Volume 1 – Arco 1
Capítulo 13: A Floresta Negra
Estava de noite. Tudo o que vivi pareceu nunca ter acontecido. Estava sentado e tremendo dentro de um carro. Sirenes e vozes tumultuosas soavam, de perto.
O meu corpo tremia, doía, ardia e eu chorava mesmo que não quisesse. Estava sozinho; não tinha controle. O único sentimento que me assombrava era o pânico.
Os berros e os gritos ainda ecoavam incessantemente nos meus ouvidos, quebrando minha mente em pedaços e eu tentava, a todo o custo, reconstruir, mas era em vão.
Eu não tinha mais controle. À frente, o reflexo do menino no retrovisor. Uma única lágrima caindo pelo rosto e um olhar vazio, delgado e de lado.
Parecia uma pintura renascentista. Lúcifer expulso do céu e enviado ao inferno por seu pai. Absorvido em seu ódio e tristeza.
Sozinho e sem controle.
E então... despertei.
Gleen estava me olhando com preocupação. O lobo branco dormia sob os meus pés. Pelo jeito que ainda estava com orelhas para cima, parecia ter dormido há pouco tempo.
— O que houve?
— Mestre, você desmaiou. Estava cuidando do senhor até que acordasse.
— Estou bem agora. Quanto tempo passou? — questionei.
— Apenas algumas horas. Estou vigiando desde então.
— Ah. Entendi. Obrigado, mas já pode sair. Estou bem. — Gleen tinha olheiras enormes, então o dispensei.
Antes de sair, ainda certificou-se mais uma dúzia de vezes de que eu estava bem. Quando lhe ameacei, ele finalmente deu no pé.
Suspirei aliviado e me joguei no trono, olhando as mensagens que ressoavam do dia anterior. Cristal acabou não evoluindo.
Não estava muito preocupado com isso. Dentro de Vangloria as chances de evolução eram baixíssimas. Era até uma surpresa tantos terem evoluído.
Aqui as chances são maiores ou estou com sorte?
Continuei sentado. O sonho que tive me trouxe memórias que pensei ter esquecido há muito tempo. Memórias que eu não queria tocar.
Um passado distante e amargo.
Olhei para a loba. Ainda dormia, mas sempre estava atenta a tudo. Um ótimo trabalho. Ela deveria ter caído de exaustão.
Decidi deixá-la descansar, por ora. Comecei a organizar meus próximos passos. Com a ameaça eliminada, voltamos ao início.
Investigar a área era essencial. Sabia que não poderia ir em direção ao norte por conta do número de coelhos cada vez mais crescente.
Fora os coelhos, não havia mais nada por lá. Investigar eles também era de suma importância, mas não poderia fazer isso agora.
O número é absurdo demais.
Dei uma rápida relida nos livros encontrados na caverna dos goblins. O conto era inútil para minha situação atual, mas o outro servia. Pelas anotações, essa era a Floresta de Negra de Sort.
Contudo tinha apenas o nome. Nada de tamanho, divisas, estruturas ou perigos. Ela era enorme, isto um fato e mais nada.
— Preciso analisar a área.
Comecei a montar um mapa mental. O sistema me ajudou criando uma tela onde eu poderia guardar essas informações.
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Norte e Noroeste: Grande quantidade de coelhos. Perigoso demais para investigar. Esperar até obter um monstro capaz de investigar sem ser descoberto.
Nordeste: Caverna dos Goblins | 30 minutos da Masmorra.
Sul: Desconhecido
Leste: Desconhecido
Oeste: Desconhecido
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Estranhamente o nordeste não possuía coelhos. Pelo menos não avistei nenhum pelo caminho. Isso poderia ser uma boa ou má notícia.
Acho que começarei por lá.
Antes de partir para a investigação, precisava ajeitar as coisas na masmorra. As goblins logo dariam cria, precisava ter certeza de que os bebês seriam bem criados, até porque são meus futuros servos, e precisava proteger e criar novas defesas.
De repente, Cristal abriu os olhos pesados. Ela me viu sentado e bem e pulou em cima de mim. Ela não conseguiu se segurar.
Não a repreendi dessa vez. Depois do leve conforto, retomei aos planos.
— Temos alguns longos dias pela frente, Cristal.
Ela ouviu preparada para o trabalho.
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— Mestre, viajará por quantos dias? — Gleen estava nervoso.
— Não irei demorar muito. Vamos encontrar um posto avançado e retornar.
