Volume 1
Capítulo 49: Sociedade Inesperada
A invasão da seita Caminho da Aurora ao vilarejo Torino deveria acontecer na noite da quarta-feira. Julie, Havoc, Niki e Artic ficaram em vigília no alto da muralha até depois da meia-noite, mas nenhum sinal de invasão foi detectado com o passar das horas.
Skiff foi o primeiro a desconectar, pois precisava ir trabalhar. Minutos depois foi a vez de Artic sair, dizendo estar muito cansado e que precisava dormir para não afetar sua rotina do dia seguinte.
Agora restava as três.
Julie suspirou enquanto observava a paisagem escura, então virou-se para trás e contemplou a cidade iluminada. A maior parte dos moradores estava acordada por conta da ameaça da invasão. Já os soldados, estes estavam na muralha patrulhando e vigiando junto aos aventureiros.
— E agora? — Havoc, que estava à direita de Julie, quis saber.
— É improvável que a invasão ocorra essa noite — admitiu Julie. — Então… vocês podem sair se quiserem, não tem problema.
— Mas e depois? Vamos continuar esperando pelos próximos dias? — quem perguntou foi Niki, à sua esquerda.
— Eu não vou desistir dessa missão depois de tudo que passei, mas se vocês quiserem fazer outra coisa, por mim tudo bem.
Niki e Havoc jamais iriam recusar a oportunidade de continuar jogando ao lado de uma profissional como ela, por isso se comprometeram a vigiar e proteger o vilarejo nos próximos dias.
Era perto das duas horas da madrugada quando as três se despediram e desconectaram do jogo.
***
Na quinta-feira Daniel despertou com a luz do sol irradiando pela janela semiaberta do quarto. O clima estava do jeito que gostava, não fazia frio, tão menos calor. Ele jogou a coberta para o lado, se espreguiçou e pegou o celular largado ao seu lado.
A tela do aparelho brilhou ao ser ligado, e 86 mensagens novas o aguardavam.
— Quê? — Falou pensando se havia algum engano, se se tratava de uma brincadeira.
Apesar de confuso, pressionou o dedão no retângulo da notificação para abrir o aplicativo. As mensagens estavam ordenadas pela data de envio. Sem pensar, abriu a mais recente, de Havoc, enviada às 2h da madrugada, dizendo: É melhor já ir pensando em um bom nome.
— Estou entendendo nada — disse sacudindo devagar a cabeça.
As próximas mensagens não faziam muito sentido.
Eles ficaram jogando até tão tarde? Pensou.
Depois abriu a primeira mensagem enviada por Artic, às 00h54:
“Parabéns por vencer a aposta. Só não entendi como você pulou dois níveis de uma vez. Enfim… nos chame quando chegar a hora.”
— Ganhei a aposta? Como? Eu morri.
Era enorme a vontade de entrar na cápsula de imersão, iniciar o jogo e conferir a situação de Ragnar, mas faltavam quase seis horas de punição a serem cumpridas. Por isso torceu para que as próximas mensagens ajudassem a elucidar a situação.
Mas elas de nada adiantaram, pois os cinco: Julie, Havoc, Artic, Niki e Skiff apenas o bombardearam com felicitações, piadas e zoações. Então, perto do final, abriu uma das primeiras mensagens de Niki, e se deparou com algo preocupante.
“Eu sei quem você é “de verdade”, mas fique tranquilo… chefe. Mal posso esperar para fazer parte da sua guilda.”
Será que ela sabe quem sou? Não, não pode ser…, mas… não seria impossível. Será que ela desconfiou de mim e da Jú?
Era muita coisa para assimilar numa manhã. Daniel praguejou, pois agora teria dificuldades em se concentrar no trabalho com tanta coisa martelando em sua cabeça.
Só mais alguns meses. Aguente firme, garoto. Falta só mais um pouco para voltar a me dedicar de corpo e alma ao jogo. Os investimentos irão vencer e, somando ao que economizei até agora, mais o empréstimo que a Samara me indicou, o primeiro passo para o mundo competitivo finalmente poderá ser dado.
