O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 7: Um sonho

A refeição preparada por Kay foi sopa de legumes.

Se aproveitando da fogueira feita por Kacio, o mordomo preparou o jantar em uma panela de ferro, que visualmente percebia-se ter sido pouco usada. O gosto ainda era um mistério, mas o cheiro fez o estômago de Tércio roncar alto.

No Coliseu, eles alimentavam os prisioneiros somente uma vez por dia e a comida servida era sempre um pão seco e um punhado de água ― a prisão conseguia ser ainda pior. Porém, como tentou escapar logo que chegou, não lhe davam sequer o pão seco. Ele ficou dias sem saborear o gosto de uma refeição, mesmo ela sendo o de farinha seca e empaçocada em forma de massa mal cozida.

Por isso, o criminoso desbocado encarou aquela simples sopa, que exalava um aroma atraente, como uma refeição luxuosa; a mais ostensiva que poderia haver em todo este mundo. A saliva encheu-lhe a boca e o estômago se revirou de desejos.

Ansiando por desfrutar algo saboroso, ele pegou uma tigela de porcelana, que estava apoiada em um tronco de madeira trazido por Kacio para eles se sentarem, e a encheu até quase derramar o líquido quente sobre a mão.

― Você está mesmo com fome ― comentou Kay, exprimindo um sorriso provocativo.

Ouvindo a insinuação do mordomo, Tércio pensou em jogar a sopa de volta, mas... estava mesmo com muita fome. Fazer o quê? Não havia espaço para o orgulho.

Depois de se servir, ele olhou para o tronco trazido por Kacio...

Cogitou se sentar ali, mas não queria ser amigável demais, pois não sabia nada sobre aquelas pessoas. Então, sem dizer nada, caminhou até uma árvore mais afastada e se acomodou no chão, usando uma das grossas raízes que saltavam para fora da terra para se escorar.

Como o maltrapilho logo descobriu, não apenas o cheiro era muito bom, a sopa também se provou incrivelmente deliciosa. Estava tão boa que, quando provou, pensou que poderia chorar.

Na pressa de se afastar do mordomo e de seus comentários irritantes, Tércio acabou não pegando uma colher e teve de beber a refeição diretamente da tigela. Depois de dar uns três goles seguidos, sem desgrudar a boca da orla de porcelana, sentiu o peito queimar, quando o líquido fervente desceu-lhe pela garganta, fazendo os olhos lacrimejarem. Mas, ainda assim, continuou bebendo sem parar.

Quando terminou de tragar a saborosa sopa, tudo o que conseguia pensar era: “eu quero mais!”. Contudo, não desejava ouvir Kay fazer mais um de seus comentários, então deixou esse pensamento de lado ― afinal aquele sujeito poderia deixar a comida com um gosto amargo.

Após acabar de jantar, Tércio se acomodou por ali mesmo, recostando-se na base da árvore e apoiando a cabeça na raiz. Tinha sido um dia agitado ― como todos os outros em sua vida ―, ainda assim ele procurava apenas um lugar para apoiar a cabeça enquanto vigiava o estranho grupo de uma posição segura. Mas, de novo, tinha sido um dia agitado. E depois de bocejar duas vezes, ele apagou.

Estava muito cansado e seu corpo todo doía. Mesmo desejando ficar acordado a noite toda para ter certeza de que Eliza e os outros não tentariam nada, não conseguiu. No instante em que repousou o corpo ― nada demais, apenas esticou as pernas e relaxou os ombros ―, sua consciência voou para longe.

Na manhã seguinte, quando acordou e abriu os olhos para contemplar o início de um novo dia em sua vida, ainda sonolento, Tércio se esticou todo, daquela maneira que as pessoas fazem depois de uma boa noite de sono e se espreguiçam, deixando uma peculiar sensação de prazer se espalhar pelo corpo.

E ali, enquanto experimentava uma prazerosa sensação de bem-estar, ele abriu os olhos e viu algo que não esperava ver tão cedo...

Fazia uma linda manhã, com o céu tomado por um belo azul marcante e poucas nuvens à vista. Uma brisa refrescante soprava vinda do sul, carregando um doce aroma silvestre que decerto faria uma abelha pular de alegria.

Olhando para aquela beleza simples, mas inigualável, que se espalhava por todo o mundo, e sentindo aquela fragrância tão familiar e ainda assim tão perfeita, Tércio se permitiu exprimir um sorriso plácido; algo que não fazia há muito tempo. Nesse momento, experimentava tamanha paz que chegava a ser estranho.

