensa cabana, feita apenas de madeira bruta, como se fosse uma extensão da selvageria da floresta. Por dentro, o lugar era amplo e bem-arejado, com temperatura agradável. Diversas fileiras de bancos seguiam até um altar com uma cruz ao fundo, o que me lembrou bastante de uma igreja. Só que Violette e igreja não eram duas coisas que combinariam muito, certo?...
— Então... — Ela começou a me contar sobre a história do edifício.
Foi algo que seus pais ordenaram ser feito na Academia para ela. O formato de igreja era uma forma de disfarce caso alguém encontrasse — o que seria extremamente difícil, já que estava bem escondido dentro da floresta.
Pelo motivo de seus pais “quererem sua proteção”, eles deixaram debaixo de alçapões um verdadeiro arsenal de armas e mantimentos. Normalmente, não teria estranhado, mas, a conhecendo melhor, notei que seu corpo se enrijeceu enquanto falava disso... Fiquei um pouco desconfiado se essa era a verdadeira razão dos seus pais, mas, se não fosse, não sabia o que seria.
— E até foi por isso que, quando você foi atacado por lobos, eu estava por perto. Estava voltando daqui. Usualmente, quando quero treinar com alguma arma ou aprender uma feitiçaria própria da minha família, venho treinar aqui, onde mantenho tudo em segredo.
Manter tudo em segredo... Ela revelar essas coisas para mim me fez sorrir. Violette estava realmente confiando em mim...
Pergunto-me o que fiz para merecer tamanha confiança. Era apenas o “Flamel, o inútil”, e o “Michael, o desconhecido”. Essa confiança, esse apreço por mim, fez meu estômago pular, como se borboletas voassem nele.
— Entendi. Aqui parece ser bem agradável. Daria para ser uma espécie de Bunker ou algo assim.
— Bunker?
— Ah! — Sorri de nervoso. — Quero dizer, um esconderijo secreto para se a Academia virar um caos, sabe?
— A Academia virar um caos... — Os olhos dela fitaram um dos bancos, perdida nos próprios pensamentos. — Mas gosto de passar um tempo sozinha aqui. Se eu sumir de novo... sabe agora onde me encontrar.
As memórias de ela sumindo e eu a procurando por toda Academia passaram pelos meus olhos. Então era por isso que não a encontrei antes...
E, com ela me dizendo isso, ela acabava de perder seu esconderijo secreto. Ela realmente confiava em mim e me queria por perto...
— Obrigado.
Ela sorriu meio tímida e segurou minha mão.
Só nos dois ali, decidi perguntar algo sensível sobre um assunto que tocamos e que me incomodava:
— Acha que as coisas vão piorar por aqui?
— Não sei... — Ela se sentou no banco de madeira e fez um gesto para que me juntasse. — Mas é bem provável que tempos sombrios virão pela frente.
— Tempos... sombrios? — Engoli em seco e me sentei ao lado dela.
— Sim. Sabe o professor... — começou a comentar ela, mas mordeu os lábios e se interrompeu. — Quer saber? Vamos deixar esse assunto para depois. — Ela colocou a cabeça no meu ombro e abraçou meu braço.
Encarei-a, e aquele agradável silêncio, preenchido pelas sensações divinas no peito, tomou conta da gente. Aconcheguei-me junto dela, acolhidos um ao outro.
Ela tinha razão, esse assunto poderia ser deixado para depois...
— Flamel — chamou ela, a voz quase tão suave quanto o vento.
— Hm?
Ela apertou meu braço. Abriu a boca, mas...
— Eh... — não encontrou as palavras de imediato.
Respirou fundo, mordeu os lábios, me apertou ainda mais e finalmente perguntou:
— Você gosta de mim?
Aquela pergunta me desnorteou um pouco. Desde ontem, afinal, tenho me feito a exata mesma pergunta. O quanto eu gosto dela?
Se tivesse me perguntado no começo do dia, minha resposta seria confusa. Ainda tinha muitas incertezas. Mas, a cada instante juntos, a cada piada, a cada brincadeira, a cada vez que olhei em seus olhos e vi uma afeição impossível de fingir... A cada vez que ela chorou, se alegrou e me quis mais...
Uma parte de mim se sentiu estranhamente querida e especial. Não só isso, mas, quanto mais descobria sobre ela, mais queria conhecer seus mistérios, seus segredos... No fundo, ela era uma boa pessoa, e perceber isso em seu olhar me tranquilizava.
Também percebi o quanto ela já fez por mim. Não só ficava reestruturando uma runa tão complexa quanto a do uniforme — o que certamente levava muito tempo —, como sempre se mostrou dedicada a mim, mesmo quando tentei expulsá-la para longe com todas forças possíveis.
