Volume 1
Capítulo 2: Lycan
Eu, Geralt Strokes, odeio o frio. Ultimamente o frio se tornou o clima comum, com a “guerra do Inverno” completando um ano em alguns meses. O inverno já se passou, mas estamos tão longe de acabar os conflitos quanto no primeiro dia, e acredito que o mesmo se aplica ao clima gélido.
Ainda assim, é melhor do que um dia chuvoso.
Ajustando as roupas para me aquecer, observei a ruína ao meu redor para perceber que quebrar a parede não foi uma boa ideia. A estrutura é frágil o bastante para desmoronar a qualquer momento, e centenas de anos de história seriam soterrados. No entanto, a força física é a melhor opção se não posso usar magia, e aquele cara me tirou um pouco do sério.
Só espero que ela não me repreenda quando chegar aqui.
Suspirando, caminhei na direção do intruso e o carreguei para fora da ruína em minhas costas. Não é muito pesado, mas não deixa de ser uma droga de trabalho. Pelo o que posso ver, ele perdeu completamente a consciência depois do soco, e não consigo deixar de ficar feliz com isso. Um humano realmente ousar invadir uma ruína élfica é algo que não sei ser preocupante ou risível, mas não cabe a mim me preocupar com esse tipo de coisa. Enquanto me perdia em meus pensamentos, a gélida brisa me avisava que já estávamos do lado de fora.
— Agora eu só preciso esperar o reforço chegar. Cara, que saudade de uma bebida…
A Lua está especialmente brilhante hoje, e o estrelado céu noturno é limpo, sem a menor presença de nuvens. Apenas o menor sinal de chuva me deixa carrancudo, então não pude deixar de ficar satisfeito ao ver o céu dessa forma. Assim que pensei em me sentar e observar as estrelas, senti um movimento estranho ao meu redor.
Aquele alguém que podia jurar estar desacordado agora se virava para a Lua de pé, os braços levantados levemente e os olhos fechados. Sua pele estava anormalmente pálida, quase mortificada, e os cabelos castanhos lentamente se tingiam de preto. No entanto, o que mais me deixou desconfortável agora foi a estranha sensação de arrepio que não senti antes ao me encontrar com ele.
“Outra pessoa? Não, isso é impossível, eu perceberia. Tenho certeza que ele desmaiou, ou teria aproveitado minha guarda baixa e me esfaqueado pelas costas. O que é isso?”
Enquanto tentava raciocinar sobre o que estava acontecendo, eu o ouvi respirar profundamente. Não era uma respiração de dor ou cansaço, mas algo que se parecia com euforia e prazer.
— Hahahahaha! Sentir ar nos pulmões novamente! Que sentimento! — Sua voz era rouca, mas carregada de uma sinistra animação. Ignorando totalmente a minha existência, o humano se concentrou em respirar como se aquilo significasse a melhor experiência do mundo.
Enterrando meus pensamentos no fundo da minha mente, desembainhei minha espada silenciosamente e esperei por uma oportunidade. Não houve sinal de ameaça, aura ou até mesmo um sinal corporal de que ele iria fazer alguma coisa. Prendi a respiração e cheguei a uma distância de apenas meio metro sem realizar o menor som, focado em tensionar os músculos da mão com o maior esforço possível.
“Desta vez, é melhor não se levantar de novo!”
Um corte rápido e preciso na horizontal é o suficiente para deixar feridas profundas em qualquer um, ainda mais quando o ataque não é premeditado. No entanto, assim que o aço estava prestes a cortar seu peito, mesmo a mísera imagem daquele homem desapareceu, como se nunca estivesse ali em primeiro lugar.
— Que porra?!
Com o choque repentino, meus pés se desequilibraram com o peso da espada e me esforcei para não cair. Senti meu cenho franzir imediatamente e olhei em volta apenas para encontrar as árvores escuras e entortadas que me rodeiam, acompanhadas pela seca e fina grama amarelada, que perdeu a cor devido a pressão da barreira rúnica.
“Teletransporte? A magia dele não parecia ser assim, então como?”
— Que inconveniente. Não é sensato interromper os outros em assuntos importantes. — Uma voz que soava exatamente a mesma que ouvi dentro da ruína, mas entoada em um tom completamente diferente. Guiando meus olhos em direção ao som, me deparei com uma figura sorridente parada no céu, apenas me observando. Completamente diferente de antes eram os seus horriveis olhos, inteiramente negros e demoníacos, com uma pequena pupila branca no centro. Ali no céu noturno, aquele ser expressava uma soberania de outro mundo, uma presença que eu nunca senti antes.
Uma presença divina.
