Volume 1
— Capítulo 1: Von-Doix —
Essa mansão maldita, nunca esteve tão fria quanto hoje.
O corredor adornado exalava luxo, ostentando grandes pinturas de rostos exuberantes, móveis esculpidos no mais refinado mogno e detalhes negros e dourados que reluziam sob a luz das lâmpadas cintilantes.
Porém, para Sophia Von-Doix, aquela opulência era apenas um teatro vazio, um monumento gélido ao que realmente importava.
Ela caminhava por entre a riqueza, seus longos cabelos negros, trançados com precisão impecável, balançando suavemente a cada passo. Seus olhos dourados, tão vibrantes quanto impiedosos, carregavam uma frieza que poucos ousariam encarar.
Ela sabia muito bem sobre qual é o seu destino, mesmo que esteja frio la fora, aquele era o ''cantinho secreto dele'', uma caminhada monótona se seguiu. Pesada, como se carregasse o mundo nas costas.
O fim do corredor chegou, e diante dela ergueu-se uma porta de vidro ornamentada. O jardim de inverno. Um espaço arejado, pouco valorizado pelos membros da família, mas que guardava a certeza de um reencontro.
Sem hesitar, Sophia empurrou as portas e foi recebida por uma pintura viva: pequenas árvores e plantas resistindo bravamente ao frio, seus tons vibrantes contrastando com a imensidão branca da neve. No centro, uma árvore maior se erguia imponente, e sob sua sombra, um pequeno fragmento de luz em meio à sua escuridão.
Um garotinho, completamente absorto em seu livro, deixava que os flocos de neve sujassem seus cabelos negros. Seus olhos dourados, enormes e brilhantes, carregavam a curiosidade de quem ainda via o mundo com encanto.
Pela primeira vez em muito tempo, Sophia sorriu. Um sorriso verdadeiro, tingido com um toque de esperança.
— Art! Eu já não te disse para não ler do lado de fora? E se você ficar gripado? — a gentileza em sua voz traía qualquer intenção de bronca.
— Ah! Mamãe! — O pequeno largou o livro de imediato e correu para seus braços, enlaçando-a em um abraço apertado.
Ela afagou seus cabelos, com um carinho que parecia querer guardar aquela memória para sempre.
— Você parece ter crescido tanto, meu anjo... — murmurou, ajoelhando-se para ficar à altura dele.
Seus olhos encontraram os do filho, e então perguntou com um sorriso:
— Art, você sabe que dia é hoje?
O pequeno franziu a testa, coçando o queixo enquanto contava nos dedos.
— Humm… Eu não tenho certeza…
— Hoje é o seu aniversário, querido.
Seus olhinhos se arregalaram de surpresa.
— Ah! É mesmo! — ergueu os braços animados.
— Sempre tão esquecido, hihihi. — Sophia riu baixinho, bagunçando seus cabelos.
Então, com um brilho especial no olhar, retirou uma pequena caixinha ornamentada do bolso.
— Hoje é um dia especial, filho. Por isso, eu trouxe algo para você.
Art pegou a caixa com curiosidade, virando-a de um lado para o outro antes de perguntar:
— O que é?
— Abra e descubra, bobinho.
Com dedos ansiosos, o garotinho desfez o laço e abriu a tampa, revelando um colar de prata com um pingente de crucifixo. A peça reluziu ao refletir os raios dourados do sol poente, parecendo brilhar com uma luz própria.
— Ooooh! Que bonito! — Art admirava o presente, seus olhos brilhando tanto quanto o metal polido.
— Muito obrigado, mamãe! — E mais uma vez, se atirou em seus braços.
Sophia o apertou contra si, ocultando o rosto entre seus cabelos, segurando o choro que ameaçava transbordar.
— Artemy… Quero que saiba que esse pingente representa minha fé em você.
O menino inclinou a cabeça, confuso.
— Mas, o que é fé?
Ela sorriu, afagando seus cabelos com doçura.
— Fé é quando você acredita em algo, mesmo sem poder ver.
Engoliu em seco antes de continuar:
— Minha fé em você vai me manter sempre ao seu lado... Mesmo que você não possa me ver.
— Que legal! — Art bateu as mãozinhas, animado. — Mas como é a fé? Ela é bonita? Tem alguma cor?
— Não e assim que funciona bobinho — Sophia riu, seu sorriso iluminado pelo branco da neve.
— Se desse para enxergar, não seria fé... Seria apenas mais algo para se observar.
