O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


A1 – Vol.2

Capítulo 39: Abra a jaula e deixe sair

A ruiva correu, correu e correu. Correu sem rumo, sem entender o que estava acontecendo consigo mesma. A lanchonete, a Academia, a capela. Os locais onde coisas ruins aconteceram após ela perder a consciência. Não entendia aquilo, apenas sentia que algo a controlava e a fazia sair do controle de seu próprio corpo.

Após chegar na pequena praia em frente à vila, Yohane se agachou na areia e escondeu seu rosto e encarou o degradê que dançava no céu em tons de laranja, rosa e violeta. Seus olhos se aqueceram e sua pele ficou suada, mas ela respirou fundo e tentou não chorar. Se recusou a sucumbir à ansiedade novamente.

— Ruiva, não tem muito pra onde correr. A vila não é muito maior que a delegacia de Manhattan.

— Adam… Por favor, eu quero ficar sozinha.

— Ei, relaxa. Quando aquele cara falou da Abigail, eu também quis quebrar a cara dele. Você não precisa se culpar.

— Não é só isso. — Levantou o rosto e olhou para cima, segurando as lágrimas que se esforçavam pra descer. — Eu apaguei de novo. Eu não entendo o que tá acontecendo, mas desde a morte da Carol eu tenho esses episódios. Foi a mesma coisa na luta contra o Constantim, não duvido que tenha sido eu que explodi a lanchonete em White Valley, também. É como se alguém me desse um mata-leão e tomasse controle do meu corpo, e eu morro de medo de que na próxima vez que isso acontecer, eu acabe machucando vocês…

Adam olhou para a garota sem saber o que dizer. Nem imaginava como era a sensação de passar por aquilo. Nunca foi bom em dizer palavras de conforto para os outros, sempre foi sincero quando não podia fazer nada.

— Ruiva, eu… queria conseguir te ajudar. — Se agachou e colocou a mão no ombro da amiga.

— Talvez eu consiga. — Uma voz grave foi ouvida logo atrás. Os dois se viraram e viram um elfo alto de pele clara e olhos azuis. Griec seguiu o alemão, estava intrigado com aquela garota tão jovem e que emanava uma aura tão poderosa, e queria entendê-la um pouco mais. — Pode nos deixar a sós, Adam? Gostaria de conversar com a Yohane.

— Ah, claro! — O jovem ficou um pouco constrangido por não poder fazer nada naquela situação. — Eu vou… alisar o pelo da Tera, enquanto isso. Se cuida, ruiva. — Se virou, sem jeito, e voltou para a capela.

Yohane sorriu para o jovem e voltou sua atenção para o mar gelado. Fez uma pequena bola de fogo em sua mão, do tamanho de uma moeda, e começou a girar nos dedos.

— Imagino que você tenha escutado tudo — disse a garota.

— Ouvi, perdão. Esses ouvidos podem ser uma maldição, às vezes. Posso me sentar?

Yohane acenou para o rei, assentindo.

— Tudo bem, ao menos eu não tenho que falar tudo de novo. Mas, sinceramente, não sei como você poderia me ajudar, Griec.

— Primeiro, temos que saber com o que estamos lidando. Me dê suas mãos.

Ele estendeu suas mãos, pedindo para que a ruiva colocasse as dela sobre as dele.

— Olha, Hilda tentou fazer isso e a única coisa que conseguiu foi ficar assustada.

— Hilda não tentou o suficiente. Vamos dar mais uma chance.

Yohane suspirou, mas fez como instruído. Não tinha uma ideia melhor. Não tinha o que perder.

Ambos fecharam os olhos e, quando Griec tocou as mãos da ruiva, flashes atacaram sua mente. Imagens do passado e do futuro. Acontecimentos surreais, todos embaralhados em uma só imagem viva. Um hospital em chamas; uma mãe morrendo ao dar à luz a um bebê de fogo; uma mulher de cabelo branco acariciando o rosto de uma jovem coberta de sangue; prédios destruídos; humanos escravizados; doença; guerra; fome; morte. Em um céu vermelho, um pássaro de fogo enfrentava um pássaro de trovão, e o bater de suas asas fazia a terra tremer. No final de tudo, uma chama em formato de ave avançou na mente de Griec, fazendo ele se afastar e largar as mãos da garota. Tudo aquilo era confuso, mas, ao mesmo tempo, dava exatamente a resposta que o rei procurava.

— Griec, você tá bem? Conseguiu descobrir alguma coisa? — perguntou Yohane, preocupada.

