Volume 1
Capítulo 13: Levante-se
Silêncio. Sumia-se o farfalhar das folhas, o canto dos passarinhos. Nada havia de som. Apenas o som da grama sendo esmagada a cada passo.
Era escuro. Prosseguia com lentidão entre as árvores e arbustos repletos de espinhos preparados para se cravarem em minha carne. Porém...
Crack, quebrei um galho ao nele pisar com o pé descalço.
Quem quer que estivesse aqui precisava ser salvo rápido; eu tinha que ser mais rápido, correr, lutar, mas-
— Argh! — Um agudo espinho cortou minha panturrilha, uma linha vermelha descendo até a cicatriz do calcanhar. Ignorei-a a segui adiante, por entre tantas árvores que já nem mais sabia se estava na direção correta. Estava perdido.
Meus olhos fitaram a escuridão ao redor, tudo se tornando mais sombrio a cada minuto com o pôr-do-sol. Suspirei fundo e apertei meu peito. Pensei em voltar, mas quem ajudaria essa alma em socorro?...
Ainda assim, tudo poderia ser em vão; a loucura me espreitava a todo instante, já não sabia o que era real ou imaginário, nem se poderia confiar na minha memória; talvez nem haja grito algum e tudo isso foi outra ilusão — ou armadilha. Por que esqueci o que aconteceu? Por que meu quarto parecia tão perigoso? Por quê...
Um rugido quebrou rompeu o silêncio da floresta. Outro grito ressoou, pavor e agonia escancarados com o socorro. A pessoa ainda está viva, ainda pode ser salva.
Corri, minhas pernas e pés sendo cortados e perfurados pela mata selvagem, mas precisava ser mais rápido, mais rápido...
Dentre as paredes de árvores, surgiu uma planície extensa e plana. Ao centro, um menino gritava ao ter um lobo mordendo sua perna, a terra manchada do rubor vermelho. Dois outros lobos o encaravam com olhares famintos, baba descendo à grama. A criança berrava, soluçava, tentava rastejar para longe, mas o lobo mastigava a canela impiedosamente.
A visão me fez querer vomitar. Mas logo ódio tomou meu peito em um ímpeto que me fez adentrar na planície e ir direto aos lobos, que perceberam a minha presença, rugiram e encolheram-se, preparados para um bote rápido e letal.
Segurei a alça da mochila incerto, meu coração quase saindo pela garganta. Os olhos ameaçadores dos lobos me espreitavam, era impossível correr, são muito mais rápidos que eu... Onde fui me meter? Talvez, se eu fugisse por entre os arbustos espinhentos... mas o que aconteceria com o menino? Não posso... Segurei minha adaga com firmeza e apontei em direção à testa do lobo mais próximo; ficarei e lutarei. Não sei como, mas eu-
O lobo pulou em altíssima velocidade até meu corpo. Tentei saltar para o lado, mas tropecei, caí e rolei pelo chão. Assim que me pus de joelhos, a boca de outro lobo se fechava em meu rosto, o bafo de sangue e carne humana. Fechei os olhos e levei a minha adaga para cima em reflexo.
Um grunhido fez-se tão alto que senti meus ouvidos estourando. Abri os olhos e presenciei um lobo na minha frente, a adaga perfurando o focinho verticalmente como uma estaca.
Minhas mãos se estremeceram. Eu fiz isso?... Eu...
Outro rugido surgiu ao meu lado; atacava-me pela esquerda outro lobo com um salto no ar, já caindo direto em mim para me abocanhar; tentei puxar a adaga, mas ela estava presa no rosto da outra besta, merda, merda...
Larguei a adaga e me joguei para o lado, rolando pela terra, mas o som do rugido, que se fez distante por um segundo, já estava do meu lado novamente. Meus olhos se levantaram apenas para vislumbrar os gigantes dentes afiados a poucos centímetros do pescoço, e...
— ARGH! — Coloquei o braço na frente, cuja carne foi triturada com os dentes maciços. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, pelo canto do olho vi o vulto do terceiro lobo correndo até mim. Apontei o dedo para ele e, numa tentativa desesperada, apostei tudo em um feitiço feito às pressas.
Disparo elétrico.
Uma descarga elétrica cortou a penumbra da floresta com um clarão e conectou minha mão à cabeça do lobo instantaneamente. O animal gemeu e tropeçou, afundando o focinho contra o chão em alta velocidade.
— GRRR! — O lobo no meu braço tentava balançá-lo de um lado para o outro para arrancá-lo. Quanto mais resistia ao movimento, mais os dentes penetravam, até sentir meu osso sendo mordido. A dor aguda que percorreu todo meu corpo era tão intensa que berrei em agonia.