Pela grande janela de vidro um lindo por do sol brilhava, tingindo a cena de tons quentes, esses representavam as horas que Sophia passou com seu filho, aproveitando cada minuto. Cada segundo.
— Ei, mamãe! Quando você voltar da viagem, podemos acampar juntos? Eu vi em um livro e parece muito divertido!
O sorriso dela congelou. O peito apertou como se mãos invisíveis o esmagassem. Mas, reunindo toda a força que lhe restava, Sophia forçou uma expressão serena, se agachou a altura do garoto e gentilmente tocou sua testa.
— É claro que sim, querido. Eu te amo.
O barulho da porta se fechando marcava agora, que Sophia estava sozinha. O silêncio ensurdecedor só durou alguns segundos
...
Como uma represa se rompendo, lágrimas inundaram seu rosto, caindo pesadas sobre o chão frio. Ela apertava o peito, como se quisesse impedir que seu coração fosse arrancado à força.
Sophia Von-Doix sabia muito bem... Aquela tinha sido a última vez que viu seu filho.
O sol invadia a janela, espalhando seu brilho sobre as plantas e árvores de um belo jardim de inverno. As folhas, há tempos sem poda, revelavam o descuido, como se ninguém mais ali se importasse com sua beleza selvagem.
— Esse jardim continua sempre o mesmo… Que bom que meus irmãos ainda evitam esse lugar.
Sob a sombra da árvore que reinava no centro do jardim, um garoto repousava, os olhos frios deslizando pelas páginas de um livro aberto. A história narrava feitos de heróis lendários—honrados, invencíveis—que sempre triunfavam sobre os vilões, erguidos em pedestais de glória.
— O que eles têm de tão diferente? Bondade? Força? Ah, droga…
Um ruído suave interrompeu seus pensamentos. Pequenos pingos marcaram as páginas, vermelhos sobre o papel amarelado. O sangue escorria de sua testa—parecia que a ferida de hoje havia voltado a vazar.
Onde tudo começou a dar errado?
Ah, a grandiosa família aristocrática Von-Doix. Os heróis do reino, os lendários protetores do domínio humano... ou algo assim.
O patriarca, Anatolius Von-Doix, era um nome que ecoava como um trovão por todo o continente. Um dos homens mais poderosos do mundo, um titã cujas façanhas beiravam o impossível. Sua história não era apenas contada, era sussurrada como uma lenda.
E o que o sangue de um homem tão grandioso poderia gerar? Bem, as histórias sobre seus descendentes se espalharam como folhas ao vento, atravessando reinos e cidades.
Três grandes nomes surgem dos herdeiros da família Von-Doix:
Raphael Von-Doix, o Gênio da Magia, dono de feitos que desafiavam a razão, uma peça-chave na imponente Torre de Éther, coração da capital de Yhona.
Beatrice Von-Doix, a guerreira prodígio, uma verdadeira arauta da justiça. Dizem que seus feitos ao capturar malfeitores se espalham tão rápido quanto um incêndio na pradaria.
Adrian Von-Doix, o mais jovem entre eles, um prodígio em… bem, alguma coisa. Pelo menos é o que dizem as boas línguas.
Mas, ao fundo dessa grandiosa tela, há uma mancha.
Todos conhecem a história do quarto filho da família Von-Doix, aquele nascido de um caso do patriarca. Um erro prontamente ignorado. Afinal, todos têm seus defeitos, não é?... NÃO É?
E não para por aí. Dizem que esse filho nasceu com uma condição… especial. Ele não pode controlar éther, a essência do poder, a dadiva dos homens dada pelos próprios deuses, a força que move o mundo. Um corpo completamente quebrado, uma falha absoluta. Chamam ele de ''Acorrentado''.
A mancha da linhagem. A única imperfeição na família perfeita. Se não fosse por ele, tudo seria impecável, não é?
Bom, aparentemente sim. Porque esse garoto... sou eu.
Artemy Von-Doix.
Honestamente, não sei por que carrego esse nome. Desde que me lembro, meus irmãos nunca esconderam o desprezo que sentiam por mim. Talvez por eu ser o único filho de uma mãe diferente. Talvez por ser um Acorrentado. Ou, quem sabe, uma mescla dos dois.
Pensando bem, acho que sei onde tudo desmoronou de vez.
Já faz seis anos, não é?
Eles sempre me odiaram, isso é fato. Mas a vida na mansão ainda tinha lampejos de cor enquanto minha mãe estava ao meu lado. Dentro dos limites de sua escassa autoridade, ela me protegia como podia.
E então um dia, ela se foi.