—Tem certeza que só vocês dois são o suficiente?
— Tenho certeza. — Acenei com a cabeça, sorri e coloquei uma mão no ombro do Hobgoblin. — Cuide de tudo.
— Sim, mestre! Cuidarei com a minha vida se for preciso!
Passou-se exatamente 1 mês desde o dia em que fui invocado até o dia de hoje. Estava partindo na direção da mata para investigar.
Passei os últimos dias organizando tudo para minha viagem.
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Masmorra
Nome: Nenhum | Tipo: Torre
Raridade: Único | Grau: 1
Servos: 530
Andares: 5 | Andares Subsidiários: 0
Pontos: 10500
Requisito para próximo Grau: 1000 Pontos | Monstro Incomum | Monstro de Grau: 2
[Bônus]
Monstros Dominados e Domados tem um chance de receber a habilidade Mente Calma
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Construí mais três andares. Todos tinham esse aspecto de floresta. Goblins viviam no primeiro andar e segundo andar. O vilarejo foi colocado no segundo, que era mais seguro.
O terceiro andar era onde estavam os esqueletos. Invoquei uns trinta deles para uma proteção extra. Como eram mais fortes que goblins recém-criados, poderiam dar uma guarda melhor.
Calculei que alguém demoraria cerca de um dia e meio para ir do primeiro andar ao trono caso não soubesse o caminho exato.
Os círculos mágicos poderiam ser movidos de lugar, então dificultei um pouco a escalada. Caso invadissem, conseguiria sentir de longe.
Se a ameaça não fosse eliminada em algumas horas, retornaria imediatamente para a masmorra. Torcia que não tivesse muitas baixas, mas era inevitável.
Uma lástima, porém, cumpririam com seu dever.
No quarto andar, coloquei cerca de cem lobos e alguns coelhos. As estatísticas deles eram menores que as dos esqueletos, mas eles eram, de longe, os melhores em combate.
Os coelhos se reproduziam tão rápido que deixar eles dividindo território com os lobos foi a única opção para controlar a sua espécie.
Era quase como se eles fizessem divisão celular. Multiplicavam-se para o dobro da população em apenas 3 dias.
Demorou quase 1 mês para fazer tudo direito; organizar uma cadeia de comando provisória, invocar os monstros, recuperar os pontos perdidos e certificar de que não havia outra ameaça próxima.
Foram dias de trabalho duro, mas a segurança estava garantida. Se dez goblins campeões atacassem, ainda seria fácil lidar com eles.
Também recebi mais um Uso do Caldeirão e outro Emblema Bestial.
Agora, meu trabalho começava de verdade.
Levava comigo um par de lanças comums, uma dúzia de poções de cura, alguns itens auxiliares e uma bússola.
Estava equipado com algumas proteções básicas e levava também, para uma emergência, o arco e flecha que comprei nos primeiros dias.
Além de mim, tomei a decisão de ir acompanhado com a Cristal. Nosso treinamento em conjunto deu resultados e ela era uma caçadora e localizadora.
Também era mais forte e rápida que qualquer outro monstro que eu tinha. As suas estatísticas cresciam extremamente rápido.
[Informações]
Nome: Cristal
Raça: Lobo Branco | Nível 4/10
Raridade: Raro | Grau: 1
Emblema: Bestial
[Estatísticas]
Força: 13/31 | Velocidade: 16/32 | Vigor: 12/26
Destreza: 14/32 | Inteligência: 14/31 | Mana: 13/31
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O meu poder também crescia de forma estranhamente uniforme.
[Informações]
Nome: Kayn
Raça: Nephelim Superior | Nível 5
Raridade: Único | Grau 1
Classe: Mestre da Masmorra | Emblema Desconhecido
]Estatísticas]
Força: 15 | Velocidade: 15 | Vigor: 15
Destreza: 15 | Inteligência: 25 | Mana: 45
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Não era de todo o mal o crescimento uniforme, mas de qualquer forma, ainda era bem estranho.
Além disso, eu não recebi nem uma única habilidade passiva nova. Era comum que o treinamento físico liberasse habilidades como Força Aprimorada ou Sentidos Aprimorados.
Até os fracos goblins recebiam essas habilidades, porém eu conseguia entender a razão por trás disso.
Diferente deles, eu não possuía limitadores raciais, então uma habilidade que aumentava o limite de poder que eu poderia receber era inútil.
