O Meu Caminho Brasileira

Autor(a): Rafael AS

Revisão: Rafael-AS


Volume 1

Capítulo 42: Seus lábios

Yawwnnnn...

Espreguicei e bocejei, acordando de um sono pesado e confortável. Tão confortável que estava cheio de preguiça e desejo de dormir mais.

“Mas não posso...” Não, não podia. Precisava ir treinar antes que ficasse com mais preguiça. Não perderia mais nem um dia sequer.

Coloquei as mãos na cama e tentei me levantar, mas um peso sobre meu torso me impediu. Que estranho...

Cocei os olhos, limpando as lágrimas do bocejo, e finalmente os abri. A primeira coisa que vi diante de mim foram longos cabelos ruivos que eram tão brilhantes e charmosos quanto o fogo. Só então notei o perfume doce que exalava dele.

Hmmm... — A dona desses cabelos se moveu sobre mim, acordando aos poucos com movimentos lentos. Virou o rosto para mim e tentou me ver, mas seus olhos praticamente se fechavam, indefesos contra o sono. A Violette, usualmente tão forte e impenetrável, encostou sua bochecha no meu peito e o acariciou com a lateral do rosto, relaxada e vulnerável, com seu cabelo bagunçado pela manhã. — Já acordou?...

Vê-la tão próxima de mim era um sentimento estranho, estranhamente quente. Aos poucos, recobrei as memórias do dia anterior, que tinham momentaneamente sumido da mente após o sono pesado. Parecia que forcei demais meu corpo no treinamento da noite anterior...

— Ei, Viol — cochichei, um pequeno sorriso tímido se formando no rosto. — Bom dia.

— Bom dia... — respondeu ela num tom cansado e lento. Fechou os olhos e voltou a dormir.

Não consegui não sorrir ainda mais com tudo. Ela era tão fofa...

Comecei a acariciar seus cabelos. Ou melhor, comecei a brincar com eles, levando algumas mechas para trás das orelhas, colocando para trás o cabelo bagunçado na testa, acariciando sua nuca enquanto alisava a cascata ruiva e sedosa que descia pelas costas...

Era engraçado como que meus sentimentos por ela mudaram tanto em tão pouco tempo. Há pouco menos de um dia, estava chorando caído no chão com ela me abraçando por trás, tirando toda amargura que tinha dela no peito.

Depois, acordando em seu quarto, pelos nossos lábios, compartilhamos o desejo ardente que tínhamos um pelo outro...

Mas eu a parara. Fiquei com medo de seu desejo por mim não ser mera afeição, mas um jogo de seu orgulho, do ego, ou uma carência que pouco teria a ver comigo. Só que a forma como ela me abraçou logo em seguida, que não me deixou ir, se humilhando desse jeito mesmo sendo uma pessoa tão orgulhosa e cheia de si...

Não sabia por que ela gostava de mim. Mas tudo apontava que, sim, ela gosta de mim. Não se tratava de apenas uma pessoa que tivesse a abraçado e a desejado, ou alguém que pudesse brincar e seduzir. Não era Flamel, que ela nem deveria conhecer. Era eu.

Um sentimento estranho invadiu meu peito. Era uma alegria, uma felicidade, mas... um pouco triste, melosa. Uma alegria surda. Que enfraquece o coração, derrete-o como brasas, torna o corpo fraco, e essa fraqueza só faz querer abraçá-la ainda mais forte...

E assim o fiz. Do meu aperto, ela soltou um suspiro ainda mais relaxado e fez o mesmo comigo, cobrindo minha cintura com seus braços.

Naquele quarto silencioso e escurinho, com alguns raios de Sol penetrando pela janela com um ar alaranjado e sutil, tão suave quanto nosso carinho, senti meu coração se derreter ainda mais. Derreteu tanto que pareceu se tornar vapor e querer sair pela garganta através de palavras. Palavras que queriam expressar aquela afeição que me tomava, que fazia meu coração bater, sorrir e doer. Palavras das quais poderia me arrepender.

Abri os lábios, mas hesitei. O que diria? Que a amo? Que eu gosto dela? Depois de tê-la rejeitado? Depois de desgostar dela e, numa só noite, já ficar tão feliz de tê-la assim?

Não poderia me deixar ser tão emocionado assim...

Mas algo aconteceu. Ela se mexeu entre meus braços e me olhou com olhos doces e carentes, com aquela mesma sublime sensação agridoce que apertava e acariciava meu coração. Daquele olhar profundo, um pequeno sorriso se abriu nos lábios. Não houve palavras, mas sua face e seu olhar gritavam para mim que ela sentia o mesmo. 

Meu coração acelerou, batendo forte e vivo como nunca. Violette colocou sua mão no meu peito e o acariciou lentamente, sentindo a vibração dele. Seu sorriso se expandiu mais um pouco, e seu rosto branco como a neve tingiu-se de vermelho das rosas, da cor do nosso coração.

Ela puxou a perna e a apoiou na cama, eu a abracei ainda mais forte. Ela se empurrou mais para cima, meus olhos encontraram-se com os dela. Ela tocou meu rosto, eu agarrei sua cintura e puxei para mais perto de mim. Ela se sentou no meu colo, e eu vislumbrei o infinito em seu olhar. Ela aproximou seu rosto do meu, e eu fiz o mesmo. Seus lábios tocaram os meus, e eu...