Antes que fizesse qualquer movimento, senti uma dor medonha em meu estômago e o sangue que saiu da minha boca como resultado. Tossindo desesperadamente e caindo de joelhos, era como sentir o peito queimar e se contorcer, tudo o que consigo sentir nesse momento é dor.
— Ponha-se no seu lugar. — Foi tudo o que ele disse, mas o suficiente para meu corpo todo estremecer. Tentei respirar, mas a cada tentativa o sangue saia novamente e minha garganta se fechava, me permitindo somente soltar grunhidos fracos.
“Eu vou morrer? Nesse lugar imundo e mórbido? Que merda de situação é essa?!”
Senti a vista embaçar, mas meus olhos reconheceram a figura do estranho cada vez mais perto, seu rosto apático quando levantou levemente o braço direito em minha direção. Com uma dor azucrinante, o encarei de volta firmemente. Não quero morrer como um covarde, mesmo que já esteja morrendo de medo. Consigo sentir meu coração batendo loucamente e os músculos se contraindo, então respirei fundo e me concentrei em manipular a mana para liberar em grande quantidade.
Não vou morrer sem tentar.
— Pensei que você tinha tudo sob controle. — Uma voz me tirou dos meus pensamentos, calma e serena, mas carregada de orgulho. Movendo meu olhar na direção da voz, observei um homem caminhar solenemente em nossa direção.
Cabelos loiros e bem modelados, ele aparentava ter trinta e poucos anos. Sua barba bem aparada apenas ressalta o quão bem moldada é a sua aparência, certamente um exemplo de alguém “bonito”. No entanto, apesar de parecer o típico homem boa pinta, os olhos eram da cor dourada e brilhante, uma característica de uma raça soberana conhecida em todo o continente.
Um lycan. Uma espécie que segue a linhagem dos lobos dourados que prosperaram durante centenas de anos no continente, agora ostentando apenas um reflexo da antiga nobreza. O homem vestia um elegante traje escuro, desde o acizentado gibão devidamente abotoado ao sobretudo negro que ressaltava o corpo bem definido, deixando claro seu nascimento nobre. Tudo isso somado a outras características, como o cabelo loiro, me fizeram descobrir sua identidade.
Era o rei dos lycans, Edward II. Fenrir.
— Peço perdão por desapontá-lo, majestade — Relaxando meus músculos tensionados, consigo dizer esta pequena frase após bastante esforço para evitar tossir sangue novamente.
Ao mesmo tempo, o humano também observava Edward com interesse repentino. Pressenti que seu foco não está mais em mim e me afastei dos dois o mais longe que consegui na esperança de me recuperar pelo menos um pouco.
— Um rei? Interessante, pensei que os lycans abraçassem a selvageria. Me chamo Ahrk, não que isso importe para um rei morto. — Os pés finalmente tocaram a grama desta vez, mas Ahrk não demonstrou o menor espírito de luta.
Edward também percebeu isso ao inclinar levemente a cabeça. Pelo pouco que sei, o rei é orgulhoso e não imaginava que alguém realmente lutaria com ele sem uma guarda. No entanto, Ahrk provou estar falando sério quando avançou mais rápido do que meus olhos conseguiam acompanhar e atingiu Edward no rosto com um soco. A pressão do golpe comprimiu o vento ao redor dos dois, causando um som explosivo.
Não satisfeito, o intruso preparou outro golpe, desta vez o alvo sendo o peito do rei. Na intenção de atingir novamente seu adversário, Ahrk exibiu um sorriso pleno e divertido em seu rosto. Prestes a ver Edward sendo atingido, um enorme estalo foi ouvido e Ahrk foi arremessado para trás, rolando sobre a terra por vários metros.
“Muito rápido, Não o vi se mover nem por um momento!”
À primeira vista, Edward realmente parecia não ter movido um músculo. No entanto, assim que Ahrk se levantou do chão, era evidente o rastro de sangue que seguia de sua testa até o queixo. É impossível não notar a surpresa em seu rosto, mas segundos depois o espanto se transformou em uma alegria que beirava a insanidade.
— Hahahahahahahaha! Desgraçado, você é muito bom! O que foi isso agora?
— Isso tem importância para alguém prestes a morrer?
Dizendo isso, Edward começou um curto trabalho de alongamento, esticando as pernas e alongando os braços para cima. Ahrk não se moveu nesse tempo, indicando que iria esperar até o último segundo enquanto aquilo fosse divertido. Assim que Edward terminou, sua guarda foi montada com os dois braços posicionados à frente de seu corpo, além da perna esquerda que estava à frente da outra. Entendendo isso como um sinal, Ahrk disparou novamente, desta vez ainda mais rápido e preciso.
A cada troca de golpes, a diferença se tornava evidente. Toda vez que Ahrk tentava atingir Edward, o mesmo bloqueia com certa facilidade. Assim que o golpe não teve êxito, o intruso ficou cheio de aberturas, e o rei não deixaria isso passar.