Todas as habilidades passivas de aprimoramento tinham essa capacidade.
Força Aprimorada, Velocidade Aprimorada, Vigor Aprimorado, Destreza Aprimorada e Inteligência Aprimorada aumentavam exatamente 1 ponto do limite de estatística por nível.
Sentidos Aprimorados aumentava 2 pontos do limite em destreza e velocidade e era uma habilidade incomum, diferente das outras que eram comuns.
Talento Mágico também era incomum e aumentava 2 pontos no limite de mana e havia outras habilidades do gênero e evoluções dessas.
Bem, concluindo a checagem de material, partimos.
A minha velocidade já era umas três vezes maior que a de um humano comum, então poderia manter um ritmo de corrida constante sem perder o fôlego.
Cristal possuía uma velocidade ainda maior que a minha, portanto, para ela, me acompanhar não era um problema.
Seus passos eram leves. Ela se movia pelas árvores como um rio fluía. Era calmo e veloz, principalmente veloz. O vigor dela era menor que o meu, mas ela compensava não realizando movimentos desnecessários.
A Floresta de Sort estava calma. Existia uma falta de diversidade nas plantas e árvores. Todas eram muito parecidas e se perder era fácil.
Ainda bem que trouxe a bússola.
Continuamos nosso caminho e chegamos na caverna dos goblins em um terço do tempo anterior. Cheguei se havia alguma outra coisa por lá, mas não encontrei nada de relevante.
Assim, continuamos seguindo para o noroeste.
Passou-se mais uma hora e, finalmente, entendi porque não havia monstros vindo do norte para o noroeste. Havia um rio imenso que cortava as duas direções.
A corrente era poderosa e destruidora. Com alguns testes, descobri que a profundidade também era um grande problema.
Eu não conseguia descobrir o quão fundo era. Além disso, estranhos peixes viviam na água. Eles tinham um cor verde esmeralda e nadavam contra a corrente.
O rio vinha do norte, descia para o sul e cortava um pouco para o oeste, evitando a Masmorra.
— Provavelmente a correnteza diminua naquela área, por isso os coelhos conseguem chegar próximos da masmorra.
Isto não era uma boa notícia. Na verdade, era um péssima. Eu já estava assustado com os números que chegavam na masmorra, mas sabendo que aquele rio bloqueava o perigo...
Quantos eram de verdade? Milhares de coelhos? Não era algo impossível. E, pela maneira como se multiplicavam, tornar-se-iam ainda mais numerosos com o tempo.
— Cristal, venha comigo.
Seguimos nossa viagem. Caso tudo desse errado naquela região, poderia tentar me mover para o noroeste, usando do rio como um escudo.
Após mais algum tempo de viagem, finalmente encontramos um ser vivo que não fosse um peixe esmeralda.
Para o noroeste, o ambiente mudou bastante. As árvores tinham raízes maiores e eram mais finas, e o chão mais úmido.
Uma região pantanosa, mas nada de muito excedente. O que me chamou a atenção foi uma criatura, ao longe.
A criatura andava em duas patas e carregava uma lança de madeira longa com uma pedra na ponta. Sua altura era similar a minha e possuía escamas verdes cobrindo-o da cabeça aos pés, além de uma grande cabeça de lagarto.
Seu físico não era forte, mas sim esguio. Reconheci sua raça facilmente; ele era um Kobold, os parentes mais distantes dos dragões.
Monstros do mais baixo escalão que eram comparados aos goblins. Tinham o corpo de um lagarto bípede e viviam em pântanos.
— Cristal, quer caçar? — perguntei com um sorriso de arrepiar os cabelos.
A loba, recém-nomeada, queria testar o seu corpo e se exibir um pouco para mim, então partiu para o combate. Moveu-se rápida e furtivamente.
O pequeno lagarto, de guarda, nem se tocou de que estava sendo caçado. Poderia não fazer nada, mas isso não me importava.
Kobolds eram mais inteligentes e bem menos agressivos que os goblins, mas ainda eram uma boa fonte de experiência.
Quando ele percebeu que havia algo errado, puxou sua lança, levantou guarda, bateu contra o ar, movendo-se de um lado para o outro, porém era tarde demais.
Cristal saltou de uma moita que nem eu sabia que ela estava. Arrancou a lança das mãos do pequeno, arremessando-a com a boca na minha direção e jogando o seu portador no chão.