Após encher os pulmões de ar puro e contemplar o azul por mais alguns instantes, ele se ergueu com um pulo, ele se ergueu com uma leveza que não existia na noite passada. Ainda não estava curado por completo, mas já se sentia muito melhor.

De fato, seu corpo já não doía tanto quanto antes e não parecia tão “travado”. Conseguia esticar os braços, mexer o pescoço de um lado para o outro e se alongar sem sofrer. Tinha ocorrido uma melhora significativa e foi notando isso que ele correu os olhos sobre as feridas.

― Incrível! ― admirou-se com o que viu. ― Os cortes já estão quase todos fechados!

E de fato, estavam mesmo. A maior parte das marcas deixadas pelas chibatadas tinham desaparecido, e as que restaram não passavam de um risco incrustado.

Enquanto Tércio estudava o próprio corpo, Eliza, a qual estava próxima da carruagem, pareceu enfim tomar conhecimento de seu despertar, pois foi logo se adiantando.

Ah! até que enfim você acordou! ― comemorou enquanto caminhava de encontro a ele.

― Eu dormi por muito tempo? ― perguntou Tércio, que ficou confuso com o comentário.

― Sim. Nós já estamos acordados há horas ― respondeu ela, dando um sorriso caloroso para demonstrar que não estava chateada, apenas preocupada. ― Eu quase o acordei só para ter certeza de que continuava vivo ― brincou.

Ouvindo o comentário da duquesa, Tércio se sentiu um pouco estranho, pois faziam longos anos que era incapaz de se perder em um sono a ponto de não acompanhar o nascer do sol ― muito embora, do lugar no qual passou boa parte de sua vida não conseguia ver nada de qualquer forma.

Ele, que pretendia passar a noite acordado vigiando aquele bando de desconhecidos, acabou se deixando levar por uma modorra profunda e abaixou a guarda, no estado mais indefeso possível. No entanto, não acordar preso em correntes ou em uma jaula o fez confiar um pouco mais na mulher à sua frente.

Sentindo-se um tanto mais confiante em relação a Eliza, Tércio de repente se lembrou que ainda havia o mordomo e o homem de armadura, e com uma rápida, mas discreta, olhada ao redor, reparou que eles não estavam em lugar algum.

― Se você está procurando por Kay e Kacio, eles entraram no bosque já tem algum tempo. ― disse a duquesa, lendo os pensamentos do garoto.

― Eu não tô procurando ninguém ― mentiu Tércio, que ainda não se sentia à vontade para sair confessando suas ações.

― Sei... Ah! O Kay separou seu café da manhã, mas a essa altura já deve ter esfriado. ― Lembrando-se de algo, Eliza se afastou. Foi até o tronco de madeira, o qual se encontrava próximo da fogueira extinta, e pegou uma tigela tampada que estava apoiada sobre ele e a entregou ao garoto. ― Não trouxemos muitos suprimentos, então tivemos de comer os restos de ontem ― explicou enquanto passava uma colher para ele. ― Mas devo dizer, suas feridas se curam muito rápido.

Com uma expressão curiosa, ela passou os olhos pelo corpo do jovem ex-prisioneiro. As lesões que não se encontravam cobertas por ataduras, as únicas que ela podia alcançar durante uma verificação rápida, estavam quase todas curadas, como se já estivessem em processo de cicatrização há semanas.

― Acho que foi aquela “pomada mágica” de ontem ― avaliou Tércio, amargando a cara ao recordar da tortura infligida e não era a causada pelo chicote.

― Não existe essa coisa de “pomada mágica” ― disse Eliza, que de certa maneira ficou surpresa com a ingenuidade dele. ― Você achou mesmo que aquilo iria curá-lo? Era apenas para suas feridas não piorarem e evitarem uma infecção.

― E por um acaso eu tenho cara de quem entende de coisas mágicas? ― retrucou ele, meio ranzinza.

― Como suas feridas se curaram tão rápido? ― questionou Eliza, exprimindo uma genuína surpresa. ― Achei que iria levar no mínimo duas semanas. Algo em sua fala indicava que estava tentada a tocar os ferimentos do menino e descobrir se não era uma ilusão.

― Bem... meus machucados sempre se curam rápido ― comentou ele, pegando a tigela de sopa e tomando extremo cuidado para não derramar uma única gota. De início, também achou surpreendente a cura acelerada, mas depois de pensar melhor e descobrir o engodo da duquesa, percebeu que não era uma ocorrência tão estranha. Sempre foi assim. Apenas parecia mais empolgante atribuir à melhora a “pomada mágica” ardida; fazia seu sofrimento ter algum propósito.

