Volume 1
Capítulo 05: Intrometida, parte 2
Notas da autora:
Olá, pessoal. Antes começar sua leitura, gostaria de avisar que o modelo de postagem que fiz nessa semana (basicamente um capítulo por dia) não permanecerá. Como a maioria dos outros autores, prefiro um a dois capítulos semanais, assim dando tempo de escrever e revisar para que todos que acompanham a obra tenham uma leitura de qualidade.
Sendo assim, os novos capítulos serão postados todas as quinta-feiras, às 14:20. Enfim, é só isso. Tenham uma ótima leitura.
═────────────────────────────═
Já tinha caminhado por um bom tempo. Quando cheguei perto do banheiro do shopping, nunca imaginei que daria de cara com aquela víbora novamente.
— Mas nem fodendo…
O cabelo curtinho, o piercing à direita da boca. Não havia dúvidas. O segundo maior inferno que vivenciei em minha vida estava ali.
O que essa vagabunda está fazendo aqui? E porque ela está falando com o Liel?
Me aproximei e puxei o demônio pelo braço, o tirando de perto da mulher. No momento que fiz isso, ela notou minha presença e esboçou um sorriso, mas sem deixar de lado o desdém em sua feição.
— Pelo visto o seu cão de guarda chegou. — Daisy colocou uma das mãos em sua cintura. — Quanto tempo que não nos vemos, Rosenheim.
— Acho que já te falei para não se referir a mim pelo meu sobrenome. Você não tem mais essa permissão.
— Sério? Naquela noite que nos encontramos, você disse coisas tão bonitas nos meus ouvidos e me fez tantas promessas… Pensei que fossemos alguma coisa. Me enganei, pelo visto.
O tom de sátira dessa víbora me irritava; tirava qualquer resquício de paz que poderia ter em minha alma. Se pudesse, pegava um carro e passava por cima dessa desgraçada.
— Você… — Cerrei os punhos. — Você continua aparecendo na merda da minha vida. Por que não me deixa em paz e some de vez? O que você ainda quer de mim?
— Ahm? — Sua feição expressou dúvida. — Por que alguém ia querer algo de uma vadia como você? Tudo o que faço é apenas te afastar de quem pode ter o mesmo destino que a…
— Cala a boca! — gritei, chamando a atenção de outras pessoas nas proximidades. — Não se intrometa na minha vida. Você é doente; sempre age com da maneira que quer e não se importa como os outros vão se sentir. Me deixa em paz, desgraçada, ou eu…
— Ou você…?
Ela repetiu minha afirmação, rindo logo em seguida.
A essa altura do campeonato, minha única vontade era de esmurrá-la. Foda-se se estou no meio de um shopping. Eu quero que essa mulher morra, que desapareça da existência e volte pro inferno de onde ela veio. Quero calar a boca dela para que nunca mais volte a fazer essas malditas provocações.
— Ah, entendi. — continuou. — Você vai me matar? Não é como se você já não tivesse feito isso com outras pessoas. Tantos anos se passaram e você continua a mesma pessoa de sempre.
Sem perceber, dei três passos rápidos em sua direção e tentei socá-la no rosto. Retomei aos meus sentidos e percebi o que havia tentado fazer, mas por alguma razão, não saiu como eu esperava. Sentia algo me impedindo. Quando me dei conta, Cassidy, Spencer e Leon estavam me segurando.
Berrei de todo jeito para me soltarem, mas de nada adiantou. Eles foram me arrastando até o lado de fora e a última coisa que vi foi Alex conversando com aquela mulher.
═─────── ☕︎☕︎☕︎ ───────═
Se passaram cerca de 10 minutos. Todo o grupo já havia saído do local e ido para uma praça nas proximidades, onde eu e o demônio nos sentamos em um banco e os patetas ficaram enchendo o nosso saco com perguntas. Para nossa sorte, não demorou muito para que o loirinho chegasse pra interromper a bagunça.
— Que problemão em, Marcy? Aquela cobra fica mais insuportável toda vez que nos encontramos. Você e o Liel estão bem?
Afirmamos que “sim”, apenas acenando com a cabeça, mas tava na cara que era mentira. Liel não parava de segurar o próprio antebraço, bem como batia o pé no chão repetidamente. Seu olhar, assim como o meu, não aparentava euforia com a situação.
— Uf… Tá, tudo bem — continuou. — Não vou insistir. Acho que é melhor vocês voltarem para casa, ainda mais depois de tudo isso.
