O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 2

Capítulo 1: Cidade das Bigas

O reino mágico de Aurora, contava com três grandes famílias de duques, cuja influência e poder se estendiam mesmo além das fronteiras. E cada uma comandava um amplo território, cedido há muito pela família real. Entre as três, uma se destacava por sua grande riqueza devido a extração de matéria prima.

É dito que, séculos atrás, os Ferrara não passavam de uma pequena família de baronetes, que primeiro avançaram para barão, depois visconde e assim por diante. Não houve, pelo menos no começo, um herói capaz de alcançar a glória infinita, seja em batalhas, comércio ou na política. Mas os Ferrara eram excelentes em negociação. Foi assim que eles deram os primeiros passos, estabelecendo amizades importantes, conseguindo vantagens onde só existia desvantagens.

Quando se tornaram viscondes, eles deram início a um movimento importante que, mais uma vez, os permitiu alcançar novos status. Os casamentos políticos se tornaram comuns, principalmente entre as famílias que se opunham à ascensão daqueles nobres. Por causa disso, eles ficaram conhecidos como pacifistas e receberam o título de “Patronos da Paz”, pois nunca entravam em conflito e sempre eram os primeiros a falarem em “negociação”.

Foi logo depois de ganharem o título de marqueses que receberam seu primeiro território para governar. Um pedacinho de terra isolada, um campo de plantação que pouco produzia. E foi neste ponto que a história dos Ferrara sofreu uma alteração marcante.

Poucos anos depois de assumirem o poder naquela região, eles descobriram que o lugar em que haviam construído suas lavouras e as montanhas e serras ao redor escondiam uma abundância em minério e cristais dotados de propriedades mágicas, como as Claritas, os Cristais Escarlates, entre outros.

A partir de então, os Ferrara mudaram seu sobrenome para “Bronz”. O motivo é óbvio! Por que tiraram o “E”? Eu não sei. Talvez pensaram que assim ficaria mais “legal”. Após isso, eles foram obrigados a abandonar sua postura pacifista, a fim de proteger suas riquezas. E o que se seguiu foi uma exploração agressiva e predatória que os transformou em uma potência inegável.

Bom, o resto, a partir disso, acredito ser possível imaginar.

Seja como for, a cidade Bigas de Bronze era conhecida por ser uma das mais belas e charmosas de toda Aurora. Principal município dentro do território dos Bronz, era ali que a família de duques vivia, bem como alguns de seus principais combatentes.

Neste momento, Kira, uma mulher de baixa estatura, cabelo marrom e expressão séria, estava prestes a entrar na cidade das Bigas. Da janela de sua carruagem, ela olhou admirada o arco monumental de bronze que trazia o nome da cidade e era sustentado por dois pilares gigantes do mesmo material. E no topo das duas colunas, em destaque, encontrava-se esculturas em tamanho real de dois veículos de guerra puxados por cavalos cujas expressões impunham terror e respeito, junto de homens que os guiavam com espadas na mão.

Logo na entrada, tudo era muito chamativo. Havia um apelo artístico que berrava a riqueza local. Dos dois lados da estrada, jardins gramados e flores exuberantes marcavam a rota a ser seguida. A cidade exibia construções feitas de ferro, bronze, entre outros metais, além de dispor de uma grande variedade de cristais que chamavam a atenção para lojas, casas e outros edifícios.

Não era sua primeira vez ali. Mesmo assim, Kira ficou fascinada. Por causa dos cristais, as lojas brilhavam de um jeito que nenhum outro lugar do reino conseguia fazer igual. Era tudo belo e convidativo. No entanto, ela não tinha embarcado nessa longa viagem de mais de uma semana para fazer compras. Possuía uma missão importante que precisava ser cumprida.

Quando partiu do Coliseu dos Condenados, a assistente pessoal do diretor Nabal recebeu a tarefa de encontrar um aliado respeitável e coletar informações. Apesar de ter acabado de chegar na cidade, estava determinada a fazer isso antes de qualquer coisa. Portanto, ignorou a paisagem convidativa e aguardou a carruagem chegar no local que sabia que o encontraria.

A Sede dos Cavaleiros ficava localizada no centro da cidade, onde a movimentação era grande. O edifício dispunha de três andares inteiros e uma ampla área, que contava com, além de escritórios, campo de treinamento, academia, estoque de armas e armaduras e cozinha comunitária. Era ali que denúncias de crimes eram recebidos e que infratores ficavam temporariamente detidos.