— Só um segundo, por favor… — Ele estava exausto, seu coração batia forte. Parecia que havia corrido uma maratona. Após respirar fundo e se acalmar, continuou. — Bom, eu tenho uma boa e uma má notícia pra você, garota.

— Que são?

— A boa notícia é que você não está possuída pela Fênix.

A jovem arregalou os olhos e sorriu involuntariamente, olhando para a palma de suas mãos.

— Então… esse poder não é por causa de um pássaro divino ancestral dentro de mim?

— Essa é a má notícia. A Fênix não possuiu você… ela renasceu dentro de você. Assim que você saiu do ventre de sua mãe, o Pássaro de Fogo já estava entrelaçado ao seu corpo e espírito. E depois de todos esses anos, a relação de vocês se tornou intimamente simbiótica. Yohane Pride e a Fênix, hoje vocês são o mesmo ser. O problema é que ela ainda é um espírito muito poderoso, que precisa ser livre. É por isso que você vem tendo esses episódios de raiva e descontrole. É a Fênix intensificando cada emoção, cada sentimento seu ao extremo

O sorriso da ruiva desapareceu de imediato.

— Não… Não pode ser. Você tá me dizendo que eu não consigo me livrar dela? Eu não quero essa coisa dentro de mim!

— Infelizmente, não há como. Para você se livrar da Fênix, você teria que morrer. E, como é de conhecimento público, a Fênix é imortal.

Yohane se levantou, frustrada, de punhos cerrados. Fechou os olhos e respirou fundo. Aquele poder era muito forte, mesmo que tenha treinado para controlá-lo, não consegue usar muito dele sem perder o controle. Seu maior medo era ferir seus amigos ou, pior, matar alguém. Nunca se perdoaria.

— Como eu vou controlar isso, então? Eu não posso arriscar machucar alguém com esse poder, eu entrei nesse mundo pra fazer justamente o contrário.

— Yohane, se você se importar de ouvir conselhos de um velho com mais de três mil anos de idade, escute: a melhor forma de controlar um monstro, é o deixando sair da gaiola. A Fênix é um espírito que precisa ser livre, e sempre que você coloca um cadeado na jaula, ela fica mais estressada. Quanto mais você se esforçar para prendê-la, mais ela se esforçará para escapar. Você tem que abrir a gaiola para que ela saia e assim poder puxar as rédeas.

Griec se levantou das pedras e encarou o mar.

— Repita comigo — disse ele. Ele respirou fundo e soltou o ar lentamente, enquanto juntava suas mão como se fosse rezar. Em seguida as girou, deixando cada uma virada para um lado.

Yohane não entendeu, mas repetiu como instruído.

— No meu antigo mundo, a escuridão não era apenas absoluta no mundo. Ela comandava o coração do povo, também. Mas, diferente do que Hilda pensa, não somos uma raça de guerreiros. Lutávamos por uma vida melhor, mas odiávamos batalhar. Desse modo, nós direcionamos a escuridão dentro de nós e a usamos na esperança de dar um futuro melhor para nossas crianças. E conseguimos, mesmo que não da forma que esperávamos.

A ruiva viu de canto uma energia negra começou a ser emitida das frestas entre as mãos de Griec. Então ele separou as mãos rapidamente, quebrando os movimentos lentos e serenos de anteriormente. Quando fez isso, uma força negra em forma de ciclone foi lançada, rasgando o mar e girando em direção ao horizonte.

— Uau… — A garota ficou impressionada com tamanho poder.

— Magia é um elemento vivo, Yohane. Ela precisa ser liberada, ou consumirá o portador. Tente.

A ruiva encarou as mãos e decidiu dar uma chance. Repetiu o movimento com as mãos e fechou os olhos. Respirou fundo e pensou em todas as frustrações que estavam em seu peito. O incidente na lanchonete e na ponte, a fuga de casa, os pesadelos. Um brilho começou a surgir entre suas mãos, soltando um forte vapor. Seu cabelo começou a balançar e Griec arregalou os olhos, se afastando dois passos da garota.

A ruiva soltou o ar de uma vez e abriu os olhos, que brilharam escarlate. Quando separou as mãos rapidamente, o grasnar ensurdecedor de uma águia pôde ser ouvido, e a força que saiu de Yohane tinha o formato de uma grande harpia. A ave de fogo voou a uma velocidade surreal para os céus, gritando para que os quatro cantos do mundo ouvissem.

Na vila, todos pararam o que estavam fazendo para ver o bater de asas da divindade que não era vista há um milênio.