Com a tigela em mãos, Tércio notou que a sopa estava de fato fria, porém isso não era nenhum problema.

Usando as duas mãos para apoiar o fundo do utensílio, ele se concentrou por um instante e, de repente, chamas brotaram de seus dedos e com muita delicadeza envolveram a base de porcelana. Poucos segundos depois um vapor perfumado contagiou o ar, aumentando seu apetite.

Uau! então sua magia também pode ser usada assim? ― perguntou Eliza em um tom adocicado ao passo que exprimia um sorriso sincero, o qual trazia em seu significado alguma admiração.

―– Sim ― respondeu o esfarrapado sem dar muita importância ao questionamento. Para ele isso não era nada impressionante, ainda mais depois de ter queimado um homem com mais de três metros de altura.

No entanto, para a duquesa era diferente...

Eliza estava olhando para as mãos de Tércio, observando o fogo tremeluzir com um olhar profundo, quando perguntou:

― Quando foi que sua magia despertou? ― O sorriso gentil que marcava seu rosto desapareceu e deu lugar a uma expressão séria.

― Quatro anos. ― respondeu, desinteressado em prolongar a conversa. A sopa tinha maior prioridade.

― Pouco antes de seus pais morrerem? ― questionou ela, estreitando os olhos enquanto esperava pela resposta.

― Como sabe disso?! Não fui eu que matei eles! ― Pego de surpresa pela pergunta, Tércio avançou contra a mulher e a encarou com fúria nos olhos. Suas mãos exerceram tremenda força contra a tigela, quase quebrando o recipiente, e a sopa começou a borbulhar, deixando escapar uma fina camada de vapor que se intensificava a cada instante, quase como se estivesse respondendo aos sentimentos fortes do garoto.

― Acalme-se! Eu acredito em você. Foi apenas um palpite de sorte, só isso ― garantiu Eliza, dando um passo para trás à medida que esboçava um sorriso sem graça e acenava usando as mãos.

Tércio encarou a duquesa, olhando diretamente em seus olhos. Sua postura continuava alerta, agressiva. No entanto, após alguns instantes, ele deixou os ombros relaxarem e recuou um passo.

― Entendo ― balbuciou, um tanto abatido.

Eliza percebeu que a disposição de quando ele acordou tinha ido embora ― isso ficou evidente pela expressão perturbada e desorientada que tomou conta de seu rosto. ela abriu a boca para tentar algum consolo, mas antes que tivesse a chance, uma voz surgiu vinda do bosque:

― Você ainda não terminou seu café da manhã?

Tércio olhou para a direção do barulho e viu Kay e Kacio saindo do meio do bosque.

― Você parece bem melhor. Ontem estava parecendo mais um morto-vivo do que um garoto ― brincou Kacio. Ao contrário da expressão rígida da noite passada, ele agora sorria para o novo integrante de maneira amistosa, mas ainda cauteloso.

― Como foi lá? ― indagou Eliza.

― Eliminamos todos com perfeição ― respondeu Kay, deixando escapar um sorriso malicioso.

― Eliminaram? ― grunhiu Tércio, olhando para o bosque. Logo supôs que os homens de Nabal tinham tentado armar uma emboscada enquanto dormia.

― Não foi nada demais, apenas alguns Tardos que estavam se escondendo. Eles provavelmente pretendiam nos emboscar quando estivéssemos saindo ― informou Kacio, despreocupado.

― Tércio, é melhor terminar seu café da manhã, logo partiremos para a Vila Cinzenta ― advertiu Eliza.

E como desejava sair daquele lugar o quanto antes, ele não discutiu e em poucos goles terminou a sopa. Não precisou da colher.

 

***

 

Sendo um dos escassos povoados que se encontrava a poucas horas do Coliseu dos Condenados, a Vila Cinzenta era um dos destinos daqueles que buscavam o entretenimento profano presidido no subterrâneo.

Quando decidiram que enfim era o momento de partir rumo ao povoado, Kay foi colocado ao lado de Kacio ― responsável por guiar os cavalos ―, pois a duquesa desejava ter alguma privacidade com Tércio, que estava ao seu lado.

Ao receber a ordem para ficar do lado de fora, o mordomo fez muita pirraça, dizendo que se fosse preciso, taparia os ouvidos e fecharia os olhos, assim os dois teriam “privacidade”. Ele não queria de forma nenhuma ficar do lado de fora e até mesmo pulou e bateu os braços em forma de protesto ― parecia uma criança. Mas depois de uma longa negociação e muitas promessas, Kay enfim concordou em viajar ao lado do cocheiro.

