Volume 1 – Arco 2
Capítulo 44: Tensão, Confronto e Prelúdio
Um silêncio perturbador ainda se mantinha nos tronos flutuantes. Os seres sentados não se abalaram, ou fizeram lances para nenhum dos itens que haviam surgido. Eles permaneciam quietos até que o último item finalmente foi anunciado.
— Trazidos a nós por ninguém menos que o Rei Celestial Amadeus...! — cantou o emissário do abismo.
Neste momento, a situação mudou. As chamas de Azazel tremularam, Baal virou sua cabeça na direção de Amadeus e Cecília enrugou as sobrancelhas.
— O que é que você está armando, morcego velho? — perguntou o demônio, olhando-o olho no olho.
Amadeus com seu rosto apático inclinou lentamente apoiada no punho, encarando Baal e abrindo um suave sorriso.
Baal sentiu um calafrio correr pela espinha.
— Mas o que é que você fez...?
Os olhares de todos se viraram para o centro do salão. Azarias dispensou as mulheres e soltou um suspiro, como se soubesse o que viria a seguir. Lentamente o objeto que estava para ser vendido apareceu.
Azazel foi o primeiro a vê-los. Ele inclinou o corpo, suas chamas queimaram com o dobro do poder, da ponta de cima das suas asas ossos afiados começaram a rasgar a carne e arrancar as penas e ele exclamou:
— Impossível...!? — O anjo caído estava incrédulo.
Pela primeira vez, Baal se calou por algo que não fosse uma das ameaças do homem acima dele. Os olhos vidrados nos ovos que surgiram.
Cecília abandonou toda a compostura. Os cabelos cresceram em um aspecto selvagem e distorcido, seus dentes tornaram-se lâminas afiadas, como os de um verdadeiro lobo. O ranger da madeira quebrando soou e as cicatrizes profundas no trono apareceram.
Acidental, ou de propósito, ela deixou escapar sua aura assassina que cantava súplicas por sangue. No bater de um coração, Cecília estava de pé flutuando na frente de Amadeus. Havia espadas em suas mãos — uma em guarda e a outra pressionada contra o pescoço do vampiro.
As palavras então soaram no bater seguinte.
— Ovos misteriosos! — gritou o emissário do abismo.
— Você, seu morcego de merda. — O primeiro a falar foi Baal. — Quer começar uma outra guerra? Não. Eu só posso estar entre idiotas mesmo. Não tem como alguém inteligente vender a porra dos ovos do clã dos dragões!
O cheiro de morte permeou o espaço quando Cecília aumentou o aperto da sua lâmina.
— Amadeus, me dê uma única razão para não arrancar sua cabeça aqui e agora? — interrogou a rainha das bestas. — E é melhor que essa razão seja muito boa.
O vampiro esboçou um sorriso debochado e olhou as loba nos olhos.
— Os meus desejos não são algo que ninguém além de mim poderia entender, Rainha das Bestas — proclamou pela primeira vez deste o começo do leilão.
Com essa resposta, Azazel se levantou.
— Recuso-me a testemunhar ou compactuar com tal atrocidade contra o clã dos dragões. Partirei! — Azazel estava prestes a sair de cena, quando um estrondo explodiu, criando ondas de choque que fizeram até suas chamas recuarem. — Algo rompeu a barreira!
Repentinamente outra figura surgiu. Com o ar se distorcendo e retornando ao normal, a criatura apareceu atrás dos tronos. Estava num aparente processo de metamorfose.
Os olhos brilhavam em um dourado poderoso, as asas dobraram de tamanho, os chifres cresceram e o rabo de dragão batia contra o ar, criando ondas de choque a cada impacto. Leifr estava furioso.
— Você, você tem algum desejo de morte?! — Ele nem se deu ao trabalho de esperar uma resposta. Sua boca começou a se transformar na de um lagarto e uma onda de chamas subiu pela garganta.
Quando o conflito estava prestes a explodir a voz daquele acima de todos soou: — Parados! — Apenas aquela palavra foi capaz de paralisar e colocar pesos em cima de todos — até o apático vampiro demonstrou um descontentamento.
