O Meu Caminho Brasileira

Autor(a): Rafael AS

Revisão: Rafael-AS


Volume 1

Capítulo 11: Sobreviver

— Socorro! O que você está fazendo?! Eu-

Calado. — Seu rosto se virou para trás sem os ombros acompanharem. Encarou-me com olhos vermelhos e uma face distorcida e podre, cuja única coisa firme eram os dentes afiados que deles escorria sangue. — Ou seu destino será pior. Hahahaha.

Sua risada era alta e estrondeante. Como pode ninguém a ouvir? Como pode algo assim estar comigo?...

Meus olhos encheram-se de lágrimas. Meus pés cederam à pressão e entortaram para frente contra a articulação, uma dor aguda percorrendo as canelas.

— ARGH!

Hahahahaha.

Não havia o que fazer, não tinha o que-

Use a madeira à direita. Agora.

Olhei para a direita e vi um pedaço de madeira ao lado de uma janela quebrada. Peguei a tábua e bati com toda força na cabeça da criatura, a qual berrou com um grito tão agudo que ensurdeceu meus ouvidos.

Ela caiu no chão e soltou minha mão.

Corra, ouvi minha voz na minha cabeça.

Tentei correr enquanto ela estava atordoada, mas meus pés falharam e caí de face no chão. O gosto de sangue percorreu minha boca.

Corra logo!, minha mente me ordenava, mas o que podia eu fazer? Levantei-me e me pus a correr de novo, ignorando toda dor. Toda hora meu corpo começava a se desequilibrar, mas continuava a correr pela minha vida.

VOCÊ VAI PAGAR CARO POR ISSO!

Passos pesados ecoaram atrás de mim e então cessaram. Olhei de relance e nada vi mais no corredor. Onde ela estava? Será que saiu daqui?...

Idiota, não pare! Corra mais! Olha para cima!

Minha visão subiu, e aquele corpo em decomposição corria em velocidade absurda pelo teto. Os joelhos e cotovelos se deslocavam repetidamente. Era impossível fugir de algo assim. Como posso?...

— Socorro! Alguém-

Cala a boca e corre logo!

Depositei cada gota da minha força para correr mais, mas a nossa distância só se encurtava. A morte chegava, em um piscar de olhos ela já poderia me alcançar. Por favor... por favor... eu quero viver!

Pule à esquerda.

Sem tempo para questionar, tentei pular, mas meus pés não tinham mais força para um movimento tão brusco. Então só me joguei para o lado o mais rápido possível, batendo de cara contra a parede.

O som do ar sendo cortado capturou meus ouvidos. Ao meu lado, a mulher havia pulado do teto e cravou uma adaga no chão, onde eu estava. Quando ela a retirou, vi que sua lâmina era o tamanho do meu antebraço, e que pingava sangue. Como-

Para de pensar e corre, seu idiota!

Levantei-me de novo e, pisada por pisada, dei o máximo de impulso que meu corpo era capaz.

HAHAHA. EU VOU TE MATAR HAHA. E COMER CADA PARTE DO SEU CORPO. POR ONDE EU DEVERIA COMEÇAR? HM... PELO BRAÇO?

Desvie à direita!

Fiz como pedido, mas uma dor flamejante cortou meu braço esquerdo. Tudo que vi nele era um sangue escuro jorrando no de um corte que revelava meu osso. Se não desviasse, meu braço teria...

HAHAHA. TE SUBESTIMEI. VOCÊ É MELHOR AINDA. VAMOS BRINCAR MAIS. VEM CÁ. VEM CÁ. VEM CÁ. HAHAHAHA.

Finalmente, vi a saída ao final do corredor, depois da escada abaixo. Precisava descer, mas como faria com os pés nesse estado? Olhei para trás e-

A mão ensanguentada e rasgada, exalando um cheiro podre horrível de morte, estava logo na frente dos meus olhos. Não tive escolha: joguei-me de costas contra mais de quinze degraus abaixo. Ao cair, a força do impacto na coluna pareceu deslocar e quebrar cada vértebra, e meu crânio foi esmagado no concreto.

— AHHHH! — rangi de dor no chão, incapaz de mover qualquer parte do corpo, mas...

Levanta e fecha a porra da porta do dormitório!

Senti meu abdômen sendo sugado por completo. Meus músculos se revitalizaram, consegui me colocar de pé e, quando a mulher estava na minha frente, fechei as portas duplas com ímpeto, esmagando seu braço esticado com tanta intensidade que foi decepado e voou no meu rosto, sujando minha cara de sangue e carne apodrecida. Aquele gosto podre atingiu minha boca...

ARGH!! SEU MERDA! VOU TE FAZER SOFRER TANTO!

Um estrondo ressoou pelo pátio e as portas se abriram com um chute da criatura. Seu sorriso vermelho havia se fechado, seus olhos me encaravam com um brilho mórbido e mortal.

De repente, seu rosto rotacionou até seu queixo ser o topo do corpo, os sons das vértebras do pescoço sendo esmagadas com esse movimento me causaram nojo e torpor. Somente então que seu sorriso vermelhou se abriu mais uma vez, ainda mais doentio e sádico.