Dentro da carruagem, a duquesa encarava o garoto sentado em sua frente com seriedade nos olhos, tornando o clima um tanto opressivo.

― Tércio, você já ouviu falar na Academia de Encantamentos Mágicos de Aurora? ― perguntou Eliza com eloquência.

― Mas é claro! É a Elefthería, não é? É a última escola do reino! ― replicou ele, demonstrando um estranho entusiasmo. A empolgação foi tanta que o esfarrapado inclinou o corpo para frente e ficou a poucos centímetros de cair do assento púrpura.

O brilho nos olhos do garoto, quando falou da academia, deixou Eliza surpresa e esperançosa. Não esperava receber em troca uma excitação tão grande e sincera a uma breve citação. Contudo ela logo se recompôs, apagando o sorriso e voltando ao seu semblante resoluto. Precisava se manter centrada.

― Exato. Algum tempo atrás eu me tornei a diretora dessa escola e há alguns anos, antes mesmo de assumir o cargo, ela começou a enfrentar um grande problema. Não sei se você sabe, mas a Academia de Encantos Mágicos fica no meio da parte conhecida da grande floresta Meia Lua, longe de Selene, a capital. E nessa floresta existem monstros que, nos últimos anos, têm tentado invadir os arredores da escola. No início, a proteção do instituto era feita por Exploradores do Desconhecido, além do mais nunca tivemos problemas com ataques ou qualquer coisa capaz de colocar a vida das pessoas em risco; era um lugar seguro, de certa forma. Mas desde que eles foram banidos do reino, a nossa segurança sofreu uma grande perda e o número de monstros cresceu de maneira exponencial ― explicou Eliza, mantendo uma expressão solene do início ao fim.

Quando ouviu que, além de duquesa, ela também era a diretora da escola mais famosa do reino de toda a história, Tércio não pôde deixar de mostrar um rosto surpreso e até admirado, tendo de se controlar para não abrir a boca.

― Muda a escola de lugar ou pede ajuda dos cavaleiros. Lá tá cheio de nobre, não tá? Tenho certeza que o rei ajudaria se pedisse. ― Ele já tinha ouvido muitas histórias a respeito de Elefthería e de acordo com o que sabia, os alunos dessa instituição eram formados inteiramente por nobres. Então pedir ajudas aos cavaleiros não deveria ser nenhum problema. Era a função deles proteger a nobreza afinal.

― De fato, o que você disse está correto. Pedir reforços aos cavaleiros ou mudar a academia de lugar, são duas opções viáveis. Porém isso é algo que eu não posso fazer ― declarou Eliza, balançando a cabeça. ― Ou melhor dizendo, eu me recuso a fazer. ― A expressão em seu rosto tornou-se determinada.

― Por quê? ― indagou, confuso. Um nobre se recusando a pedir ajuda a outros não parecia tão incomum, ao menos ele não achava. Havia muito orgulho envolvido em suas relações. Contudo, conhecendo a posição ocupada por Eliza, isso não deveria ser tão complicado.

― Há dois motivos para isso... ― Sem esconder nada, ela explicou as circunstâncias que a impediam de mudar a escola de lugar e do porquê de não querer pedir ajuda aos nobres...

Primeiro: A grande floresta Meia Lua era usada como um meio natural para treinar os alunos. O que não é de se estranhar, pois a região é dotada de diversos recursos naturais que se bem usados são capazes de trazer impactos significativos no aprendizado dos estudantes e no nível de pesquisa acadêmica do reino, levando em consideração que não são apenas os alunos que conduzem experimentos no lugar, os professores também.

As pesquisas conduzidas na floresta variam de todas as formas, desde a observação de pássaros locais, até um estudo aprofundado envolvendo a maneira dos monstros reproduzirem, a taxa de reprodução, entre outras coisas. Assim sendo, deixar aquele lugar poderia significar um grande declínio na qualidade do ensino.

Segundo ― e mais importante: Eliza explicou o porquê de não poder pedir ajuda aos nobres.

Segundo ela, um dos principais motivos pelos quais a academia foi construída num lugar isolado, longe da capital do reino, foi para limitar a influência dos nobres.

De acordo com Eliza, deixando uma ressalva para a lei na qual proíbe plebeus de aprender encantamentos mágicos, os nobres não têm nenhum domínio sobre o instituto. Até mesmo o rei possui pouca influência perante a academia, sendo a decisão do diretor ou diretora atual a mais relevante.

No entanto, se ela pedisse ajuda para proteger o instituto, eventualmente os nobres assumiriam o controle da escola e isso era algo que desejava evitar a todo custo.