Quando chegou no lugar, Kira foi logo entrando. Passou direto pela recepção e subiu para o terceiro andar. Graças a um broche contendo o símbolo do coliseu que se achava preso na gola de sua camisa, ninguém a parou. Ela conhecia muito bem os corredores daquele prédio e por isso não teve problemas para chegar em uma sala localizada no canto direito, na parte de trás. E uma vez lá, bateu na porta que se encontrava fechada e uma voz grossa respondeu do outro lado:

― Pode entrar.

Do lado de dentro, sentado atrás de uma mesa de madeira ornada em detalhes de bronze, achava-se um homem de expressão astuta e corpo robusto. Seu cabelo, de um tom castanho-avermelhado, era curto e apresentava um corte moderno ― mais baixo dos lados e na parte de cima mais volumoso ―, o que deixava sua aparência mais jovial do que de fato era, já que o sujeito tinha completado 37 anos de idade não fazia muito tempo. Mesmo estando fazendo um trabalho aparentemente burocrático, ele ainda vestia um conjunto de armadura pesada cujo tom de bronze a fazia parecer uma peça de arte recém-moldada.

Aquele era Badu, um Cavaleiro das Palavras Encantadas, a maior força de ataque e defesa de Aurora, a medida final para vencer qualquer guerra. Ele era também, um servo leal do duque local.

Quando viu que a pessoa batendo em sua porta era Kira, ele franziu as sobrancelhas, soltou a pena, largou os papéis que estava assinando e inclinou o corpo para trás, recostando-se na cadeira.

― Achei que viria só amanhã ― comentou. ― Por um acaso, acabou de chegar na cidade?

― Perdoe-me pela intromissão ― disse a mulher em tom respeitoso. ― Eu não quis perder tempo, por isso vim logo vê-lo.

― Você deve estar cansada. Sente-se! ― Badu apontou para uma cadeira vazia que se encontrava de frente para sua mesa. Em seguida, levantou-se e caminhou até um armário na lateral que guardava, em meio a decorações, algumas garrafas de bebida e copos. ― Na carta que eu recebi ― ele falou enquanto se servia de um líquido marrom ―, Nabal comentou sobre um garoto que enviei para o coliseu há algum tempo. É sobre isso que veio conversar?

― Exato! ― Kira pegou o copo que lhe foi servido, mas não experimentou a bebida. Apenas o cheiro forte de álcool foi o bastante para seu estômago revirar. ― Algumas questões curiosas surgiram na semana passada. Então eu vim perguntar o que o senhor poderia me dizer a respeito do rapaz chamado Tércio.

― Se isso é tudo o que queria saber, então não precisava ter feito todo esse caminho até a cidade. ― Badu voltou a se sentar em sua cadeira, ficando de frente para a assistente. ― Eu poderia apenas ter escrito essas informações em uma carta e enviado para Nabal. Não é como se eu fosse amigo do garoto ou coisa do tipo, para saber cada detalhe de sua vida.

― Eu entendo o que o senhor está falando. Entretanto, a insistência da duquesa Eliza Griffon em comprar o prisioneiro deixou o diretor curioso. Talvez exista algo a mais em sua história que deixamos passar.

― Ou talvez, ela sentiu pena do pobre miserável ― contrapôs Badu. ― Mesmo eu me senti mal em entregar o rapaz naquele estado. Mas Nabal insistiu que queria algo inesperado e bizarro para chamar a atenção do público. E para ser sincero, depois do incêndio que destruiu a prisão, estava sendo difícil manter todos os presos. Precisávamos nos livrar de alguns.

― Com certeza, o fato de ele ser um Atroz capaz de usar magia foi um grande atrativo.

― Se pelo menos ele conseguisse usar suas habilidades ― completou o sujeito em meio a um suspiro pesaroso. ― Olha ― o Cavaleiro das Palavras Encantadas se escorou na mesa e se adiantou ―, as informações que tenho a respeito dos prisioneiros, são as que a prisão possui. É fato que muitas coisas se perderam naquele incêndio, mas a história daquele garoto era bem conhecida. Ele fez certa fama enquanto esteve por lá. E tudo o que eu sei, já repassei para o seu diretor. Não existe mistério em sua prisão. Tércio foi condenado pelo assassinato da própria família e isso é tudo.