O aroma suave e delicado de seus lábios fez meu coração explodir-se em vibrações inexpressáveis. Junto dele, todo meu corpo vibrou junto, com ondas de prazer que percorreram todo meu ser e desaguaram nos lábios dela, os quais também se apertavam e me beijavam com a mesma alegria explosiva, gritante e muda. 

Quando nossos lábios se separaram, ela me fitou com olhos brilhantes. Não eram os mesmos que assim me encaravam para me investigar, mas antes pupilas que pareciam sorrir com um êxtase também refletido em seu sorriso.

Não houve dúvidas nem sombras. Apenas clareza e certeza entre nós.

Como se tornasse tímida de repente, ela escondeu sua face no meu peito, sua mão acariciando minha barriga. Beijei o topo da cabeça dela e sorri. Ela suspirou profundamente, como se me agradecesse.

— Parece que você acordou feliz — falei.

Esperei, mas ela não me respondeu. Continuamos ali, na presença um do outro, nos acariciando. O silêncio que recaiu, longe de incômodo, foi preenchido pelo prazer angelical que vibrava no meu peito... não, no nosso peito.

O silêncio somente foi quebrado quando...

Meu estômago roncou violentamente.

— Parece que alguém está com fome. — Ela riu e se sentou na cama, virada de costas para mim. Uma alça de sua camisola estava caída, fazendo seu seio quase se revelar.

— Talvez. — Ri também e me sentei na cama ao lado dela. Entreolhamo-nos e levei minha mão para perto da dela, querendo segurá-la, mas algo me impediu. Realmente deveria fazê-lo? Será que ela...

Antes que pudesse pensar mais, ela segurou minha mão e entrelaçou nossos dedos.

— Você pensa demais — sussurrou ela com um sorriso. Aproximou-se de mim e beijou meu pescoço, colocando tanta pressão como se fosse meus lábios no lugar.

— Talvez.

E fala muito “talvez”. Você pode ser menos lógico e racional também — disse ela no meu ouvido, e beijou minha bochecha uma última vez, antes de se afastar e se levantar.

Uma vez em pé, ela me deu a mão.

— Vamos? — disse ela, exibindo um sorriso grande que, apesar de não combinar muito com ela, era verdadeiramente lindo. E parecia sincero.

— Para onde?

Peguei a mão dela e me levantei. Depois de me fitar nos olhos por um segundo, seu sorriso se transformou em um travesso. Virou-se de costas e deixou a camisola cair, revelando o corpo que antes somente poderia ser contemplado pela imaginação.

— Tomar café-da-manhã. — Ela pegou o uniforme que deixou na mesa e começou a vesti-lo, junto do sutiã. Ainda meio confuso com a nossa intimidade florescendo tão rápido, sem saber ainda até onde poderia ir, virei o rosto para o lado, embora estivesse tentado a ver mais daquela cena que nunca pensei que um dia testemunharia. — Parando para pensar, nunca te vi lá de manhã...

— Não sabia que tinha comida. — Dei de ombros, meio envergonhado disso e de tudo, e notei que havia um uniforme dobrado no pé da cama, do mesmo tamanho do que eu vestia. Peguei-o e me despi também, depressa, antes que ela percebesse.

Quando ia começar a botar a calça, ela se virou, já pronta, e seu sorrisinho se abriu ainda mais.

— Ora ora~

— Gostou do que viu?

Ela riu e percorreu seus olhos pelo meu corpo.

— Hmmm. Bastante.

Embora ela tivesse o dom de fazer eu querer me enfiar debaixo da terra, dessa vez a vergonha foi surpreendentemente agradável. Apenas sorri de volta, feliz pelo elogio descarado.

Coloquei minhas roupas e percebi que havia um espelho no armário dela. Vi-me com o uniforme, e lá estava Flamel Vandutch, que todos esperavam encontrar. O aluno da Academia Real de Bauchir. E que agora parecia ter conquistado a Violette...

— Sabe, desde aquele dia que te encontrei antes da apresentação da Hayek, é como se você fosse uma pessoa completamente diferente — disse Violette, pegando uma adaga da mesa e a escondendo dentro da meia.

As palavras dela fizeram meu corpo congelar e se paralisar. Com medo de a reação ser muito suspeita, sorri e cocei atrás da cabeça.

— É mesmo?

Ela se virou e me fitou com os olhos brilhando em magia, o rosto mais sério. Aquela encarada me fez tremer e quase suar frio.

Mas, de repente, um sorriso caloroso cresceu nos lábios dela.

— Sim. Você mudou demais. E continua mudando bastante. Estou orgulhosa. — Ela estendeu a mão de novo para mim. — Vamos?

A expressão facial dela, aconchegante e quente, me fez deixar a ansiedade de lado.

E, afinal, se ela soubesse que não sou Flamel, nenhum de seus sentimentos fariam sentido. Poderia até ter me seduzido para satisfazer suas dúvidas, mas jamais teria se deixado tão vulnerável e desprotegida, me encarado com tanta afeição, ou ter praticamente se humilhado. Ou ter se envolvido publicamente comigo, no duelo ou na arquibancada com Guinevere, e ter feito sua vida social possivelmente ser muito mais difícil...

E, além de tudo isso, simplesmente nada poderia corromper o carinho que vi nos olhos dela. Era impossível que seus sentimentos fossem falsos. E ela parecia gostar de mim, e não de uma história que tinha com Flamel.

— Vamos.

Segurei sua mão, determinado a compensar pelas minhas atitudes recentes que provavelmente a fizeram sofrer muito.

Assim, saímos do quarto de mãos dadas.



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