Volume 1 – Arco 2
Capítulo 48: Revanche
Era manhã do dia seguinte. Fui o primeiro a acordar, assim como nos dias anteriores. Havia dormido consideravelmente durante o leilão.
Queria partir logo daquele ambiente. Quando viajei com Cristal para mapear a região, mesmo distante ainda conseguia sentir uma conexão direta com o núcleo da masmorra. Entretanto, neste local, eu quase não sentia nada.
Eu perceberia se minha masmorra fosse destruída?
Essa dúvida cruel assombrava-me.
Meus olhos se moveram para cama, onde vi Cristal deitada nos pés da cama e a vampira de aparência gótica babando todo o travesseiro. Parecia estar sonhando com alguma coisa, porque sua respiração estava pesada, seu rosto vermelho e havia um sorrisinho abobalhado no seu rosto.
— Natália, Cristal, acordem. Estamos para sair. — Tentei puxar o lençol que cobria seu corpo.
— Por favor, mestre... — Ainda dormindo, ela puxou de volta o lençol. Sua força era maior que a minha, então não teve dificuldade. — Não me maltrate desse jeitinho, querido♡~
Que tipo de sonho erótico essa vampira está tendo?
Estava cansado dessa situação, além de um pouco constrangido. Eu ainda tinha um pingo de decência, apesar de não me importa em brincar um pouco com ela quando voltássemos para a masmorra. Quando tempo será que ela aguenta manter essa fachada?
Já tinha dado a minha hora. Ficar brincando ali poderia parecer muito divertido para alguém, mas não era para mim. Puxei o lençol todo de uma vez, soltei mais meia dúzia de gritos e consegui fazer as duas ficarem de pé, apesar de alguns resmungos. Nunca imaginei que uma vampira pudesse gostar tanto de dormir.
— Bom dia, querido... — cumprimentou com um bocejo alongado e coçando os olhos.
Cristal logo levantou quando viu que não tinha mais jeito de dormir confortavelmente.
— Prometo que te compro uma cama quando voltarmos — disse.
Ela olhou desconfiada para o meu rosto e depois olhou para a cama já com saudades. Uma cama tão boa quanto aquela poderia ser difícil, mas eu tinha um anão, então ele faria um bom trabalho.
Eu espero que faça...
Enquanto eu falava com a Cristal, Natália terminou de se ajeitar um pouco. Então nós saímos do quarto. Antes de partir, ainda me despedi uma última vez e ainda agradeci.
Não vou precisar dormir no chão. Muito obrigado!
Demos de cara com o mesmo corredor. Como a porta do quarto era um portal, logo saímos para não atrapalhar ninguém. O ambiente parecia normal. Prosseguimos numa curta caminhada até o grande salão vermelho.
Eu tinha certa curiosidade em andar por aí. Tentar desvendar segredos e conhecer mais sobre o tal abismo, a maior masmorra do mundo. Este lugar possivelmente era somente um dos milhares que havia. No entanto, havia um ditado popular no meu antigo mundo que se encaixava bem na situação.
A curiosidade matou o gato.
De repente, enquanto andávamos, a vampira se adiantou na minha frente, andando lentamente de costas e segurando ambas as mãos. Até que era uma aparência fofa e incomum para alguém que estava vestido igual uma gótica.
— Mestre, qual a sua comida favorita
Minha comida favorita?
Parei meus passos por um instante. Busquei na minha mente, tentando encontrar uma memória dessa e da antiga vida, mas eu meio que não sentia gosto de quase nada. A coisa mais gostosa que comi foi sangue e na outra vida...
— Sei que tenho uma comida favorita. Eu só não consigo me lembrar. Minha mente fica nublada quando tento me lembrar. Mas por que pergunta?
— Que pena o mestre não se lembrar. — Ela sorriu levemente, mostrando as presas. — Queria preparar um prato de agradecimento por se tornar meu novo mestre.
— Ah. Entendo. Eu agradeço o sentimento. — Fiquei surpreso com sua gentileza. Quando não estava fingindo ser uma garota atrevida, até que ela era bem gentil.
— Mas, mestre, o senhor não acha um pouco estranho não conseguir se lembrar da sua comida favorita? O senhor sofreu algum trauma na cabeça?