Mas primeiro eu preciso fundar a guilda fazê-la crescer. Eu e meus colegas teremos de evoluir até o nível 99, então… CARALHO JÁ TÁ TARDE!!! Desesperou-se quando consultou a hora em seu celular.
Com a cabeça à mil, correu até a cozinha para preparar e tomar o café da manhã. Vestiu-se em tempo recorde e arrumou tudo que precisava ser arrumado.
E enfim foi trabalhar.
***
A quinta-feira sempre era o dia mais atarefado da semana, pois era como se todos os clientes da empresa se unissem para resolver seus problemas no dia anterior à sexta-feira, que por sou vez, era um dos dias mais calmo e festivos da semana.
As ligações em voz alta, a correria pelos cubículos e as constantes reclamações não foram capazes de distrair a mente de Daniel de todas as mensagens recebidas naquela manhã.
O que foi que aconteceu depois que eu morri? Perguntava-se com frequência, com os olhos desfocados mirando o monitor.
— Tais livre pra almoçar hoje? — ouviu alguém dizer, mas a música em seus fones de ouvido o fizera crer que a pergunta fora dirigida a outra pessoa.
— Daniel?
Virou-se de imediato e encontrou sua chefe, Samara, apoiada na baia esquerda do cubículo. Quando seus olhos se encontraram, ela falou:
— Que tal almoçar fora hoje? Tem um lugar aqui perto que faz uma comida ótima por um preço bacana, tá afim?
— Adoraria… — respondeu mais por impulso e pressão do que por querer de verdade.
Ela cruzou os braços, olhou para os lados, se aproximou e prosseguiu baixando a voz:
— Pensei em aproveitarmos para conversar sobre o seu… “Projeto de um futuro distante” — Ela gesticulou as aspas com as mãos.
No início ficou confuso, então lembrou do dia em que pegou carona com ela depois do expediente. Samara havia mencionado financiamentos que poderiam ajudá-lo a se reerguer, só de pensar nisso, já começou a ficar animado.
Os olhos dela brilhavam como se ele estivesse a ajudando.
O ritual de ontem à noite, as mensagens recebidas hoje de manhã, e agora isso, é muita coisa acontecendo em tão pouco tempo, refletiu.
— Então está combinado. — Samara estalou a língua, apontou o dedo indicador para ele e depois voltou para o cubículo do lado, sumindo de vista.
O tempo demorou para passar, mas enfim chegou a hora do almoço. Samara se levantou ao meio dia em ponto, pegou sua bolsa tira colo e esperou por Daniel, que levantou da cadeira sob o olhar vigilante dela.
A caminhada pelos corredores dos escritórios, a espera pelo elevador e a caminhada até o carro tiveram uma coisa em comum: um silêncio constrangedor que só foi rompido quando eles entraram no carro da chefe, e ela começou:
— Não me leve a mal, mas eu pesquisei bastante sobre você e… uau, não fazia ideia de que alguém tão famoso trabalhava ao meu lado. Agora faz sentido porque você conversava tanto com o pessoal de outros departamentos, principalmente do T.I. — Ao terminar e falar o carro já havia deixado o estacionamento, a seta direita estava ligada, sinalizando que a condutora pretendia entrar na via principal.
Daniel reagiu com um sorriso desconcertado ao ser surpreendido dessa forma, mas a conversa não pôde se estender, pois em questão de cinco minutos o carro parou em frente ao restaurante.
— Agora entendi porque nunca ouvi falar desse lugar, ele está escondido do mundo — disse observando a pequena placa “Restaurante do Giuseppe”, espremida entre duas placas enorme das lojas de uma rua pouco movimentada.
— Você irá se surpreender — Samara respondeu ao abrir a porta do carro.
Eles saíram do automóvel. Ela trancou e acionou o alarme e, juntos, se dirigiram a uma das mesas do lado de fora do estabelecimento. Das quatro disponíveis, apenas uma estava ocupada, por um casal de meia idade que apenas conversava.