Segurei a cabeça do animal, apertando o pelo com toda minha força, e disparei meu joelho contra seu crânio, mas ele desviou para trás e fez ainda mais força para arrancar meu braço junto. Segui-o e chutei sua barriga; o impacto o fez recuar e largar meu braço. Encarou-me com os dentes brilhando de sangue meu.
Outros rugidos roubaram minha atenção. O lobo que estava com a adaga presa havia a arrancado com as patas e agora me encarava com ódio. A besta que havia tomado o choque já estava de pé e me espreitava, andando com passos leves ao meu redor, aguardando por um momento de descuido para dar um bote na minha nuca. Os três andavam em círculos ao meu redor.
Era impossível sobreviver a um ataque de todos ao mesmo tempo. Encarei meu braço e vi a carne rasgada que exibia meu osso... Seria esse o meu fim?... Merda...
— Corre! — Olhei para o garoto e apontei para a direção da qual vim. Ele parou de chorar e me encarou, mas sem fazer ou dizer nada. — Anda, corre!
Ele se levantou e, com indecisão, correu até sumir na mata. Encarei os lobos ao meu redor. Seus olhos eram assassinos, mas frios e inteligentes. O primeiro deslize seria meu fim.
O que posso fazer? Como posso lidar com três ao mesmo tempo? Posso usar um disparo elétrico em um, mas então como sobreviveria aos outros dois? O que...
Os lobos saltaram em mim ao mesmo tempo. Pulei para o chão, mas minha perna foi mordida e puxada de volta. Os outros dois lobos voaram direto em meu pescoço e face. Enfiei a adaga na testa de um, mas o outro cravou os dentes no meu pescoço e arrancou uma parte da carne dele.
Enquanto minha perna era mastigada e triturada, agarrei a pele do lobo ao meu pescoço e o eletrocutei, a descarga elétrica passando do corpo dele ao meu, e do meu ao lobo que destruía minha perna. A dor penetrou cada fibra do meu corpo e fez meus músculos se enrijecerem, mesmo os machucados e abertos.
Nunca respirei tão fundo, embora ar também entrasse pelo buraco no pescoço. No entanto, logo estavam os dois de volta atacando meu corpo; no impulso, dei um choque de novo, de novo e de novo.
Não aguentava mais... A cada vez que se erguiam e retornavam ao meu corpo, a opção de só morrer e me deixar ser mastigado parecia melhor, mas... De novo. De novo... Meus gritos eram ainda maiores que os deles a cada descarga.
Minha mente se paralisou entre a consciência e inconsciência. Observei as árvores ao meu redor. Não sentia dor, nem mesmo meu peito subindo a cada respiração. Meus olhos captaram a terra banhada de sangue, mas só isso. E... e...
Levante-se, ouvi minha mente.
Levantar-me?...
Nesse ponto, os arredores eram tão escuros que era surpreendente que conseguia ver os lobos. O ar tornava-se frio e pesado. Estava vulnerável em uma floresta desconhecida. Sozinho. Frágil. Desolado.
Levante-se, insistiu minha mente. Será tarde demais em breve.
Será tarde demais em breve? Mas...
Meus olhos, que fitavam as árvores, começaram a se fechar. Quero dormir... Quero descansar...
Levante-se. Agora.
Por que minha mente me tortura assim?...
Sentei-me, a pressão do movimento fez sangue esguichar do pescoço. Minha canela estava destruída. Como iria andar? Não dá... Vão me salvar mais uma vez se eu desmaiar aqui... Assim como sempre fizeram. Só preciso de...
Levante-se agora e saia já da floresta!
...Agarrei a terra e me empurrei para frente. Rastejei até o final da planície.
Mais rápido, mais rápido.
Apoiei meu peso sobre uma perna e segui pulando ancorado nas árvores, até tropeçar e cair de rosto contra o solo.
Vai logo! Não vai ter jeito...
Um cheiro de rosas entrou no meu nariz. O que é isso?
Fica de pé.
De pé? Tentei, e surpreendentemente consegui. Minha perna continuava na mesma situação horrível, mas o músculo funcionava indolor com a pequena capacidade que restava.
Assim, cambaleei por entre as árvores.
— Quem é você? — falei. Essa voz não poderia ser minha. Impossível.
...Não houve resposta.
Caminhei mais e mais, a todo momento sentindo que minha perna cederia. Nunca aconteceu.
Grite.
Gritar?...
— Ah... — tentei, mas a garganta aberta tornava isso impossível.
Preciso... gritar...
— Ah!... — Parei para vomitar sangue. Era impossível... Mas... — AHHH!!! — Vomitei mais sangue e caí no chão. Consegui... Ao menos um pouco...
— Alguém está aí? — disse uma voz familiar. Rastejei o máximo que pude até sua direção.
— Vio...
Desabei no chão. Nenhum membro se mexia mais. Minha visão se escurecia. A última coisa que vi foram botas parando na minha frente...