— Não seria melhor nós acompanharmos eles? É meio perigoso durante a noite e o dormitório é bem longe — sugeriu Aspen.
Por mais que uma boa parte do pessoal morasse longe, eles não se incomodaram com a sugestão. Depois de todos concordarem, seguimos o combinado e fomos juntos até o prédio. Chegando na portaria, foi quando o garoto e eu nos despedimos do pessoal e ficamos sozinhos mais uma vez.
Subimos as escadas sem dar uma palavra. Não fazia ideia de como consolar o garoto, quem dirá quebrar o climão. O que me deixava impaciente nesse momento não era só o que poderia estar sentindo, mas o que Daisy falou para ele ficar desse jeito.
Quando paramos em frente a porta, notei que ele ainda continuava com a mão por cima do pulso. Tentei perguntar se algo tinha acontecido para estar fazendo isso, mas não obtive resposta; na verdade, isso tornou a situação ainda mais incômoda quando ele sequer deu uma desculpa para me ignorar.
Depois que entramos, ele seguiu pelo corredor, entrou no quarto e foi para o banheiro. Pensei comigo mesma que ele estivesse tomando banho, mas os minutos passavam e nada do barulho do chuveiro.
O que ele está fazendo?
Toc, toc, toc!
— Liel, cê tá aí? Quero usar o banheiro também.
Bati na porta para ver se tinha alguma resposta, mas apenas fui recebida com o silêncio. Fiz isso mais algumas vezes e continuei sem respostas.
— Ei, tá tudo bem? Me responde!
Encostei minha cabeça na abertura da fechadura para ver se escutava alguma coisa. Pouco tempo depois, mesmo que baixo, escutei um nariz fungado, que eventualmente revelou o som de uma respiração pesada acompanhada de uma voz chorosa.
— Ughn.
Me desesperei. Girei a maçaneta para saber o que tava acontecendo, mas ela estava trancada do outro lado. Pedi para abrir a porta, mas em nenhum momento ele veio. Não me restou opções; me afastei e, após me preparar, levantei a perna e chutei a tranca com toda a força que eu tinha, arrebentando a porta.
Quando entrei, a primeira coisa que vi foi Liel no canto do cômodo. Estava sentando abraçando suas próprias pernas e com o rosto escondido atrás dos joelhos. Assim que notou a minha chegada, ele olhou pra mim, visivelmente abalado.
— Garoto. Por que que você…?
Antes que pudesse completar a minha pergunta, notei que estava tremendo. Me aproximei para tentar conversar, já ciente de que seria inútil, e logo percebi o seu pulso completamente marcado; estava roxo e ainda havia algumas feridas recém-cicatrizadas. Alguém havia apertado a região com força.
Perguntei se a Daisy tinha feito isso, mas o demônio logo negou balançando a cabeça lentamente. Quando questionei quem era responsável por isso, ele começou a chorar mais e me encarou com raiva em seus olhos.
“Foi você”, foi a resposta que veio na minha mente.
Idiota, idiota, idiota. Fui tentar resolver as coisas da minha própria maneira e não me importei com os danos que poderia causar. Tudo isso era problema meu, não devia ter colocado o Liel nessa situação.
Por que apenas não ignorei? Se tivesse feito isso, não estaríamos assim. Pior do que isso é não saber o que aquela vagabunda falou para ele. O demônio agora me odeia? Ele me vê como uma pessoa ruim?
— Vem comigo. Eu… vou cuidar dessas feridas.
Apenas poderia lidar com a merda que eu fiz. Era o mínimo. Depois de ajudá-lo a levantar, voltamos para o quarto, onde fui até o guarda-roupa procurar uma caixinha onde guardava algumas bandagens e medicamentos.
— Aqui, estenda o seu braço.
Ele não ofereceu resistência, apenas obedecendo. Me sentei ao seu lado na cama, comecei a passar uma pomada e, por fim, cobri todas a região com algumas faixas. Quando terminei, ele apenas olhou para baixo, sem dizer nada.
Após essa situação, ele se levantou e saiu do quarto. Decidi não incomodá-lo e o deixei fazer o que quisesse; ter o seu próprio espaço. Nesse meio tempo, fui tomar um banho e me trocar para dormir, apagando a luz e me deitando na sequência. Quando Liel voltou, ele foi direto para a parte de cima de beliche. O menino estava visivelmente cansado, então supus que apenas tivesse despencado em sua cama.
