Volume 1 – Arco 1
Capítulo 18: Retorno e Derrota
Um prato caiu no chão. O som dos estilhaços ressoou pelos meus ouvidos. Em seguida, fui jogado contra a parede e chutado com força.
Bati com a cabeça e o sangue escorreu pelo chão. Senti então alguém me agarrar e me proteger. Os braços quentes tocando o meu corpo e a mão calejada me dando carinho.
Também escutava os seus gritos sofridos. Dor por me proteger. Tornou-se então alvo dos ataques. Aquela pessoa; ela...
Mãe.
—Argh! — Acordei com um salto, busquei rapidamente por uma das minhas lanças e sondei os arredores. Estava quase desesperado, meu corpo estava coberto de suor e eu respirava pesado.
Era noite. Não encontrei nada além de árvores e moitas no meu campo de visão e parei um pouco para tomar um ar.
— Outro pesadelo...
Assim que me acalmei um pouco, as memórias da luta retornaram. A mão gigantesca, aquele tora de madeira e o impacto que meu corpo sofria a cada golpe.
Meu peito acelerava toda vez que lembrava. Minhas mãos ficavam trêmulas e eu ficava mais pálido que o normal.
Medo...
O orc nobre havia mexido comigo. Eu me achava um verdadeiro Deus durante a luta, mas provou-se o contrário. O inimigo era ainda mais forte.
De repente, escutei algo vir detrás e dei um salto. Contudo a dor não me permitiu muito e acabei apenas jogando meu corpo para o outro lado.
— Suas feridas vão se abrir caso continue se movendo.
De entre as moitas, surgiu aquela jovem de pele rosada. Ela era extremamente alta, tinha um corpo sensual e perfeitamente cheinho em partes perfeitas — coxas e pernas.
Os braços eram grandes e ela era surpreendentemente forte. Claro, não tanto quanto eu ou o orc nobre, mas muito mais forte que um humano normal.
— Quem é você? Onde estou? E onde está a minha... — Eu não conseguia mais defini-la como minha serva; não depois do que fizera por mim.
— Não consegue chamar ela de escrava?
— Cristal não é escrava! — exclamei com fúria.
— Desculpa. Ser escrava é algo comum de onde eu vim. Não pensei que te irritaria tanto, senhor.
Ela era estranhamente cortês e eu estava sendo grosso demais com a pessoa que me salvou. Suspirei um pouco e me deitei outra vez.
Meu corpo estava enfaixado com folhas e ervas, apesar da minha recuperação natural já ser muito boa, ainda era de grande ajuda.
Eu tinha muitas dúvidas naquele momento. Queria saber da Cristal, queria saber o que aconteceu comigo, o que eram todas aquelas novas habilidades e o que aconteceu na vila.
Sobre as habilidades, eu já tinha certa noção. Meu corpo era constituído das melhores partes de cada uma das raças mais “versáteis” do mundo.
Receber algumas de suas capacidades era inevitável, mas trocar de raça? Aquilo era estranho demais.
Porém faria essas perguntas a mim outra hora. Neste momento, o que importava era Cristal.
— Onde está... minha companheira?
— Hm. Ela está em outro lugar, mas não se preocupe. Ela está segura.
Alívio. Foi o que senti.
— Posso vê-la? — Ao perguntar, vi a expressão dela mudar para um nervosismo e incerteza.
— Não me entenda mal, senhor... é que. Não queremos que você a puna. Ela é nossa salvadora também.
— Punir? — Realmente, ela havia fugido, me largado no meio da mata, mas não foi por covardia. O sangue mexeu com seus instintos e foi para proteger alguém. Eu, no máximo, lhe daria um esporro. Mas ela compensou tudo logo depois. — Eu não irei puni-la. Quero agradecer.
Fui singelo. A moça me olhou com um rosto diferente. Tinha uma expressão de surpresa e um olhar caloroso.
— Vou trazer. — Ela se levantou e saiu. Retornou logo depois, carregando uma Cristal ainda ferida.
Eu levantei meu torso e dei um pouco de carinho na sua cabeça.
— Sua idiota... muito obrigado. — Ela deu algumas lambidas na minha mão e resmungou um pouco pela dor.
Estávamos em segurança, mas vê-la sofrer não era aceitável. Apesar de em breve podermos estar curados, não queria continuar assim.
— Prêmios.
Ergui a mão para o ar e, de um brilho branco, itens surgiram. Uma poção de cura de cor marrom, um par de emblemas; um deles com um par de presas suja de sangue e o outro era uma joia brilhante, e finalmente também surgiu uma lança.
Ignorei os outros itens, por ora, e foquei apenas na poção de cor marrom. Rapidamente a abri e dei mais da metade para Cristal.