― Mesmo assim, podem existir certos detalhes dessa história que desconhecemos ― insistiu Kira. ― O diretor Nabal certamente ficaria muito satisfeito se o senhor pudesse investigar o passado daquele garoto um pouco mais. Sua ligação com o diretor da Prisão Real pode ser uma grande vantagem nessa questão.

Badu ainda não estava convencido sobre a urgência desse pedido. E investigar uma duquesa, não lhe parecia algo muito inteligente de se fazer. Por outro lado, Nabal era um grande cliente e aliado.

― Infelizmente, o Duque Bronz me designou para uma missão em Krustallos ― disse ele após ponderar por um instante. ― Então, farei o seguinte: entrarei em contato com alguns amigos e verei o que posso descobrir. Depois de juntar informações, enviarei uma carta.

― Agradeço pela sua atenção. ― Kira se levantou, mostrando que estava pronta para partir. ― Voltarei mais tarde. Dessa forma, poderemos pensar juntos em algumas perguntas que seus amigos podem nos ajudar a responder.

Assim que a assistente partiu, Badu soltou um longo suspiro. Sentiu que teria um dia cansativo pela frente.

***

Já haviam se passado pouco mais de duas semanas desde que Tércio, Arthur e os outros tinham deixado a Academia de Encantamentos Mágicos, Elefthería, para escoltar alguns dos futuros estudantes que entraram naquele semestre. E durante o tempo que estiveram fora, a escola sofreu grandes transformações enquanto se preparava para o início do novo período.

O lugar, que já era animado devido aos soldados e seus familiares que viviam ali, tornou-se ainda mais agitado com a chegada de novos alunos e o retorno daqueles que partiram para aproveitar as férias em suas casas. As ruas da pequena cidade Lua Nova, que se escondia atrás da colossal muralha de pedra, foram tomadas por uma onda de jovens que desejam aproveitar o tempo livre antes das atividades começarem. Os comércios ganharam vida à medida que clientes apareciam aos montes para desfrutar de algum lazer. E os dormitórios, antes assombrados pelo silêncio, ficaram barulhentos e tumultuados, especialmente durante o horário de almoço e jantar.

Mas essas não foram as únicas transformações vivenciadas naquela região isolada.

Com o começo de um novo período, outro grande evento estava previsto para acontecer. Um “festival” que se tornou tradição desde a chegada de Eliza Griffon na diretoria. O assim chamado: “Teste de Poder”. Uma prova que determinaria quem seriam os novos integrantes da Equipe de Subjugação.

Para os novos e antigos alunos, o Teste de Força era a oportunidade de conquistar um cargo de extrema importância na Academia Elefthería, e assim provar seu valor. Para os habitantes da cidade, este seria o momento de assistir em primeira mão os jovens que ajudariam os soldados a proteger eles e suas famílias dos infames monstros que constantemente tentavam atravessar a muralha.

O evento, que desde sua fundação há poucos anos, sempre reunia um grande número de pessoas, o que, por sua vez, atraía certos tipos de comerciantes que aproveitavam a oportunidade para vender comida, bebida, camisas customizadas e outras coisas. Esse seria um dia de muita agitação, com música alta, demonstrações de Encantamentos Mágicos e combates intensos.

E tudo isso aconteceria em uma arena que em dias normais era usada para treinar os alunos. O lugar em questão não ficava muito longe do prédio principal da academia e dos dormitórios. Tratava-se de um campo circular com mais de vinte metros de diâmetro e um chão poeirento, feito de terra batida. Circulando quase toda sua extensão, em um formato de meia lua, encontrava-se uma arquibancada de madeira que trazia em sua estrutura degraus grandes e compridos que serviam de assento. E na parte aberta, dezenas de tendas eram montadas poucos dias antes dos testes.

Faltavam apenas cinco dias para o evento e ainda havia muito a ser feito. Mas Kacio, o vice-diretor e companheiro leal de Eliza, estava se esforçando para tudo ficar pronto dentro do prazo.

Contudo, ele não era o único que se encontrava bastante atarefado.

Em uma sala extravagante, irradiada com a luz do sol que vinha de duas janelas gigantes, Eliza estava sentada em sua poltrona de madeira avermelhada. Marcando seu rosto, via-se uma expressão cansada. A elegância de uma mulher da alta nobreza, filha de um Duque, havia se perdido em meio ao trabalho exaustivo.

Esses malditos nobres, com seus filhos mimados, não podiam deixar de mandar exigências sobre como os professores deveriam fazer seu trabalho.