— Um trauma, é...?
— É, alguma pancada ou porrada forte.
— Pode se dizer que sim. — Fiquei um pouco pensativo e queria apensas esquecer sobre isso.
— Ah. Além disso, mestre — ela chamou minha atenção. — Também ouvi que homens são conquistados pela barriga.
Eu quebrei minha cara. Tinha sempre que ter uma pegadinha.
— Onde é que você aprendeu isso? — Ela se fingiu de desentendida.
❂❂❂
— Olha, mestre. Eles estão ali — disse Cecília, apontando para a multidão.
Dei um aceno de longe quando vi o corpo do grande Troll. Rio também me notou e acenou de volta com sua grande mão.
Aproximando-me mais, pude ver que estavam todos em grupo. Além do Rio, havia Alina, Una, Akai, o desert, e até um abatido Leifr.
Rio logo se aproximou para um alegre cumprimento:
— Mestre Kayn, vai mesmo partir hoje? Nem pude ter um amistoso contigo. Espero que possamos nos enfrentar algum dia.
— Sim — respondi enquanto recebia uns tapinhas calorosos no ombro, apesar de que os tapinhas dele poderiam quebrar a coluna de um humano comum. — Passei muito tempo fora e, como já expliquei, não estou numa situação que possa ficar muito distante.
— É realmente uma pena! Próximo ano partícipe de novo. Não deixe de vir. Quero ver sua evolução até lá em um combate. O que achou desse evento?
Rio era um sujeito sincero e simples. Era aparente que havia gostado de mim.
— Farei meu melhor até lá. E achei o evento incrível. Todos os anos são assim tão grandiosos?
— Quem dera fosse. Esse ano foi uma completa loucura. Nunca antes vi tantos participantes, tantos itens bons e tantas surpresas. E que ótimo que voltará a vir, Kayn. Venha. Leifr e Akai também estão partindo hoje.
Ergui uma sobrancelha.
— Leifr também, é...?
Os ovos de dragão instantaneamente passaram como um feixe pela minha cabeça.
Engoli em seco. A fúria de um dragão verdadeiro não era algo que eu pudesse suportar, mas a minha cabeça ainda estava presa ao pescoço. Rio e Una provavelmente não abriram a boca sobre a minha compra do dia anterior.
Observei o clima. O ambiente não era dos melhores. Expressões nervos, principalmente de Alina que balançava o rabo e batia pés inquieta. Akai estava ainda mais nervoso; logo que aparecia, ele partiu. Deu apenas um aceno de cortesia.
Alina ficou de braços cruzados e olhou meu rosto, virando os olhos para Leifr. O dragão verdadeiro estava realmente abatido. A confiança, o jeito descontraído e a leveza de quem sabia o que estava fazendo pareceu sumir.
Seu rosto perdera a cor como num mundo pintado de preto e branco. Abaixo dos olhos estavam as marcas negras de uma noite mal dormida. Era bem possível que não tivesse pregado os olhos.
— Ah. Mestre Kayn...
Ele só notou minha presença quando eu já estava perto. Algo muito estranho para uma criatura tão forte.
Aconteceu alguma coisa.
— Eu partirei hoje. Vim me despedir pela sua cortesia comigo.
— Ah. Sim — Ele levantou a cabeça e abriu um sorriso leve. — Eu não estou na melhor das minhas situações. Ontem me aconteceu uma tragédia.
— Está tudo bem. — Forcei um sorriso.
Conseguia imaginar o que o havia afligido. A venda dos ovos de dragão. Eu só não conseguia imaginar como foi o relato da situação para chegar neste ponto. E nem queria saber.
— Kayn, mestre Kayn... — Leifr me olhou nos olhos e pude ver suas pupilas de lagarto. — Não se esqueça da nossa aposta. Você me deve um favor e eu vou cobrar e vou te dar um conselho. — Eu prestei muita atenção no que ele disse no final: — Torne-se forte o bastante para que nunca lhe tirem nada, mestre Kayn.
— Não se preocupe. Eu não esqueci e guardarei bem esse conselho.
Ele acenou com a cabeça e eu tomei distância.
Eu então me despedi de Una sem muito estardalhaço. Nós não ficamos tão próximos. Neste momento, percebi que Natália se aproximou dela para dar um adeus e elas estavam mais próximas do que deveria.
