O Demônio Barista Brasileira

Autor(a): Helena Shirayuki


Volume 1

Capítulo 12: Um desafio a encarar

Depois de todo aquele climão, os outros integrantes da banda começaram a se organizar para tocar algo. E, enquanto isso, eu, Liel, Aspen e Alex nos sentamos em nossos respectivos lugares para assistir e avaliar o que quer que Cassy, Spencer e Leon fossem nos apresentar. Pela demora da discussão dos três, imaginei que estariam escolhendo alguma música que ninguém daqui tivesse visto antes.

Minhas suspeitas logo foram confirmadas. Quando se posicionaram e começou os primeiros toques da guitarra da morena, percebi que não era cover de alguma banda que eu conhecia, ou pelo menos é o que aparentava. O estilo, as pausas que anunciavam o início da possível canção e a junção do baixo com a bateria criavam um som estranho aos meus ouvidos. Não somente por ser algo desconhecido por mim, mas também pela falta de coordenação deles.

Os outros que estavam escutando pareciam gostar da música. Talvez diriam que o som não é muito marcante, mas bom o suficiente; eu já não pensava o mesmo, ainda mais que minha experiência não permitia que fizesse esse tipo de comentário. Pra mim, era claro a desarmonia sonora deles. Os erros estavam bem na cara. Era tudo tão dessincronizado que machucava meus ouvidos.

Ficamos nisso por uns 3 minutos, o tempo da música. No momento que as últimas batidas da bateria cessaram, Liel sorriu e bateu palminhas para o três, de maneira animada enquanto dizia que havia achado a música muito boa. O loiro e o barbudo compartilharam de uma opinião bem parecida, mesmo que, conhecendo o rigor crítico de ambos, eles provavelmente tenham notado os mesmos erros que eu, ou parte deles.

De qualquer forma, todos se levantaram, subiram no palco e foram dar seus elogios aos integrantes. A única que ficou sentada no sofá de fora disso fui eu. Fiquei pensando no que dizer para eles caso viessem perguntar a minha opinião. Como imaginei, isso logo aconteceu.

— Marcy! — Cassidy veio até onde eu estava, com um rosto animado. — O que você achou da música, em?! Você foi a única que não falou nada.

O restante do pessoal se aproximou também, talvez com o mesmo intuito que ela.

— Ah, não achei ruim — menti.

— Geralmente você não fala só isso quando é pra criticar — Spencer afirmou ao se sentar no braço do sofá. — Seja mais específica.

— Você tem certeza que quer uma crítica sincera por minha parte? Se for pra dizer o que realmente penso, não vou poupar palavras.

— Só manda.

Fechei os olhos e suspirei, já tentando prever qual seria a reação do pessoal à minha próxima fala. Pela feição de cada um, conclui que o emo era o único que parecia estar preparado para o que viesse. Mesmo assim, não hesitei em dizer a verdade, então logo falei:

“Isso está uma merda.”

Os olhos esbugalhados e a quebra de expectativas no rosto da maioria foi visível. Apesar disso, não parei somente nessa primeira fala e continuei. Expus os erros da guitarrista, os gafes que ocorreram na bateria e a perda de ritmo do baixista. Fui bondosa em apenas me manter no principal, pois tinha mais coisas, só que julgar ao extremo não os fariam melhorar.

Mesmo que a performance tenha sido ruim, presumi que fosse por causa da música diferente que tentaram tocar, embora isso não fosse uma desculpa plausível, ainda mais conhecendo o nível de experiência desses três.

Depois dos meus comentários, quase todos ficaram desapontados. Como esperado da minha rispidez, que não tivesse recebido as críticas que fiz ia ficar incomodado. Não demorou muito para me confrontarem sobre minhas opiniões.

— Marcy, precisava dizer tudo isso?! — Liel questionou, irritado. — E outra, a música deles não estavam ruim.

— Moleque, se você recapitular o que você ouviu, você vai compreender o que falei. Se eu não dissesse isso, provavelmente não perceberiam que o que tocaram estava péssimo, ainda mais por ser algo bem diferente do que sempre fizeram.

— De qualquer forma, você precisa ser mais assertiva com o que fala — Aspen se intrometeu.

Coloquei a mão sobre o rosto, grunhindo na sequência. Depois de cruzar as pernas, perguntei.

— E aliás, que música foi essa que vocês tocaram? Não parecia ser de nenhuma banda, muito menos algo que já me apresentaram anteriormente.