O pequeno lagarto logo percebeu que era o seu fim, no entanto, para a minha surpresa, e terror, puxou um pequeno apito do peito e soprou.
Um som agudo ressoou pelas árvores e me fez abaixar a cabeça pelo barulho irritante. Aparentemente isso irritou Cristal, que logo arrancou-lhe a cabeça com um ataque.
Ela estava prestes a devorar o corpo, mas rapidamente a parei. Peguei o apito do corpo e a lança e me escondi atrás de algumas pedras próximas
A loba me encarou com raiva. Ignorei a sua fúria e a fiz ficar quieta. Logo um grupo se aproximou cuidadosamente de onde estávamos.
Conseguia ver, ao longe, cerca de dez deles. Todos armados com lanças e espadas feitas do osso de algum monstro.
Eles carregavam o corpo de uma criatura muito maior que eles e que tinha uma pele em um tom rosado, mas a distância não me permitiu identificar.
— Ele chamou por socorro. Fique quieta; não quero ter que lutar contra dez deles no meio de território desconhecido — murmurei.
O grupo tinha expressões mistas de raiva e tristeza pela perda do companheiro. Eles colocaram a mão no sangue ainda quente e deram algumas vasculhadas na região.
Sem encontrar nada, partiram, levando o corpo junto deles. Talvez fosse possível lutar contra eles, mas poderia haver mais deles e, além disso, combate sem planejamento não era comigo.
Estranhamente, senti uma atração pelo sangue derramado no chão. Minha garganta secou quando me aproximei, mas decidi ignorar meus desejos.
Guardei o apito e dei uma boa olhada na lança.
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[Item]
Nome: Lança de Pedra
Tipo: Lança Leve
Raridade: Comum
Durabilidade: 100/100
Habilidade: Nenhuma
Descrição: Lança feita da madeira da árvore Ming. Forjada por um Kobold sem experiência. A ponta é feita de uma pedra muito afiada.
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A qualidade dessa lança era estranhamente superior as que eu tinha. A madeira era resistente e flexível e a pegada era boa, além do tamanho se adequar perfeitamente para mim.
Agora, eu possuía três lanças para usar em combate.
Cristal estava irritada com o fato de ter perdido a sua caça, porém lhe prometi uma compensação. Havia se passado algumas horas apenas, então o caminho ainda era longo.
— Vamos, Cristal.
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Durante o restante do caminho, não encontramos muitos outros incidentes. Alguns goblins selvagens aqui e ali.
As únicas coisas incomuns foram manchas de sangue seco seguindo na direção em que íamos e minha garganta secando ao ver sangue.
Anoiteceu logo. Juntei um monte de gravetos em um círculo para criar uma fogueira. Cristal sentou-se na minha frente e ficou observando todo o processo com o rabo abanando.
— O quê está olhando? — Ela tinha uma expressão estranhamente presunçosa.
Não deve ser tão difícil, né?
Tentei acender a fogueira. Fiquei horas e horas mexendo dois gravetos, mas não resultava em nada. Forcei mais uma dúzia de vezes até que os galhos se quebraram pela décima vez.
Enfurecido, joguei os restos quebrados contra uma árvore e fiz uma leve birra para demonstrar minha frustração.
O lobo continuava me olhando.
— Tá achando engraçado?
Ela se virou, jogou um bocado de terra para trás e se deitou de costas para mim.
Que desgraçada.
Olhei então para a palma da minha mão e lembrei do jogo. Havia a magia também, mas não seria como no jogo.
Né?
— Bola de fogo! — Nada aconteceu. Não saiu nem uma faísca.
Sem ter o que fazer, me joguei no chão contra uma árvore. Como não estava tão frio, conseguia passar a noite sem uma fogueira.
Quando fechei os olhos, senti um calor por debaixo dos meus braços e a sensação confortável. Olhei então para a loba.
Ela deitou ao meu lado e me confortou um pouco. Era uma noite sem lua, a escuridão estava por todos os lados. Ter aquela aproximação ajudava muito.
— Boa noite, Cristal — Carinhosamente passei a mão pelo seu pelo.
Meus olhos pesaram, mas eu precisava manter a guarda. Estava numa floresta escura e desconhecida, afinal. Porém aquele conforto não ajudou.
Em certo momento, desisti de tentar. O pesadelo que tive anteriormente não voltaria a me assombrar. Agora eu estava na realidade e ela não poderia ser mais maravilhosa.
Adormeci sob o sereno.