Volume 1

Capítulo 4: A Relíquia

O cheiro de café repugnava Valentim. Não entendia como todas as pessoas da sua idade, sem exceção, vangloriavam essa tal bebida. Terra líquida. Esse foi o primeiro pensamento que Valentim teve sobre o café e ainda é o que pensa hoje.

No caminho até o escritório, viu pelo menos quatro pessoas segurando um copinho de café enquanto ele se encaminhava até a sala de xérox. Após chegar na salinha e cumprimentar o sr. Meros, ele desenhou um símbolo no ar virado para a parede. Quando terminou, uma porta de madeira preta se materializou, e ele a atravessou.

Valentim seguiu pelos corredores do departamento contando mais cinco cafés, um recorde. Ele ia acenando com a cabeça para aqueles que o cumprimentavam, soltando um ou outro sorriso. Ao se deparar com a porta de sua sala, ele viu a pessoa de pé, claramente esperando-o.

— Detetive Valentim! Que bom que o senhor chegou — disse Clinton, aproximando-se e ajeitando seus óculos retangulares.

O ruivo soltou um olhar para o coitado, e lembrou de algo que odeia mais do que café: as vestes ridículas de Clinton. Sempre com a mesma camisa branca de escritório, e sempre com a calça por cima. Em um peito, um bolsinho com uma caneta e no outro uma plaquinha, nela escrito “Recruta Clinton”. 

— Vim entregar o café que o Detetive Symon pediu. — Clinton segurava uma garrafa térmica preta.

— Por que não entrou de uma vez?

— Não queria parecer um incômodo... — gaguejou.

Ao adentrarem o escritório, Valentim espremeu os olhos devido à um canto muito agudo. Sentiu vontade de dar as costas e ir embora do trabalho. Assim que se recompôs e deu o primeiro passo, Symon apareceu.

— Valentim, já estava na hora! — disse Symon, saindo de trás de uma estante de livros com um sorriso claramente suspeito no rosto. — Você não vai acreditar no que...

— Você trouxe a sua filha, Pombo?

Era pequena e loura, de cabelos longos, intermináveis. Poderia facilmente escorregar pisando na própria juba. Usava um vestido branco muito bonito e um salto alto da mesma cor, parecia que vinha direto de um casamento. Havia crescido muito desde a última vez que a viu.

— Vamos, Juliette! Diga “olá” para o tio Valentim — disse Symon, sorridente.

A criança o cumprimentou de maneira quase inaudível.

— Ela estava praticando canto enquanto você não chegava. Você não vai acreditar no quanto ela melhorou, meu amigo!

— Eu passo. — Valentim caminhou até sua mesa, revelando Clinton, que estava ali atrás segurando a garrafa. — Se descobrirem que você a trouxe pra cá de novo, pode apostar que a sua promoção vai congelar.

— Ah, bem a tempo, Clinton! Agradeço pelo café. Juliette tem praticado muito ultimamente, e andou cansada. Isso vai ajudá-la a ficar de pé.

Symon seguiu até Clinton e pegou a garrafa, deixando-a em cima de sua mesa. Depois de ficar de pé olhando para o nada, o recruta saiu da sala parecendo um pequeno roedor.

Valentim desacreditou quando viu a criança beber uma xícara de café puro em poucos segundos. Agora, não tinha certeza se Symon era um ótimo ou péssimo pai.

— Não me encare desse jeito! — Symon pôs as mãos na cintura. — Sabe, Juliette é bem sensível, e toda noite uma motocicleta atravessa a nossa rua rompendo a barreira do som. Como a apresentação da minha filha é logo logo, ela tem que se manter de pé.

— Perturbação de sossego é crime — disse Valentim.

— É, mas… — Symon virou-se para Juliette, e então para Valentim. O acinzentado sempre foi mole quanto a esses assuntos triviais. Virou-se novamente para a criança. — Vai lá brincar com os livros atrás da estante, filhinha. Agora o papai tem que trabalhar.

Juliette foi correndo em pequenos pulinhos até a estante de trás.

Symon jogou as costas em sua cadeira tão forte que a fez andar para trás, e observando a pilha de papel à sua frente, deu um suspiro. Valentim mexia em suas gavetas, colocando cadernos e canetas sobre a mesa. Abrindo as páginas, o ruivo sentia uma dificuldade enorme em trabalhar, afinal, ele próprio era o assassino.

O acinzentado, depois de um suspiro longo, estalou os dedos e se inclinou para começar a trabalhar. Ele sempre foi assim, lento para iniciar, mas um gênio enquanto trabalhava. Não havia detetive melhor para o caso, o Pombo trabalharia e investigaria com tudo que pudesse. De certa forma, isso preocupava Valentim, mas não o inquietava mais do que o fato de que caso fosse pego, teria que ser algemado pelo seu próprio parceiro.

— O que tem nessa papelada toda? — questionou o ruivo.

— Várias coisas importantes. Interrogatórios, informações sobre as vítimas e as pistas do caso.

— Não quer que eu fique com uma parte? Ainda tenho que entregar o relatório atrasado, e quem sabe isso me ajude a esfriar a cabeça.

— Não precisa. — Symon respondeu bruscamente. — Sei que você consegue terminar ele hoje. Pode deixar isso aqui comigo.

Valentim deu de ombros e voltou a fitar o caderno. Quando o Pombo estava decidido, não há nada que ele possa fazer.

As horas passaram voando, o ruivo conseguiu ser produtivo o suficiente para terminar o relatório. Quando descansava por um segundo e espiava a mesa de Symon, o homem estava estranhamente focado nos papéis e no pequeno caderninho de anotações ao lado. Quando Valentim foi à estante pegar um livro para consultar algo e se esticar, Juliette estava num sono profundo no chão, utilizando vários livros como travesseiro. Pouco tempo antes do expediente acabar, Symon soltou um urro.

— Valentim, acabei de descobrir algo importante.

O ruivo não se preocupou tanto — tinha certeza de que não havia provas que o deixassem como suspeito.

— As três vítimas têm algo em comum. Algo muito... como é a palavra? Peculiar. — Symon fez uma pausa — As duas primeiras tinham a hierarquia mínima para ter o conhecimento das relíquias secretas da Torre de Babel. A terceira era de hierarquia menor, porém, segundo o interrogatório de seu superior, ele disse que havia deixado escapar a informação. O assassino provavelmente quer algo que está na torre.

Valentim não conseguia esconder o espanto, Symon era perigoso demais. Inteligente demais. Leu e relacionou as informações das vitimas em poucas horas, levando a uma prova que dificultaria para ele pôr as mãos no Medalhão.

— Brilhante — disse Valentim. — Vou deixar o relatório contigo. Você sabe organizar as coisas melhor do que eu.

— Vou fazer hora extra hoje — disse Symon. — Espero que a lista das relíquias da Torre esteja em minha mão o quanto antes. Nesse ritmo, pegaremos o desgraçado em pouco tempo. E espero uma promoção logo, logo...

Valentim sorriu. Se ele contasse à Loreley o que descobriram, tinha certeza que seria xingado.

 



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