Era impossível respirar. Meu corpo todo gritava: coração, suor, tremedeira, dor, cansaço, medo, fatiga. Mas meus pés se moverem por conta própria, correndo mais e mais. Preciso fugir. Preciso correr. Preciso me distanciar daquilo. Pelo amor de Deus, eu...

Olhei para trás, mas nada vi. Apenas a escuridão da noite, quebrada por postes de fracas luzes flamejantes. A criatura havia desaparecido.

Segurei a minha respiração para tentar não fazer mais barulho, meus ouvidos se atentavam para qualquer som que pudesse ser produzido nos arredores. Onde ela estava? Como sumiu tão rápido?

Parei para descansar por um segundo, mas... um arrepio percorreu meu pescoço, como se algo me espreitasse pelas costas, esperando que me virasse.

Não quis olhar. Nada adiantaria. Ela já deve estar colocando seus dedos em volta do meu pescoço, preparando para apunhalar minhas costas com aquela adaga gigantesca. Era meu fim.

Você tem que se virar~Sua voz expressava o mais puro deleite sádico e doentio.

É o meu fim. Não posso fugir. Entregando-me ao meu destino, engoli em seco e lentamente me virei para trás, apenas para...

O outro lado do pátio se revelou para mim, com o banco ao fundo e as árvores circundando a praça de pedra escura, mas...

Nada dela.

Por onde devo começar?~

A voz dela veio... debaixo de mim.

Com os olhos molhados em pranto e agonia, olhei para o chão, e encontrei aqueles olhos vermelhos me encarando fixamente entre meus pés. A boca dela se abriu em uma gargalhada, revelando todo sangue e carne que havia dentro.

“Porra!”

Tentei correr com todo meu ímpeto, mas minha perna esquerda não me obedeceu e caí no chão. Bati o queixo e senti meus dentes se quebrando.

Avistei minha perna e de um corte profundo no calcanhar jorrava sangue. Tentei mover o pé, mas nada aconteceu. Nem dor nele sentia mais.

Mas não importa. Tudo que meu corpo me implorava era fugir. Rastejei enquanto meu corpo se comprimia contra o chão. A velocidade, porém, não era o suficiente. Preciso ser mais rápido. Preciso sobreviver...

Coloquei-me sobre um pé e dei toda minha força para correr, mas...

Para onde pensa que vai?!

Subitamente, perdi o controle sobre meu pé direito também. Caí no chão miseravelmente, ambos meus calcanhares sangrando. Mas não parei, me pus a rastejar intensamente. Vou viver. Vou sair de lá. Ela não vai me matar. A biblioteca está logo diante dos meus olhos. Vou chegar nela Eu vou...

Tac tac tac tac.

Saiu de um edifício próximo um cavaleiro com pesadas armaduras metálicas, segurando uma espada e escuro de grandes e robustas proporções. Era um cavaleiro da maior escola de magia do mundo. Ele é forte. Ele vai me salvar. Vai me tirar dessa...

— Afaste-se! — gritou e se colocou entre mim e o monstro com destreza. — Vou cuidar dela, e então vou te ajudar! Aguenta firme!

O guarda correu até a criatura enquanto eu rastejava mais em direção à biblioteca. Minha visão captava meus pés se contorcendo ao serem rastejados pelo chão, mas nada sentia.

Subitamente, um clarão iluminou a noite, e um estouro arrebatador agrediu meus ouvidos. Atrás de mim, o soldado lançou... um relâmpago inteiro no monstro, vindo direto dos céus, cujas carregadas nuvens se juntaram em um vórtice para o feitiço.

O corpo apodrecido da mulher foi atingido, fumaça saindo de sua pele. Mesmo de longe, o cheiro de queimado era forte. Sua tez tornou-se negra como carvão. Ela caiu para frente de rosto no chão. Não fez nenhum som ou movimento. Estava morta.

Eu sorri. Sorri como nunca pude, e comecei a chorar tanto... Meus berros encheram o pátio, mas nada disso me importava: estou vivo. Estou vivo. Estou vivo, porra!

O cavaleiro se virou e correu até mim. Segurei sua mão estendida. Então esses eram os cavaleiros que a Academia contratou e treinou... alguém capaz até mesmo de controlar os céus...

— Você está bem?! — disse ele, tentando me levantar.

— M-m-muittttoo obbrigagado — disse enquanto soluçava. — Vvocê é mumuito for... forr... forr... for... te...

Minhas palavras bagunçadas morreram após ver uma adaga longa perfurando seu peito no coração. Sangue escorreu pela armadura prateada. A mão do cavaleiro aproximou-se da adaga com fraqueza.

— N-não pode... ser...

O cavaleiro, que me ajudava a me levantar, caiu junto comigo, seu peso enorme me sufocando. Empurrei-o para o lado e rastejei para trás. Onde havia choro, agora meus olhos arregalados viam aquela mulher em pé, os olhos vermelhos se destacando ainda mais em meio à pele preta carbonizada.

HAHAHAHA. MORRA, SEU VERME!

