O Demônio Barista Brasileira

Autor(a): Helena Shirayuki


Volume 1

Prólogo: Aquela noite

É frio. Numa noite de lua cheia, a única coisa que se sente é frio. A brisa gelada acalma, mas também entristece e leva consigo tudo aquilo que não lhe pertence; as folhas velhas das árvores, o lixo mal guardado que perambula pelas ruas, e também os sentimentos das pessoas.

Distante, mas não tão distante, em meio às ruas vazias e de tempo nebuloso, uma pequena luz vermelha iluminava um dos becos daquela cidade. A quem olhasse mais de perto — isso se tivesse alguém —, sentiria um calor, bem como veria duas pessoas; ou melhor, uma pessoa e algo que não se sabe se pode ser chamado por essa nomenclatura. Parecia humano, mas havia algo errado.

— Então você vai deixá-lo? — um homem alto e de cavanhaque falho questionou. Seu tom de voz aparentava melancolia, mas também desprezo.

— Você ainda pergunta? — indagou a moça de aparência jovem. — Nunca desejei algo tão nojento. Ele é uma aberração, uma anomalia. Ele tem sorte de estar vivo.

Essa em questão colocava seu longo e belo cabelo negro por trás das orelhas, bem como verificava constantemente se o seu longo vestido estava nos conformes. Mesmo numa situação incomum, ela se preocupava com sua aparência.

— E eu devo cuidar disso? — mais uma vez ele perguntou. — Isso é seu, senhorita. Não é responsabilidade minha…

— Não me importa! — a mulher interrompeu de forma autoritária e colérica. — Se você quiser, jogue esse garoto no lixo ou o mate. Seria um livramento até mesmo para vocês, humanos, não conviverem com essa praga.

O rapaz escutou a fala dela sem esboçar qualquer reação, mas era evidente que a grosseria dela o importunava. Após a sua fala, ele se distanciou da moça, dando alguns passos até a saída do beco.

— Até nunca mais, humano.

Após a fala da jovem, o homem se virou uma última vez, e a única coisa que foi capaz de ver era um grande portal circular no final daquele corredor. Ele girava num movimento de espiral e conforme a mulher se aproximava do vortex, inúmeros trovões iam tomando de conta dos arredores. Em poucos segundos, aquele feixe vermelho sumiu, levando consigo qualquer coisa que estivesse nas proximidades.

O homem, por sua vez, seguiu o seu rumo. Depois de sair da área estreita, foi caminhando pelas calçadas desertas abraçando o que quer que estivesse em meio àqueles tecidos. Por mais vazia que fosse sua expressão anteriormente, ele não conseguia esconder sua tristeza, então conforme o caminho avançava, mais ele chorava em silêncio.

Inúmeras coisas passavam pela sua mente: os piores momentos da sua vida, tudo que deixou para trás e o levou a essa vida miserável, assim como suas maiores perdas. Em meio a tantos pensamentos, um em específico foi predominante, esse que, antes que não pudesse mais ver o menino em seus braços, foram suas últimas palavras de despedida.

— Me desculpe. Eu… não posso cuidar de você. Me perdoe… garoto…



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