Então foi dela que você aprendeu aquelas coisas?
Terminado, eu cheguei perto da última pessoa do grupo.
— Estou partindo, mestre Alina.
— Boa viagem — respondeu friamente. — Vê se não faz nada que possa manchar a reputação da minha mestra, mestre Kayn.
— Tentarei. — Sorri e acenei com a cabeça.
Ela tentou segurar, mas vi que ela abriu um curto sorriso. Queria poder me despedir de Celine. Apesar de ter sido enganado sobre a identidade dela, ainda sim ela me ajudou muito.
Terminado tudo, já pensava no evento do próximo ano e em rever todos...
Uma piada, Kayn.
Kayn, você é um idiota?
— Parado, ser inferior! — escutei a desagradável voz atrás de mim.
Virando a cabeça, já sabia quem era. O fracassado, o palhaço, o arrogante elfo perdedor, Gregórios. Desta vez, ele estava acompanhado somente da elfa negra.
Ele se aproximou e logo seus olhos viajaram de mim e pousaram na Noiva de Sangue ao meu lado. A expressão dele parecia de alguém que tinha uma navalha presa na garganta.
Eu não conseguia me conter. Gostava disso.
Puxei Natália pela cintura — ela inclusive soltou um gritinho constrangido — e abri um largo sorriso.
— É você de novo. O que quer? — perguntei de uma vez. Estava sem paciência para lidar com ele.
Tentava pensar na razão para ele vir me perturbar, mas nada me vinha à mente. Ele queria pedir a vampira de volta?
— Eu sou Gregórios Aristeu! — esbravejou para todos ouvirem. — Há dois dias fui humilhado e jogado ao lixo por esse ser inferior sem um segundo nome. Eu nunca poderia deixar minha honra morrer desta forma!
Um centena de mestres aleatórios pararam para ver o escândalo do elfo superior. Precisava admitir quem em questão de grito, ele era muito bom. O som da sua voz desagradável reverberava alto e machucava meus ouvidos.
Cansei rapidamente do seu discurso melancólico de honra e renome e o interrompi:
— Você quer uma revanche?
— É isto. Eu sou da Alta Casta de Yggdrasil e...
Continuou o blá blá blá irritante dele. Eu respirei fundo — ainda estava estranhamente calmo —e desviei meu olhar do falatório ambulante. Meus olhos caminharam lentamente para o lado e pararam na elfa negra ao lado dele.
Ela estava numa situação clara de desconforto. Mesmo que tentasse esconder, era óbvio. Servir um sujeito como ele deveria ser a maior vergonha de sua vida, mas ainda permanecia leal. Eu queria ela e tinha certeza de que ela também adoraria me servir no lugar daquela vergonha.
—... e você sofrerá uma...
— Já chega desse discurso — interrompi. — Eu aceito uma revanche, mas, desta vez, eu quero duas coisas. — Levantei dois dedos. Com um deles, apontei para a elfa negra. — Eu quero ela.
— E qual a outra...? — Ele não pareceu surpreso com o meu pedido primeiro pedido, mas não entendeu o segundo.
Erguei os lábios num sorriso de boca fechada — daqueles de assombração de cinema — e meu dedo se moveu lentamente até a minha garganta. Repliquei um gesto comum com ele. Uma lâmina cortando um frágil pescoço.
— Retire a regra de não matar e eu tenho um segundo duelo contra você.
Ficou obviamente receoso por um momento. Quando lhe disse isso, seus olhos dobraram de tamanho e ele pareceu ter engolido aquele navalha que estava presa na garganta. Silenciosamente divagou.
— Se você vai ficar pensando para sempre, estou partindo — ameacei dar no pé.
Sem mais delongas, exclamou:
— Eu aceito! Quando você estiver no chão, não vá se arrepender.
Fiquei surpreso por ele ter aceitado. Eu dei uma surra nele — surra essa que ele aparentemente se lembrava muito bem por estar tremendo tanto ao aceitar. Ele tinha uma carta na mangá. Sabia disso. No entanto...
Pode mandar qualquer coisa. Eu vou acabar com a raça desse...
— Fracassado — disse baixinho para somente ele ouvir.