— Não posso acreditar no que estou vendo — disse Hilda, incrédula.

— Quem diria que a Fênix iria escolher logo ela… — Magda também estava impressionada. — Se ela quisesse poderia ter me transformado em cinzas quando brigamos… Ela realmente não gosta da ideia de matar, né?

— Ela acredita que ninguém merece morrer, nem a pessoa mais horrível da história desse mundo.

Após alguns segundos, ela retornou e parou em frente a Yohane. As duas se encararam, olhando no fundo dos olhos uma da outra.

— Ela é linda…

A garota se aproximou cautelosamente e, quando percebeu que a ave de chamas não tinha a intenção de feri-la, curvou levemente a cabeça, fazendo com que suas testas se encostassem. Naquele momento, um calor revigorante preencheu seu corpo, e aquela chama em forma de pássaro voltou para dentro de Yohane. O brilho carmesim desapareceu de seus olhos, dando espaço para o habitual azul.

— E então, como se sente? — perguntou Griec.

— Estranhamente aliviada. É a mesma sensação de entrar na piscina em uma tarde quente de verão.

— Não seria como a sensação de se sentar em frente à lareira numa noite fria de inverno? — comentou Griec, achando curiosa a analogia da ruiva.

— Talvez… eu nunca senti frio na minha vida… — Se deu conta de um detalhe importante e arregalou os olhos. — Até agora. Quando a Fênix estava nos céus, eu senti um arrepio por todo corpo, como se eu fosse congelar. Foi a primeira vez que senti aquilo na vida, e foi no momento que ela saiu do meu corpo.

— Hm, interessante. É possível que, quando você a liberou, mesmo que por um instante, você perdeu todas as habilidades que tinha e voltou a ser apenas uma nefilim comum. É como se você tirasse uma armadura para se recuperar de carregar seu peso, mesmo sabendo que vai ter que vesti-la novamente. Tome cuidado.

Yohane assentiu, encarando suas mãos enquanto controlava a intensidade das chamas que fluíam por seus dedos. Cada artéria e veia de seu corpo ficava visível, brilhando alaranjadas por baixo da pele.

Após acalmar seu coração e sua alma, a ruiva voltou para a capela junto do rei, se reencontrando com Adam e companhia. Arme estava no chão, ainda inconsciente com o chute do alemão.

Todos encaravam a garota um pouco hesitantes. Até mesmo Magda, que não temia a ninguém, sabia que Jô era superior em poder e optou por ser cautelosa.

Claro, exceto por Adam. A única coisa que o jovem sentia era empolgação, sabendo que sua amiga era portadora do poder da Fênix.

— Tá melhor, ruiva? Já pensou o que vai fazer agora que é uma celebridade?

— Celebridade? Como assim, Adam.

— Ah, querida, agora está confirmado. A Fênix renasceu e você porta seu espírito. Não demorará muito até as Virtudes, a Ordem e o resto do mundo sobrenatural descobrirem — disse Hilda.

— Não sei se gosto dessa ideia — comentou a garota, ansiosa. Nunca quis fama, principalmente se fosse por aquele motivo.

— Relaxa, ruiva. Não é como se eles fossem uma ameaça pra você. Com a Fênix ao seu lado, você é literalmente uma das pessoas mais poderosas desse planeta. Não vai demorar muito pra realizar seu objetivo, desse jeito.

— Ah! — Se lembrou de uma coisa. Uma coisa que não teve tempo de pensar sobre desde sua festa de aniversário. — Meu pesadelo mudou! Eu preciso de contar o que eu vi dessa vez, Adam… mas antes, vamos terminar essa história com a bruxa. Magda — respirou fundo e olhou para a mulher de olhos verdes com firmeza. —, sei que tivemos nossas diferenças nos últimos dois dias, mas estou do seu lado. Não importa o que decidir, vou lutar com você. Não vou matar ninguém, mas também não vou te impedir… não depois do que houve com a Juliana. Então, qual o plano?

Magda olhou para Yohane. Sua postura, seu olhar, não era a garotinha que a mulher considerava infantil e incapaz de pensar friamente. E sabendo do que a jovem era capaz, não conseguiu evitar o alívio ao ouvir que as duas estavam do mesmo lado.

— Certo. Aquela bruxa tirou tudo de mim e ainda tem a audácia de querer me enfrentar no mano a mano. Só que eu não jogo limpo, vou importar novas regras nesse tabuleiro.

A mulher começou a explicar seu plano para todos, preparando-se mentalmente para a batalha que estava prestes a começar.

 

 

 

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