Retirando o peso da perna esquerda, Edward moveu o corpo para frente girando o quadril, criando um potente soco forte o bastante para derrubar Ahrk no chão. Não satisfeito, o intruso foi jogado para trás depois de um chute do rei, rolando novamente pelo terreno até trombar em uma árvore que estremeceu com o impacto. Desta vez, era Edward quem caminhava lentamente até seu oponente.
— O que foi? Toda aquela arrogância era conversa? — Em contraste com a escuridão do céu noturno, os olhos de Edward exibiam um brilho dourado sufocante ao ambiente. Ahrk não respondeu imediatamente, apenas se levantou com a mão em seu rosto na esperança de limpar o sangue. Veias começaram a dilatar em volta de seus olhos, o que deixou sua aparência ainda mais medonha.
— Muito bem, vamos para uma segunda rodada então.
Os dois se chocaram novamente, mas havia uma pequena diferença. Mesmo sendo inferior tecnicamente, Ahrk não era pressionado como da última vez, e sim utilizava de uma força bruta avassaladora como remediador. Até Edward se mostrou surpreso, talvez por não esperar uma melhora tão repentina de seu oponente. Foi nesse momento que Ahrk girou completamente o corpo para se conseguir uma abertura e atacar Edward pelos flancos.
Quando o soco atingiu o rosto de Edward, seu corpo foi obrigado a se mover levemente para trás. No entanto, além da sujeira em seu rosto, o rei continuava sem nenhum ferimento.
— Ainda não me acostumei com este corpo, é uma pena. No entanto, ainda acho mais que suficiente para te deixar no chão. — Sorrindo novamente, Ahrk queria fazer Edward se desconcentrar pela raiva, ferindo o orgulho do rei.
No entanto, Edward apenas retribuiu o sorriso, mostrando suas duas presas selvagens.
— Entendo. Você é um espectro parasita que acabou de encontrar um hospedeiro, muito típico.
Os dois perceberam algo naquele momento. São arrogantes, prepotentes e poderosos o bastante para não serem contrariados, mas esse orgulho pode levar a uma fraqueza vital. O primeiro que se desconcentrar pela raiva vai criar uma brecha, perdendo a luta.
Os dois avançaram um sobre o outro novamente, e eu pressenti que seria o momento decisivo, então me preparei para ajudar o rei a qualquer momento. Ahrk atacava freneticamente, não deixando Edward pensar em um contra-ataque efetivo. Com o impacto da luta, a floresta se encontrava em um estado de destruição sem igual. O rei movia o corpo com agilidade ao evitar os golpes e se defender perfeitamente, enquanto Ahrk se mostrou um verdadeiro monstro.
Ahrk movimentou os pés ligeiramente e avançou para outra troca, mas desta vez tomou a decisão de saltar e levantar a perna esquerda para cima. O impulso foi o suficiente para desferir um poderoso chute, mas Edward bloqueou o golpe a custo de seus pés quebrarem o solo pela força de impacto, criando uma pequena cratera. O rei aproveitou a oportunidade para segurar a perna de Ahrk com firmeza e jogá-lo no chão, a poeira do solo voando céu acima como consequência. Ouvi um estalo horrível, e quando a poeira se desfez entendi o motivo.
Edward estraçalhou a perna do intruso com a força excessiva, quebrando-a em várias partes. Não houve grito de dor, nem mesmo um grunhido ou expressão.
Ahrk estava sorrindo, só se é possível ver a genuína alegria em seu rosto.
Quando pensei que a luta havia chegado ao fim, Ahrk abraçou o pescoço de Edward e se colocou de pé novamente, ignorando a perna quebrada. Não esperando tal reação, Edward não pôde evitar o soco de Ahrk que o atingiu no rosto, sendo forçado a recuar dois passos.
O espectro colocou peso em sua perna esquerda, que incrivelmente parecia curada. Assim que se sentiu inteiro, ele abriu um sorriso infantil, e eu já preparei o fôlego para lançar minha magia.
Mas Ahrk nunca se moveu. Seu corpo estava apenas estagnado ali, e não parecia que esta era sua vontade.
— Ah, eu entendo… Parece que o idiota está conseguindo retomar o controle, que interessante. — Até o menor esforço como levantar a mão direita parece difícil, mas ele não deixou de sorrir ao perceber que estava sendo suprimido. Ao invés disso, seus olhos estavam fixos em Edward.
— Vamos continuar isso depois, o que acha?
Surpreendentemente, o rei acenou com a cabeça.
— É claro.
E depois disso, os olhos de Ahrk se fecharam lentamente e seu corpo desabou no solo.