— Ah, é uma que ainda estávamos ensaiando — afirmou Spencer. — Planejamos tocá-la num evento que vai ter num festival artístico que todo ano ocorre na nossa faculdade. Das outras vezes, apenas assistimos para ter noção de como funcionava, mas só esse ano tomamos coragem de tentar criar algo do zero pra concorrer ao primeiro lugar.

— É, o fato dessa música estar em “planejamento” explica muita coisa. E espera aí, nunca fui nesse evento de artes e música da universidade de vocês, mas já ouvi falar da galera que se apresentou em palco. Cês acham mesmo que ganhariam com isso que vocês me mostraram? Quando é esse evento?

Todos ficaram em silêncio e não responderam minha primeira pergunta. Já no caso da segunda, Alex retrucou:

— Daqui a mais ou menos um mês e meio.

Ok, isso é uma cilada. Um mês? Ok, são cerca de 30 dias para planejar uma música. Se estivéssemos falando de um grupo de profissionais que atuam no mercado a muito tempo e exalam criatividade na hora de criar letras, esse tempo seria mais que o suficiente para eles elaborarem algo decente. Só que esse não é o caso. Nenhum dos três já elaborou alguma coisa antes. O máximo que fizeram foram versões alternativas de outras canções e ficou por isso mesmo. Como que eles criariam algo nesse tempo? Seria impossível

Apesar de alertá-los sobre isso, a reação cada um foi de incômodo. Cassidy se sentou ao meu lado e abraçou as pernas, ficando o tempo todo se balançando pra lá e pra cá; Spencer apenas respirou fundo e começou a coçar sua cabeça vez ou outra; Leonhard ficou em pé, me encarando com um rosto abalado.

— Francamente… Olha, seguinte — comecei, — esse nervosismo não vai levar a lugar algum. Se quiserem tocar nesse festival, vocês precisam se organizar. Pra começar, acho que seria bom a banda ter um vocalista. Se querem mesmo ganhar em primeiro lugar, seja por qual for o motivo, não vai ser um instrumental que vai destacar vocês entre as outras bandas. É necessário mais do que isso.

Todos ficaram meio pensativos após a minha sugestão. Não demorou muito para alguém abrir a boca e expor alguma ideia.

— Então, por que cê não faz esse papel, Marcy?

Quando Alex se sentou ao meu lado e disse isso, minha reação foi apenas dizer “O quê?” Ok, meus problemas musicais são apenas com a minha guitarra, e não com a parte do canto, mas ainda assim surpreende eles esperarem que eu fosse aceitar participar disso. Apesar de saber como elaborar uma música, a parte mais complicada disso seria o tempo. Não sou alguém que trabalha direito sobre pressão e, sem sombra de dúvidas, essa preocupação me faria ter dificuldades pra dormir por algumas noites.

— Espera, a Marcy sabe cantar? — Liel questionou. — Pensei que ela só tocasse.

— Não, garoto. Antes de sair do grupo, eu era a vocalista e a guitarrista desses patetas. Sem contar que a única pessoa que já escreveu uma letra e que ainda tem relações com a banda sou eu.

Só fui perceber depois que minha própria fala contra-argumentou meus motivos para não querer participar disso. O resultado desse deslize seria bem óbvio: eles iriam insistir.

— Viu?! Você é a pessoa perfeita para essa função. Por favor, nos ajude! — Cassidy se agarrou em meu braço, implorando da maneira mais melodramática possível.

— Não vou mentir que se adaptar a outro vocalista seria um saco. — Spencer me olhou com seriedade, confirmando o tédio com a ideia de não me ter como parceira deles.

— Acho que eu não tocaria tão mal no baixo com sua ajuda — Leonhart falou de maneira cabisbaixa.

— E eu acho que eles estão certo, em? — Aspen se aproximou. — Quando era no vocal, você mandava bem, mulher. Cê não sente falta disso?

Não é que eu não sentisse falta, apenas não queria arcar com essa barra. Não que fosse minha obrigação aceitar o pedido deles, mas eu ficaria incomodada de ver eles tocarem aquilo pra dezenas ou centenas de pessoas, sem contar que seria babaquice apenas sair e deixar meus amigos se virarem com esse rolê. É, acho que vou acabar cedendo de novo.

— Ok, ok, ok, vamos lá. — Elevei o tom de voz. — Eu posso ajudar, mas preciso que prometam também colaborar para fazer isso dar certo. Não é porque eu tenho o mínimo de conhecimento sobre letras de música que quer dizer que sei de tudo. Tenho termos para concordar em participar desse projeto.