Faziam dias que ela não tirava folga para ir dar uma volta na praça da cidade Lua Nova, como adorava fazer. Tinha tanto trabalho e papéis para assinar que não podia sair de sua sala nem mesmo durante as refeições. Sem falar das noites em claro que passou resolvendo problemas novos.

Mas o pior mesmo era aquela megera da conselheira Darcy que não saía de seu pé. Como se não bastasse a bronca que recebeu ao voltar para a academia depois de encontrar Tércio, a mulher passava em sua sala de hora em hora para ter certeza de que estava trabalhando e não “vadiando por aí”.

Ao terminar de assinar uma das dez pilhas que ocupava a mesa, Eliza escorou a pena na lateral do tinteiro, recostou-se na cadeira e esticou os braços para o alto, espreguiçando-se e aliviando a tensão dos ombros. Finalmente, um momento para respirar...

Porém, nesse instante, o som de alguém batendo à porta soou:

– Entre! – disse a jovem diretora, franzindo a testa, sentindo-se frustrada.

A porta se abriu e uma mulher de pele marrom e olhos negros, penetrantes, entrou. Ela possuía cabelo crespo, acima dos ombros. Os fios, que se espalhavam livremente por sua cabeça, eram dotados de um charme único e atrativo. Os lábios, volumosos, ligeiramente mais claros que a pele. Seus braços finos eram firmes e no antebraço direito via-se uma pequena cicatriz, de um corte antigo.

Ela entrou marchando com vigor enquanto repousava a mão esquerda sobre um punhal preso na cintura.

― Frida, o que posso fazer por você? ― perguntou Eliza ao vê-la entrar.

A mulher caminhou até a mesa e parou de frente a ela:

― Bom dia, diretora Griffon! ― cumprimentou de maneira cortês.

― Já falei que pode me chamar apenas de Eliza ― respondeu, balançando a mão. Apesar de se conhecerem há pouco tempo e não serem muito íntimas, Eliza possuía grande apreço por ela. Afinal, Frida deixou o conforto do território de um dos três duques, o Duque Dagda, e se voluntariou a ser instrutora em uma das regiões mais perigosas do reino.

― Eu estive monitorando os arredores da academia nos últimos meses, principalmente enquanto a maioria dos jovens da Equipe de Subjugação estão fora. ― Frida começou a falar o motivo de sua visita. ― Os monstros têm estado muito ativos. Alguns, que normalmente vivem nas partes mais afastadas da floresta, estão chegando cada vez mais perto da muralha.

Eliza ouviu o relato da mulher com atenção e certa preocupação. Depois, abaixou a cabeça e coçou a testa com a ponta do dedo. Via-se pela expressão em seu rosto que estava ponderando sobre algo.

― Você acha que algo assustou os monstros que vivem na Área Escura? ― indagou a diretora em um tom sério. Não podia ignorar as atividades suspeitas dessas criaturas, quando vive próxima ao ninho deles.

― Pode ser ― concordou Frida, incerta. ― Mas eu acho que o motivo é outro. Penso eu que a população deles cresceu tanto que eles estão tendo de migrar para outros territórios. Também existe a possibilidade de uma nova Ruína ter surgido.

― Ruína, hm... ― murmurou, pensativa. Se isso for verdade, então uma situação complicada poderia tomar conta da cidade nos próximos dias. ― Após o Teste de Força, quando todos os membros da Equipe de Subjugação estiverem presentes, eu designarei uma equipe de professores e soldados para investigar o ocorrido. Por hora, vamos monitorar a situação. Infelizmente, não temos pessoal o bastante para atacar uma Ruína e proteger Lua Nova ao mesmo tempo.

― Sim, senhora ― disse Frida, que também concordava que essa era a melhor opção. Em seguida, ela se despediu e deixou a sala.

Eliza estava cansada e a cada momento um novo problema aparecia. Mesmo assim, seu peito estava tomado por uma grande expectativa que a deixava ansiosa. Ela esperava com empolgação pelo retorno de Tércio.

 


Nota do Autor

 

Depois de muito tempo parado, O Condenado finalmente voltou. Uhuu!

O Volume 2 veio cheio de ação, aventura e muita diversão. E que maneira melhor de marcar esse retorno, do que postar o primeiro capítulo no primeiro dia do ano?

Estou muito ansioso para essa nova jornada. E vocês?



Comentários