Uma viagem. Um acidente na estrada. Foi o que me disseram. Frio. Objetivo. Como se não importasse.
Restou-me apenas uma lápide vazia, feita por minhas próprias mãos no fundo do quintal. Sob a chuva, um funeral foi realizado—um onde eu era o único presente.
Agora, observando este pingente de crucifixo entre meus dedos, me pergunto... será que ela continua comigo? Mesmo que eu não possa vê-la?
Quem sabe.
— Afinal, se desse para enxergar, não seria fé.
O sol despontava pela janela, tingindo o quarto com tons dourados e marcando o início de mais um dia. Ergui meu corpo da velha cama, sentindo o rangido dos estrados sob meu peso. Ao redor, meu pequeno mundo se revelava: móveis antigos, desgastados pelo tempo, à beira do colapso; paredes manchadas, como se carregassem as cicatrizes de um passado esquecido. Livros espalhados por todos os cantos, únicos companheiros de minhas longas horas solitárias.
Era quase irônico que um aposento tão miserável existisse em uma mansão tão luxuosa. Mas que importância tinha? Enquanto houvesse um lugar para dormir e ler os livros que eu furtava da biblioteca, nada mais me importava.
Então, um som incômodo me arrancou de meus devaneios: o ronco baixo e impiedoso do meu estômago vazio.
— Que fome!
Lancei um olhar ao relógio. Ainda eram nove da manhã. Talvez fosse hora de me arrastar pelos corredores até a cozinha.
Raphael tomava café cedo.
Beatrice estava fora, como sempre, imersa em trabalho ou expedições.
Adrian... bem, ele podia estar em qualquer lugar.
Eu não queria encontrar nenhum deles. Conhecia essa mansão como a palma da minha mão e, após anos de encontros desagradáveis, havia aprendido os caminhos mais seguros e os esconderijos mais eficazes.
Levei vinte minutos atravessando os corredores ornamentados, cada passo calculado, cada sombra utilizada a meu favor. Ao chegar à cozinha, vi os criados limpando o ambiente após o café da manhã dos meus irmãos. Muitos eram necessários para organizar a gigantesca ala de jantar, onde uma mesa colossal dominava o espaço, capaz de acomodar dezenas de pessoas.
Um dos criados me avistou e, sem disfarçar o desgosto, apontou para um canto da mesa. Sobre ela, repousavam dois pães secos e uma xícara de chá frio. Sem me surpreender, recolhi minha refeição e deixei o cômodo apressadamente.
Caminhava pelos corredores enquanto mastigava o pão áspero, pensando no meu próximo destino. O jardim de inverno parecia uma boa opção. Por alguma razão, ninguém da minha família se interessava por aquele lugar, e era lá que eu encontrava paz para ler.
Então, algo me fez parar de súbito.
Três figuras surgiram à minha frente no corredor. Meu coração afundou no peito. Eles já haviam me visto. Correr não era uma opção.
Adrian.
O garoto de aparência infantil, cabelos brancos desgrenhados e olhos escarlates faiscantes de malícia, vinha acompanhado de seus inseparáveis capangas. Dois brutamontes assustadoramente grandes para crianças de apenas quatorze anos. Caminhavam com sorrisos perversos estampados no rosto, as mãos manchadas de um vermelho-escuro e alarmante.
Meu corpo estremeceu. Eu não deveria encontrá-los agora. Não de novo.
E por que suas mãos estavam sujas de sangue?
— Ora, ora! Se não é o meu amado irmãozão! — Adrian exclamou com um sorriso perturbador. — Que prazer te encontrar por aqui...
Ele se aproximou lentamente, passando um braço por cima dos meus ombros. O gesto teria parecido fraternal a um olhar desatento, mas a pressão crescente sobre meu pescoço denunciava a verdadeira intenção. Meu corpo, incapaz de conter o medo, tremia visivelmente.
— Hoje está sendo um dia maravilhoso! Acabei de ter uma sessão de diversão muito gratificante... Acho que logo você vai entender.
Seus dedos apertaram ainda mais minha garganta.
— Mas sabe... diversão nunca é demais, não é, irmãozão?
Aproximou-se do meu ouvido, e seu sussurro me gelou até os ossos:
— Que pena que hoje seja seu último dia aqui.
Essa parte sempre dói.
"POW!"
O primeiro golpe atingiu minha testa com violência. Não tive tempo de reagir. Nem mesmo de sentir a dor por completo antes que uma torrente de golpes se abatesse sobre mim. Adrian e seus comparsas atacavam sem piedade, suas risadas ecoando enquanto minha visão se tornava turva.