Todos eles se calaram, escutando atentamente o que eu ia dizer.

— Certo, como serei eu quem irá escrever o vocal, devo esclarecer que tenho permissão para direcioná-los de acordo com o objetivo que eu tiver com a música. Aceito ajuda e sugestões, mas não insistam em coisas fúteis durante os ensaios. Temos pouco tempo para fazer isso funcionar, entendido?

Cassidy, Spencer e Leon olharam entre eles, parecendo concordar com minhas primeiras condições. Ainda continuei após isso.

— E bem, evitem trazer pessoas que não sejam do nosso grupo para cá. Isso pode atrapalhar nos concentrarmos no nosso objetivo. É somente isso. Alguma dúvida?

Um tempo se passou e ninguém protestou ou falou alguma coisa, o que indicava que todos haviam aceitado os meus requisitos. Quando confirmei que estaria com eles no próximo ensaio com algo escrito em mãos, todos ficaram animados novamente. É, eles terão de se preocupar apenas em exercer suas funções; já eu, terei que auxiliar todo mundo e lidar com a responsabilidade que tomei para mim mesma. Francamente, Marcy.

Após a minha fala, todo o grupo começou a definir quando seria o próximo ensaio. Marcada a data, o pessoal começou a ajeitar suas coisas para ir embora e voltarmos para nossas casas. Os outros integrantes da banda, me excluindo da contagem, saíram juntos, então ficou apenas apenas eu, Liel, Aspen e Alex no estúdio terminando de arrumar a bagunça. Enquanto ainda estava colocado alguns amplificadores e seus cabos que estavam espalhados pelo chão em seus devidos lugares, o loiro se aproximou de mim, falando um pouco mais baixo:

— Ei. Posso falar contigo sobre algo em particular?

— Hm? O que foi? Do que você precisa? — Estava terminando de guardar alguns cabos nas caixas, só que logo parei para escutá-lo.

— Sobre aquilo que você falou de não deixar ninguém de fora ver nossos ensaios… isso inclui o Liel?

— Sim, isso o inclui. Por que a pergunta? Não que ele fosse ser um problema, mas queria que ficasse de fora disso, pois é capaz de atrapalhar nossa concentração durante os ensaios com brincadeiras como aquela que o pessoal fez mais cedo.

— Olha, eu até entendo, mas acho que vai ser um pouco trabalhoso explicar isso pra ele.

Quando Alex falou isso, ele logo cruzou os seus braços e virou a cabeça na direção na qual o demônio estava. Assim que olhei para lá, vi o moleque conversando com o Aspen enquanto mexiam na minha guitarra e faziam sons tronchos. O garoto parecia estar se divertindo e ria bastante, e isso me fez concluir o que Alex estava tentando sinalizar com sua fala. “Ele vai ficar irritado se você não o trouxer” foi o que imaginei que o loiro diria e, impressionantemente, acertei em cheio.

E ele não estava errado. Poderia até pensar na birra do baixinho como o problema de não trazê-lo, mas sinceramente, o que me deixava relutante com a minha decisão era ele ficar triste igual da última vez. Não entendo o porquê da minha preocupação, mas seria um saco lidar com isso, de qualquer forma.

Apesar de não me entender, concordei com meu amigo. Depois de guardar as caixas no armário e ajeitar as últimas coisas que faltavam, eu e Liel pegamos todos os nossos pertences e saímos do estúdio. Ao se aproximar da porta, a qual Alex e seu namorado nos acompanhou, antes de sairmos, eles me chamaram, como se tivessem algo a dizer.

— O que foi dessa vez? Esqueci de alguma coisa? — perguntei.

— Isso aqui. Acho melhor você levar.

O careca estendeu a sua mão, com o case de uma guitarra em mãos. Perguntei qual era a razão disso, mas ele não deu nenhuma resposta satisfatória a isso. Talvez houvesse um motivo, mas ele não queria me dizer.

De qualquer forma, respirei fundo e não questionei. Eu precisaria de um instrumento para praticar vez ou outra e ter uma ideia de como a música seria feita, então aproveitei isso e encarei esse seu gesto como uma oportunidade de superar meus medos. Depois de pegar a bolsa em mãos, senti uma pontada no peito, mas não hesitei e me mantive firme na decisão de levar aquilo. Chegada a essa conclusão, logo me despedi dos dois, saindo com o Liel da residência e pegando um táxi para voltarmos pra cidade.



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