Na verdade, não sabia quando esse sentimento começou. Se foi algo hormonal nos beijos, se foi um desses numerosos episódios em que me senti verdadeiramente querido e apreciado, se foi ver a beleza nela, se foi vê-la tão envergonhada no corredor e mesmo assim querendo revelar nossa afeição ao mundo, e agora há pouco tão desinibida gargalhando e rindo...
Mas sabia que não importava a origem desse sentimento, ele havia se multiplicado e se tornado claro como um céu ensolarado.
Segurei o queixo dela e a fiz fitar meu rosto. Olhando em seus olhos, disse com um sorriso tranquilo, embora com o coração acelerado:
— Sim. Eu gosto de você, Viol.
Lentamente aproximei meus lábios dos dela, e nos conectamos num longo beijo.
Quando nos separamos, vi rolarem de seus olhos algumas lágrimas. Foi estranho, mas era como se pudesse sentir um peso enorme em cada uma delas, como se expulsassem para fora sentimentos sufocantes que esfaqueavam seu coração.
Ao mesmo tempo que ficava feliz por ela, vê-la daquela forma também fez meu peito doer. Toquei seu rosto, limpando as lágrimas com meus dedões, enquanto a via soluçando de olhos semi-abertos.
— Viol...
— Flamel, obrigada. Muito obrigada mesmo... — Ela abraçou meu braço ainda mais forte. — Eu também gosto muito de você...
Abraçamo-nos mais. A Violette, tão forte e provocadora, se refugiou no meu peito e não saiu mais dele. Mesmo depois de parar de chorar, continuou lá, escondida, protegida de todo mundo, de todas pessoas, de toda Academia.
E eu... Eu continuei a abraçando, sentindo meu coração vibrar a cada palavra que trocávamos, a cada olhar nosso que se conectava.
Porque talvez a paixão fosse assim. Um grande impulso prazeroso e especial para nos conectar a alguém, para criarmos laços profundos com a pessoa. Se não houvesse a paixão, talvez nunca sairíamos da nossa bolha para nos conectar dessa forma com ninguém, assumir tantos riscos de forma tão sensível e vulnerável que poderia resultar, um dia, em uma vida construída juntos, com um lar, uma família, um espaço só nosso.
E, talvez, mais do que queria confessar, me apaixonei por ela. O modo como ela conseguia fazer meu coração arder e se dilacerar, ou sorrir e rir ainda mais alto que as gargalhadas dela, mostrava que eu me importava com ela mais do que confessava.
Talvez... Talvez...
— Flamel... — disse ela, olhando nos meus olhos. — Me promete uma coisa?...
— O que foi? — Cocei a cabeça dela, o que a fez piscar os olhos lentamente, confortavelmente aproveitando o carinho.
— Promete que... — Ela agarrou e apertou o uniforme no meu peito. — Que quando eu acordar amanhã, ainda vou poder te ter assim?
Um pequeno sorriso desabrochou em mim. Era nosso primeiro acordo, nossa primeira pequena promessa um ao outro.
— Sim. Desde que você não me faça te ver com outro.
— Nunca pensei em fazer isso com meu Flamelzinho.
Ela riu e, como se recuperando o vigor natural de si, se colocou de joelhos no banco, ficando mais alta que eu, e me conduziu a outro beijo. Não mais precisei pensar, e apenas segui o fluxo que ela nos guiava.
Quando me dei conta, estava no colo dela, as mãos gentis acariciando minha cabeça, explorando cada centímetro do meu couro cabeludo bem lentamente... Aquilo me era estranhamente familiar, como um passado perdido que finalmente encontrava voz no presente. Aquilo era seguro, tão seguro e confortável... Algo que só agora percebia que eu queria muito viver novamente, mas que nunca havia conseguido.
Fechei os meus olhos, e ela riu de levinho.
— Obrigado.
— Eu que agradeço por tudo, Flamel.
Essa garota... Ela era realmente especial.
Beijei a coxa dela, e uma lágrima escorreu pela minha bochecha. Uma parte de mim, muito funda, ficou imensamente grata por ter a Violette comigo. Não só aquele momento no colo dela, mas ela, com todos seus mistérios e carinhos que vinham nos momentos mais inesperados. Ainda precisava conhecê-la melhor, mas...
Era ela quem eu queria para mim. Talvez estivesse sendo apressado. Talvez pudesse me machucar outra vez. Mas... Nada disso importava mais. Queria tentar com ela, estar ao lado dela, e...
Pegando-me de surpresa, ela me puxou para mais perto e começou a cantarolar uma música tranquila, de boca fechada. As notas reproduzidas entravam pelos meus ouvidos, abraçando minha mente e coração. Sentia tanto carinho, tanta proteção de seus dedos deslizando pelos meus cabelos, afagando todas minhas preocupações.
Por um dia, esse seria meu descanso. Depois treinaria o quanto fosse preciso para continuar minha jornada. Mas...
Hoje era eu e ela.
E eu não poderia ter ficado mais feliz sobre isso.