Mesmo com todo o climão, tentei dormir, mas não consegui. A ansiedade me fazia ficar em claro e provocava insônia. Tinha que acalmar minha mente de algum jeito se quisesse adormecer. Como faria isso? Talvez… alucinar?
Esse seria o pior momento para fazer isso, mas era a única forma que eu tinha que ficar tranquila e relaxar. Lembrar de momentos bons, daquilo que me conforta, poderia trazer paz nesse momento tão conturbado.
Por mais perigoso que fosse, ainda o fiz. Respirei fundo, fechei os olhos e comecei a repetição em minha cabeça. Pensei na minha mãe, nos meus amigos, nos dias que mais dei risada e…
Splash!
Mergulhei na minha própria mente.
Fazer isso era como mergulhar vasto oceano. Conforme ia mais fundo naquela água, mais confuso tornavam-se os meus sentidos. Essa sensação era temporária, pois a medida que tudo ficava mais próximo do completo breu, o cenário daquilo que imaginei ia se formando.
Não demorou muito. Quando abri meus próprios olhos, notei uma sala aconchegante ao meu redor.
— Que lugar é esse?
Era um canto familiar, apesar de ser vago na minha mente quando estive aqui. Fui caminhando e pude notar alguns sofás vermelhos no canto do cômodo, bem como diversas penteadeiras com espelhos uma do lado da outra.
Mas, em meio a isso tudo, algo chamou a minha atenção: uma guitarra. Ela era azul e tinha detalhes de flores na mesma paleta, mas um pouco mais escura. No momento que a pus em mãos, senti que já tinha visto ela em algum momento da minha vida.
Pouco tempo depois, escutei alguns gritos. Quando abri a porta e olhei pela fresta, notei que havia uma escadaria que levava até um palco. Aparentemente havia uma plateia, e eu conseguia ouvir eles vibrando o nome de alguém.
“Marcy, Marcy, Marcy, Marcy, Marcy!”
Agora me lembro. Esse foi o dia que toquei como guitarrista na festa de despedida da escola. Tinha sido o dia mais feliz da minha vida. Meu cabelo na altura dos ombros, bem como as vestimentas de uma adolescente rebelde confirmavam isso.
Já que estava aqui, não pensei duas vezes. Quando subi na plataforma, o público vibrou na minha presença. Eu tinha que me divertir; espairecer. Só assim poderia ter um pouco de paz.
Comecei a tocar o meu solo de guitarra, o primeiro que fiz. Meu coração errava a batida toda vez que intercalava as notas. Essa euforia, esse sentimento de pertencimento e preenchimento… Não tinha nada a perder.
Mas, olhando mais de perto, não havia ninguém no palco além de mim. Se me lembro bem, nesse dia estava com uma banda; tinha outra guitarrista, um baixista, um baterista e um vocalista. Era como se tivessem apagado essas pessoas da minha memória, ou até mesmo elas não existissem.
— Marcy.
Por um momento, escutei alguém na plateia chamando meu nome. Não, não era a plateia vibrando, era uma voz que ecoava profundamente em meus ouvidos.
Tudo pareceu congelar quando essa pessoa me chamou. Os telespectadores que vibravam por mim haviam sumido. Quando fitei a origem do som, lá estava a pessoa. Os olhos amarelados, o cabelo azul…
Mais uma vez, você veio me atormentar.
Antes que pudesse gritar ou dar uma resposta a quem me chamava, todo o cenário em minha volta rachou como vidro. Numa tentativa falha de pular do palanque e alcançar aquela pessoa, tudo foi invadido por água, e logo retomei ao vasto oceano de memórias.
Dessa vez, por alguma razão, eu respirava; estava me afogando na minha própria escuridão. Ela me enforcava e me levava mais fundo dentro da minha própria mente, a um local que era totalmente desconhecido por mim. Eventualmente, tudo tornou-se um completo breu.
Não consegui retomar ao mundo real na superfície desse mar. Tentava me debater para sair da minha própria ilusão, mas era inútil. Era uma sensação terrível de melancolia e desespero me arrastando até onde quer que fosse.
Se tivesse como fazer uma comparação, essa, sem sombra de dúvidas, foi a segunda experiência que mais se aproximou da minha quase morte. A primeira eu diria que esteja no ponto mais fundo dessa água, onde nem mesmo Marcy possa enxergar.
Talvez nunca irei saber o que de fato me espera lá, pois eu mesma afundei esse pedaço da minha vida que não merece ser recordado.