E não foram somente eles. Todos os mestres guias que ficavam nas plataformas um pouco mais abaixo também travaram. Principalmente aqueles poucos que sabiam do que se tratavam os ovos.
Azarias desceu do céu e ficou ao lado de Cecília.
— Sente-se, menina, senão eu terei que sentá-la.
— Mestre Azarias, eu o respeito e o trato como se fosse meu próprio pai, porém eu, como rainha das bestas, preciso proteger meu povo e esse povo incluí o clã dos dragões. Temos um pacto matrimonial, então é como se esse sanguessuga sem alma estivesse vendendo minha família.
— Mestra Cecília, eu não irei me repetir — Azarias colocou a mão sobre o ombro de Cecília e, com a força para mover montanhas, a arremessou contra o próprio trono. — Rei das Fadas, prenda-a!
Antes que Cecília pudesse se defender, galhos começaram a brotar por debaixo do trono dela, prendendo seus braços e pernas numa verdadeira gaiola.
— Me solte! Me solte agora, Rei das Fadas!
— Desculpa, mestra Cecília, mas irei contê-la mesmo que custe minha vida — A voz saiu de um dos galhos.
— Droga! Azarias!
— Mestre Azarias, não tenho envolvimento pessoal com esta situação, contudo também creio ser um ultraje. Praticamente como perfurar o próprio peito com uma lâmina quente. Gostaria de explicações — falou o Anjo Caído.
— Explicações?! — interrompeu o demônio. — Eles enlouqueceram! Isso que aconteceu. Uma guerra contra os dragões é um massacre que nem nós demônios apreciaríamos.
— Quietos, vocês. — Azarias ignorou o choro ressentido de Cecília e as reclamações dos dois seres opostos e se focou no jovem rapaz que ainda tentava passar por sua vontade e atravessar o peito de Amadeus. — Leifr Reinante, fale comigo.
Azarias mudou o seu tom de voz. Ele falava com conforto e calma, tentando apaziguar a fúria crescente do jovem.
— Mestre Asuras, estes são os filhos e filhas de meus irmãos. Não me impeça de fazer o que eu preciso. Sei que custará minha vida, mas eu vou matar ele. Ele já viveu muito mais do que merecia!
— Mestre Leifr, jovem, não comece uma guerra que não pode colocar para frente. Conheço o sentimento que sente. A sensação cruel de ver os dos seus sendo vendidos como objetos e tratados como animais. Eu conheço bem, garoto. Eu já vivi e vi acontecer centenas de vezes. Estes ovos que se apresentam tem marcas do tempo. Eles estão em pose de Amadeus há dezenas de milênios, ou até mais. Espólios de outrora guerra de tempos muito mais sombrios. Para compensar essa decisão, dir-lhes-ei a todos que sei que sabem do que se tratam os ovos: estão proibidos de fazer lances! Espero que isso possa aliviar sua fúria, rapaz. Não o impedirei de marchar contra Amadeus noutra hora, porém pense bem se é capaz de lutar contra esta criatura primordial desalmada. — Azarias então se virou para o vampiro. — E, para você, eu não direi nada, pois sei eu que tu sabes que é a pior e a mais podre das criaturas.
Leifr retornou a aparência normal. A confiança e despretensão características dele desapareceram. Ele fechou o punho, agradeceu o seu benfeitor, e desceu para o seu lugar, sabendo que, perto daqueles acima, era ainda uma criança, mas não antes de prometer:
— Um dia arrancarei tua cabeça e queimarei teu corpo com minhas próprias chamas. — Ele então se virou para Cecília. — Espero que neste dia nossa aliança esteja tão firme quanto hoje.
— Leifr — começou Cecília —, mesmo que estejamos em guerra, se me pedir para marchar contra ele, eu o farei de bom grado.
Assim, Leifr desceu para o seu trono, Azarias subiu para as nuvens, os galhos soltaram Cecília e os seres opostos se calaram. Todos observavam muito bem enquanto os ovos de dragão eram vendidos por nem uma vírgula de seus verdadeiros valores.
Neste dia, Leifr sentiu a fúria de uma raça inteira.