O Jardim de Po Brasileira

Autor(a): Dramaboy


Volume 1

Capítulo 9: A Menina e O Casulo

Molar me encarou.

— Pode confiar na gente — acrescentei rapidamente.

A menina nos fitou em silêncio.

— Se demorar muito, não vai conseguir o que quer a tempo — murmurou Po.

Sua alfinetada acertou bem onde queria. Qualquer dúvida que ela tivesse foi engolida pela urgência. Não conseguir se transformar em fada madrinha aquela mesma noite a forçaria a esperar até a próxima lua cheia. Mais tempo, mais chances de Emília ser machucada.

— Como é esse trato? — inquiriu a fada.

— É como jardinagem — explicou Po. — Nenhuma árvore cresce sem semente. Se você me der a semente eu vou te dar a árvore.

— Molar nunca brincou de jardinagem antes. Não têm nenhuma semente consigo.

O menino se aproximou dela devagar, como se estivesse prestes a ganhar uma brincadeira. Era surpreendente a facilidade com que Po se transformava em uma criança inocente. Um tom de voz, um gesto com a cabeça… Fez o mesmo na frente de Lars, mas o resultado foi completamente oposto. Talvez estivesse fazendo isso comigo também. Eu precisava espreitar entre todos esses maneirismos se quisesse saber como de fato era Po.

O menino apontou para o colar da garota.

— Molar não pode dar o talismã — espetou ela.

— Mas e o que tem dentro? — inquiriu ele. — Tem certeza que quer ajudar a Emília?

Silêncio pairou entre caules.

— Você pode estar enganando Molar…

— Crianças mentem?

— Você não é uma criança.

— Não humana.

— Então…

— Faz diferença? — Po deu de ombros. — Chata. Vamos brincar de outra coisa então, Solano. Quem não tem coragem de plantar não merece ver nada crescer.

Molar fechou os olhos com força.

— Tudo bem —suspirou finalmente. — Mas se Molar não conseguir…

— Eba! — a interrompeu Po, pegando as mãos da menina. — Então vamos depressa! Você tem que voar para a casa de Emília o mais rápido possível.

Molar assentiu com a cabeça. Então, Po ordenou:

— Solano, começa a cavar!

 

***

 

Foi curioso perceber como o agradável ranger das pedras sob minhas botas, se tornou um horrível arranhar metálico contra a pá. Minha pele eriçava toda vez que afundava o instrumento no solo. Enquanto isso, Po se limitava a brincar com Molar. Apoiados em um caule próximo competiam para ver quem ficava mais tempo sem fechar os olhos. Somente me deram atenção quando o buraco estava pronto. Soltei a pá e cai contra a pequena montanha de pedras e terra que tinha se formado a minha esquerda. O dia mal tinha acabado de começar, mas eu já esperava que terminasse.

Ambas crianças se aproximaram do buraco, tão profundo quanto a altura do menino. Molar se inclinou para vê-lo de perto.

— Molar percebeu que o solo daqui é diferente — comentou a menina.

— Estamos em um jardim, não em um boque — explicou Po. — Agora, abre o talismã.

A menina duvidou novamente, mas ele a tranquilizou segurando sua mão.

Então, Molar pressionou a enorme joia roxa em seu peito. Uma luz púrpura brilhou frente eles, tingindo alguns caules e seus rostos. Não demorou para um pequeno dente pular do colar. Molar apontou o assessório para o buraco antes da chegada de um segundo. Então veio mais um. E mais um. E outros. E mais alguns. De repente, como água caindo de uma cascada, uma enxurrada de dentes se precipitou do colar da menina. Alguns brancos, outros amarelos (até alguns pretos) quicaram sobre as pedras do jardim, antes de pular para dentro do orifício que eu tinha acabado de cavar.

Demorou até o talismã finalmente esvaziar.

— Solano — chamou Po. — Enterra.

Me incorporei fatigado. Contudo, cobrir o buraco foi muito mais fácil que abri-lo. O menino segurava a mão de Molar cuidadosamente. A angustia já não tomava conta das feições da garota.

— E agora? — perguntou ela.

— Agora esperamos — declarou o garoto.

A espera não durou muito. Em apenas alguns instantes um estalo ecoou entre as pedras. Alguma coisa tremia sob nossos pés. Era um tremor suave, delicado, porém firme. Dei um passo atrás por precaução. Tinha visto coisas perigosas demais ocorrerem durante os últimos dias como para não tê-la.

Com um ranger suave, um pequeno caule esverdeado emergiu entre as pedras a nossa frente. Não chegava sequer a altura dos joelhos das crianças. Outro estalo. A altura da planta aumentou. Era a primeira vez que via uma planta crescer tão rápido. Alias, quando foi a última vez que vi uma planta brotar?

De repente, uma saraivada de estalos inundou o bosque. Como uma enorme coluna vegetal, o bambu perfurou o céu da manhã. A velocidade e a força com que a planta cresceu me fizeram dar outro passo atrás.

Abri a boca de assombro.

Molar fez o mesmo.

Contudo, alguns instantes após brotar a árvore parou de crescer. O ranger das pedras se viu subitamente devorado pelo silêncio.

— Pode pegar as tesouras Solano? — ordenou Po.

Obedeci. Procurei entre as ferramentas e levei o instrumento até o menino.

— Molar, pode trazer o talismã? — brincou ele.

Devagar, a fada estendeu o colar. Po apontou para o imenso pé de bambu a nossa frente enquanto fazia um gesto com a outra mão em direção as tesouras. Afundei a lâmina no caule da planta. Torci a ferramenta, abrindo um pequeno orifício quadricular.

— É a vez da Molar — sugeriu o menino.

Puxei a tesoura para fora do bambu.

Um enorme jato de dentes se precipitou para fora do caule. A força com que se projetaram para fora da planta foi tamanha que cai sentado para evitar ser arrastado. Porém, Molar sequer saiu do lugar. Um redemoinho esbranquiçado a envolveu. O jato se retorcia no ar como uma cobra de escamas ásperas, enroscando a fada violentamente. De repente, eu já não conseguia vê-la. A cobra tinha se transformado em uma forma oval, da altura das árvores.

E então, a estranha forma, impactou contra o chão. Pedaços de cascalho esguicharam meus braços. Fechei os olhos. Quando os abri novamente um casulo de esmalte branco repousava próximo a nós. Não havia rastro algum de Molar.

— O que aconteceu? — indaguei, observando o objeto composto de dentes.

Po revirou os olhos. Deveria também me explicar aquilo?

— Volte ao trabalho — suspirou. — Acabamos por aqui.



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