Ela pisou no corpo do cavaleiro e retirou a faca. Uma linha de sangue conectou a lâmina ao cadáver.

Como isso é possível?...

Rastejei o mais rápido que pude, a porta da biblioteca já na minha frente. Consegui entrar nela e empurrei as portas, fazendo-as se colidirem. Apoiei-me de joelhos e empurrei uma barra de madeira que bloqueou as portas.

— Flamel?! O que está acontecendo? — disse Aithne, correndo até mim. Ela vestia a mesma roupa de antes, o chapéu se destacando de todo o resto.

— Ela está aqui! Está aqui! Por favor! Me ajuda!

Aithne se agachou e tocou minhas costas.

— O-o que está acontecendo?! Flamel, você está bem?!

Ela se calou uma vez que seus olhos percorreram meus pés, que banhavam o chão em sangue.

Com dificuldade, venci a exaustão para mover a minha cabeça para cima e a olhar. No entanto, o que eu vi me deixou ainda mais congelado...

Atrás dela estava uma mulher preta como a escuridão, seus olhos vermelhos como uma lua de sangue no céu escuro. Segurava uma faca grande ensanguentada, preparando-se para matar Aithne.

“Pelo amor de Deus... Só pare...”

Eu não aguentava mais.

Não aguento mais.

Apenas acabe com isso logo...

Mas a Aithne...

Ela não tem culpa de nada. Merda.

Em um instante, a cabeça de Aithne rolaria com o ataque do monstro. Preciso pará-lo. Preciso conter aqueles olhos vermelhos...

Apontei meus dedos indicador e médio em direção àqueles orbes carmesins. Apostei toda minha mana, sentindo minhas entranhas se revirando com a grande pressão de mana percorrendo meu corpo. De cada dedo, uma runa de disparo elétrico tomou vida, e geraram duas correntes elétricas que atingiram os olhos da criatura em cheio.

ARRRHRHGHGHH!

O cheiro de queimado ressurgiu junto ao gemido horripilante da mulher. Sua faca desceu rumo ao pescoço de Aithne, mas apenas raspou nele. Ela recuou contra a parede, esfregando os olhos com as costas da mão em desespero.

SEU MALDITO!

Caí no chão inteiramente exausto. Fiz o máximo que pude. Dois feitiços gastaram muito, muito mais do que o dobro de um feitiço. Consumiu-me por completo.

“Então esse é o nosso fim... Desculpa, Aithne.”

Mas, para a minha surpresa, a tímida Aithne andou em direção ao monstro, uma aura vermelha cobria todo seu corpo. Com um soco, ela enviou a cabeça da mulher violentamente contra a parede. Um sangue preto escorreu pela superfície. Senti um arrepio imaginando que Cyle tentou fazer justamente isso.

— Sua vadia — disse Aithne enquanto agarrava a base dos cabelos daquela monstruosidade.

BURRA! — falou o monstro e dirigiu suas unhas afiadas contra o corpo da garota, seu sangrento sorriso abrindo como se estivesse em vitória. Mas...

Laços de fogo se formaram e se convergiram ao redor daquela mão, provocando uma explosão tão forte que uma corrente de vento se espalhou por toda a biblioteca.

Do fogo daquela explosão, um líquido preto caiu no chão. O braço restante do monstro foi reduzido pela metade. O líquido era... a mão do monstro.

SUA VADIA!

— Cala a boca, aberração.

Aithne prendeu a cabeça do monstro contra a parede e afundou seu joelho no rosto dele. Sangue explodiu por todo lado.

A mulher tentou morder Aithne, apenas para ter sua cabeça esmagada por outra joelhada forte.

E outra.

E outra.

Cada joelhada era um estouro, um impacto surreal de presenciar. Uma força sobre-humana.

A criatura, após a terceira joelhada, já havia parado de se mover. Veio a quarta joelhada apenas para estourar de vez a cabeça do ser, um globo ocular voando e aterrisando perto de mim.

Ofegante, Aithne deixou-se andar para trás até bater contra uma estante de livros. Suas pernas vacilaram e ela caiu. Seus olhos eram fixos naquela aberração, mas tudo que via era uma cabeça desfigurada, centro de uma explosão de sangue.

— Aithne... O que- — Queria perguntar se estava bem, mas...

— Cala a boca você também.

...Fiquei quieto.

O tempo passou, minuto por minuto. A única coisa que ouvia era a respiração ofegante de Aithne e uma lareira, com estalos das madeiras em brasa.

Cansado, fechei meus olhos, ignorando o globo ocular na minha frente. Estava seguro. Aquele monstro não se levantaria mais. Não dessa vez. Nem mais cabeça aquilo tinha.

— Obrigada...

Não pude fazer mais do que apenas olhar para Aithne por um instante. Quanto mais a adrenalina passava, mais meu corpo era tomado por uma dor aguda, e mais cansado me sentia.

— Obrigada por me salvar.

Eu a salvei?... Ah, certo. Quando o monstro ia a executar por trás.

No fim, consegui ser útil.

Não sou um inútil...

Com um pequeno sorriso, perdi a consciência.

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