— Aqui é bem tranquilo — Daniel puxou conversa.
— Bem diferente daquela loucura do centro — Samara acrescentou enquanto fazia um gesto de mão para chamar o garçom.
— Só um momento — disse o funcionário terminando de passar o pano em uma mesa.
Ele se aproximou dos recém-chegados assim que terminou a limpeza, então pegou os menus que trazia embaixo do braço e os ofereceu.
— Vão beber alguma coisa? — disse com um bloco de notas em mãos.
Papel e caneta, serviço à moda antiga, Daniel pensou.
— Pra mim… hã… vou pedir algo diferente hoje… — Samara divagou. — Suco de manga.
— Não vou beber, obrigado — foi a resposta de Daniel.
O garçom anotou a bebida dela, e emendou:
— Já posso anotar o almoço ou preferem que eu volte mais tarde?
Samara nem olhou para o menu.
— Filé de bacalhau.
Daniel procurou o pedido dela no menu, o preço fez seus olhos quase saltarem para fora.
— Vocês têm algo mais… em conta?
Samara riu de constrangimento, então acrescentou:
— Ele vai pedir o mesmo que eu.
Afim de não fazer uma cena em frete ao garçom, Daniel confrontou sua chefe com uma careta.
— Certo. — O pedido foi anotado em três rabiscos. — Em breve voltarei com o almoço de vocês. — E voltou para dentro do restaurante.
— Se acalme, guri, vou banca teu almoço hoje.
Daniel inspirou e expirou seus temores para fora.
— Obrigado.
O garçom retornou com o suco de manga em uma bandeja. O copo foi servido junto do embrulho com o canudinho. Samara agradeceu, e o funcionário os tranquilizou:
— O pedido está quase pronto. — E foi atender outra mesa.
Samara inseriu o canudinho no copo após retirá-lo do embrulho, depois aproximou os lábios e sugou o líquido para degustar, comentando em sequência:
— É… as bebidas não são tão boas quanto a comida. — Afastou o copo para o lado, olhou para a rua pouco movimentada, e falou: — Eu te chamei pra almoçar porque gostaria de conversar sobre a equipe que pretendes formar.
— Por mim tudo bem.
Ela prosseguiu:
— Eu trabalho naquele escritório há bastante tempo e, honestamente, não sei se há muitas oportunidades para eu continuar crescendo. Então… acabei ficando curiosa com a sua história após a carona que te dei naquele dia e…
— Você gostaria de ser minha contadora, é isso?
Ela semicerrou os olhos como se houvesse sido ofendida, então o corrigiu:
— Sócia!
Daniel coçou os ralos fios de sua barba.
— E o que você teria a oferecer como sócia?
— O suficiente sobre: contabilidade, finanças e legislação para alguém interessado em fundar uma organização esportiva.
O conhecimento dela nas áreas mencionadas era inegável. Daniel já a viu prestando consultoria aos representantes dos grandes clientes do escritório. Em seus poucos dias na empresa, Daniel não ouviu uma única reclamação sobre ela. Era uma oferta tentadora, porém, grande demais para ser tomada em um almoço.
— Vai demorar até eu fundar uma equipe profissional, mas prometo te avisar assim que a hora chegar.
O delicioso cheiro da comida vazou para fora do interior do restaurante. Momentos depois o garçom apareceu trazendo os dois pratos em uma bandeja.
— Aqui está o almoço de vocês, espero que gostem e… bom apetite.
O peixe grelhado fumegava em frente à Daniel.
— É uma promessa — Samara disse com firmeza, olhando com determinação para o homem em sua frente.
Daniel puxou o garfo e a faca enrolados no guardanapo.
— Sim, eu prometo. Adoraria ter você como sócia.
Ela pôs a mão no peito.
— De verdade? — Parecia comovida.
— Sim — ele disse cortando um pedaço do bacalhau grelhado.
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