Bebi um pouco e guardei o restante, cerca de um quarto, para outra situação. Os ferimentos de nós dois se curaram em uma velocidade incrível. A poção rara era surreal.
Como serão as de raridades maiores?
Olhei para o rosto da jovem e ela estava boquiaberta. Nenhuma palavra saia da sua boca e os seus olhos estavam abertos até o limite.
— O-o q-que... foi is-sso? Você invocou as coisas do nada?
Ah! Merda...
Havia me esquecido disso. Era comum para os jogadores receberem conquistas, mas aparentemente neste mundo não é.
— É uma habilidade. Mas eu só posso guardar poucas coisas e não posso usar em combate — menti, claramente.
— Habilidade... incrível.
Ficamos mais um tempo assim. Certifiquei que estávamos seguros, descobri que as outras garotas estavam seguras e recebi algo para comer.
Queria puxar o assunto sobre o que havia ocorrido exatamente, mas nunca parecia o momento certo. Até que comecei a divagar.
— É, Cristal, perdemos...
Minha conclusão daquela luta foi simples. Uma derrota completa. Quase morremos e teríamos que voltar para a masmorra sem mais informações.
A única coisa que sabíamos era sobre o rio e os Kobolds e mais nada. Retorno e derrota.
— Vocês não perderam! — exclamou a jovem. Ela se levantou com um olhar furioso e aproximou o rosto do meu.
Muito perto. Consegui enxergar de pertinho a sua pele avermelhada, o cheiro e o brilho do suor feminino e o par de seios volumosos dela.
— Muito perto. — Afastei ela um pouco, antes que perdesse o controle sobre minhas ações. Tentei esconder meu constrangimento e ela não pareceu notar.
— Vocês não perderam. Entendeu?! — repetiu. — Todas teríamos sido mortas se você e sua companheira não tivesse vindo nós salvar. Por isso te agradeço.
Era verdade. Elas estavam cercadas e eu ter derrotado a maior parte dos Orcs contribuiu bastante. Ainda assim, ocorreram muitas perdas.
— Eu poderia ter feito melhor... — resmunguei.
— Não se preocupe. Você vez o melhor que podia naquele momento, não foi? Minha nossa! No final da luta você estava acabado.
— É. Realmente — menti outra vez. Eu brinquei demais. Claro, o Nobre era superior, mas se eu não tivesse brincado, talvez ainda tivesse chances.
— Como é que você chegou aqui? — perguntou, animada. — Minha mãe... — A sua animação parou e uma lágrima caiu do seu rosto. — Me desculpa. Chorar assim do nada. É só que...
— Está tudo bem. — Eu sabia o que era perder uma... Deixei para lá. Agora era o momento perfeito para perguntar. — O que exatamente aconteceu?
— Exatamente? A história é bem longa.
— Temos muito tempo para ouvir.
Então a sua história começou. Ela falou por horas e horas, mas eu nunca parava de prestar atenção. Terminando, caiu no sono exausta e com lágrimas nos olhos.
— Nossa... Que vidinha, hein.
Resumindo bastante a história; ela vivia com a sua mãe em um lugar muito distante. Para começar, realmente não era humana.
Ela era uma semi-humana. Uma meia-orc. Sua mãe também era uma, por isso a sua vida era tão complicada.
Orcs, goblins, slimes, kobolds, lizardmens, entre outros monstros tinham a capacidade de se reproduzirem com outras raças. Porém, na grande maioria das vezes, nasceriam bebês apenas da espécie deles.
A mãe dela era uma singularidade. Além de ter nascido semi-humana, todos as suas filhas nasciam com a mesma características e os filhos...
— Orcs Nobres, Orcs Superiores, Orcs Campeões e até Orcs Heróis. — Apenas a mais alta casta da raça.
Sendo assim, ela foi tomada pelo Rei Orc. Engravidou dúzias de vezes, teve centenas de filhos e quatro filhas com o Rei.
Um dia, porém, cansou de servir dessa forma. Planejou um jeito de fugir e um jovem orc nobre com pensamentos rebeldes era a chave. Ela se deitou com ele e tomou controle sobre sua mente.
Encheu-lhe de promessas de um reinado próprio. Promessas vazias. E conseguiu escapar com a sua ajuda, fugindo pelas montanhas com suas filhas e alguns filhos mais novos.
No meio do caminho, aproveitou-se para escapar dele e veio parar nessa floresta, mas era tarde demais. Ficou grávida outra vez.
Anos se passaram enquanto viviam tranquilos em sua pequena vila, mas um dia o nobre as encontrou.
— É quase uma novela mexicana — disse acariciando o pelo da Cristal. — Acho que também vou dormir um pouco. Boa noite, Cristal.
Ela soltou um uivo e colocou a cabeça no meu peito. Dormimos desse jeito sob a luz da lua.
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