― Tá, tá, você tá com um grande problemão! Mas o que isso tem a ver comigo? ― perguntou Tércio, impaciente. De certa forma, já podia imaginar o que ela iria dizer, mas precisava ouvi-la dizer em voz alta, pois seu coração saltitante poderia estar lhe enganando.

― Há três anos, eu fundei um grupo formado por alunos especializados em combate e no atual momento eles são os responsáveis pela proteção da escola. Porém, não temos pessoas o suficiente. É por isso que eu gostaria de ter você trabalhando para mim como um dos membros desse grupo ― concluiu Eliza, decidida. Cada palavra foi entoada da forma mais clara possível, para que nenhuma sentença se perdesse no caminho de um ouvido desatento. E quando terminou de falar, seus olhos cheios de determinação fitaram Tércio, esperando por uma resposta.

Ele, por sua vez, não disse nada a princípio. Olhou para o chão da carruagem e começou a refletir.

Se tudo o que ela falou até agora for verdade, então essa era uma oferta irrecusável. Não só estaria livre da prisão, como também teria um trabalho e um lugar para ficar. Apenas essas coisas poderiam lhe dar uma vida muito melhor do que os últimos anos tem sido. No entanto, ao menos para ele, existia outro motivo tão importante quanto ganhar dinheiro e ter um canto seguro para dormir. Visitar uma escola era um de seus grandes sonhos de infância, o que tornou a proposta ainda mais irresistível.

Mas, é claro, apenas se ela estiver falando a verdade. Entretanto, Tércio não sentiu qualquer traço de mentira em suas palavras e também suas atitudes até o momento contribuíram para fazê-lo acreditar nela.

Quanto mais pensava ― embora esse não fosse seu forte ―, mais percebia que não haviam muitos motivos para duvidar dela, pois Eliza não só o tirou do Coliseu dos Condenados sem pedir qualquer garantia em troca, como também tratou de suas feridas e lhe deu algo para comer. No geral, ela vinha se mostrando uma pessoa confiável.

Mas tudo isso ainda era algo incerto, afinal a duquesa poderia estar mantendo seus verdadeiros motivos muito bem escondidos, disfarçando seu veneno com sorrisos simpáticos e palavras doces. Existem bons mentirosos por aí e disso ele sabia bem.

Todavia, mesmo que Eliza estivesse escondendo algo, contanto que não voltasse a ser preso por Grilhões de Selamento, ele tinha plena confiança de que poderia escapar sem grandes problemas. Sendo assim...

― Tá bom, então. Eu vou aceitar trabalhar na escola! ― proclamou Tércio, com firmeza.

Apesar de ter parecido que tomou uma grande decisão, na verdade não foi tão difícil assim, pois o lugar para o qual estava indo era a maior e a última escola na história de toda Aurora, a academia Elefthería.

Quando ouviu aquelas palavras comuns e motivadoras, mas que ditas por Tércio soavam vulgares, Eliza ficou parada por um segundo, como se estivesse em choque. No entanto, tão logo voltou a si, seus olhos exibiram um brilho esperançoso ao passo que seus lábios se curvaram em um sorriso radiante.

― S-sério? – balbuciou emocionada, apertando os joelhos com as pontas dos dedos enquanto inclinava o corpo para frente, ficando mais próxima do garoto. Era como se um grande peso tivesse sido tirado de seus ombros. ― Eu prometo que farei de tudo para voc...

Antes que pudesse terminar sua frase, sem qualquer aviso, a carruagem freou de repente e com a parada súbita a duquesa voou para os braços do jovem em sua frente.

Tércio não conseguiu segurar um gemido de dor quando abruptamente a “Eliza Voadora” o acertou em cheio ― foi atingido bem em cima de uma ferida que ainda estava longe de se curar. Não foi nada gracioso e nem delicado. Ele recebeu uma porrada com força o suficiente para deixar uma marca.

A Eliza Voadora, por sua vez, quando se desgrudou do menino e se ergueu num sobressalto, demonstrou uma fúria abrasadora conforme sua face delicada se contorcia em uma carranca desagradável.

― Mas que merda os dois imbecis pensam que estão fazendo!? ― vociferou ela, colocando a cabeça para fora da janela.

Vendo tal comportamento, Tércio ficou bastante surpreso. Não imaginou que Eliza, a qual vinha agindo de modo elegante e educado, com um toque de gentileza, seria capaz de proferir, quase cuspir, tais palavras deselegantes quando irritada.

Se fosse uma prisioneira tudo bem, mas uma duquesa?

Ah! Desculpe por isso, Srta. Eliza. Mas parece que temos companhia! ― informou Kacio...

 


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