Caído no chão frio, ofegante, senti a cerâmica quebrada da xícara rasgar minha pele. Sangue escorria de pequenos cortes, manchando a porcelana estilhaçada e sujando o pedaço de pão ao meu lado.
Sem alternativas, peguei-o.
Com passos vacilantes, segui mancando pelo corredor.
E continuei comendo meu pão ensanguentado.
Dirigi-me ao jardim de inverno, onde a sombra daquela velha árvore já fazia parte da minha rotina há muito tempo. Ali, entre as páginas de um livro, encontrava um refúgio. Mas hoje, infelizmente, acabei manchando as paginas do meu livro de sangue.
O pôr do sol atravessou a janela, derramando tons dourados pelo jardim. Era hora de voltar ao meu quarto. Além disso, eu precisava de algumas bandagens—talvez fosse sensato passar no armazém antes.
Segui pelos corredores em silêncio, atento para não esbarrar em ninguém. No armazém, reuni rapidamente os suprimentos necessários: bandagens, alguns itens médicos—o essencial para cuidar dos meus próprios ferimentos. Agora, só restava chegar ao meu quarto.
Foi então que, ao deslizar pelos corredores banhados pela luz crepuscular, deparei-me com algo inesperado. Encostada à parede, uma jovem jazia imóvel. Suas vestes de criada, outrora brancas e impecáveis, estavam manchadas de vermelho. Cortes e hematomas marcavam-lhe o corpo, e uma poça de sangue começava a se formar sob ela. A respiração fraca era um sinal de que ainda havia vida, mas por quanto tempo?
Meu corpo hesitou. O que eu deveria fazer? Carregá-la até os outros criados? Eu não tinha força para isso. Talvez apenas estancar o sangramento e buscar ajuda fosse suficiente. Enquanto ponderava, uma pergunta silenciosa ecoava em minha mente: por que ajudá-la?
A resposta veio em uma sensação amarga e familiar—eu já estive no lugar dela. Muitas, muitas vezes. Eu conhecia a solidão de não ter ninguém quando se mais precisa. Empatia
E talvez fosse por isso que, sem pensar muito, decidi ajudá-la.
Ajoelhei-me ao seu lado e comecei a enfaixar os ferimentos mais graves. Quando percebeu minha presença, seus olhos marejados me encararam. Mas o que vi neles não era apenas dor ou medo. Era culpa.
Um som repentino interrompeu meus movimentos. Passos. Atrás de mim.
Meu coração disparou.
Quando me virei, o ar pareceu congelar ao redor.
Diante de mim, imponentes sob a luz do entardecer, estavam três figuras. O primeiro era um homem alto e magro, de postura nobre e olhar astuto. Seus cabelos longos e brancos caíam impecavelmente, e os olhos vermelhos, estreitos como os de uma raposa, brilhavam por trás de um pequeno óculos redondo. Raphael.
Ao seu lado, uma figura mais baixa que reconheci de imediato: Adrian.
E atrás deles, uma presença que fez meu sangue gelar.
Era ele!.
Anatolius Von-Doix, meu pai. Líder da grande família aristocrática Von-Doix. Uma lenda viva
Seus ombros largos, a imponência de um rei, os cabelos brancos ocultando possíveis fios grisalhos. Os olhos escarlates intensificavam as rugas de sua face, e a pressão de sua presença quase me fazia desmaiar.
Minha mente trabalhava freneticamente. O que eles estavam fazendo ali? Eu nunca os vira reunidos desse jeito. Mas talvez..., talvez isso fosse uma oportunidade. Talvez pudessem ajudar.
Engolindo em seco, tentei falar:
—I-Irmão Raphael, e-eu… eu encontrei essa garota aqui. Eu não sei o que aconteceu, mas ela precisa de ajuda…
Minha voz morreu quando Raphael sorriu. Um sorriso traiçoeiro. Um sorriso de raposa.
— Ora, ora, irmãozinho Artemy...— murmurou ele, com uma falsa doçura. — Eu pensava que você era tão quietinho. Me surpreende que tenha feito uma barbaridade dessas com uma pobre garota inocente.
O quê...?
— O-o quê? M-mas eu não…!— gaguejei, confuso.
— Ah! Acha que pode me enganar, pequeno? Nesse caso, por que não perguntamos à vítima?— Raphael sugeriu, inclinando-se ligeiramente enquanto apontava para a jovem caída. — Ela certamente pode confirmar sua história, não é?
Sim. Claro que sim. Ela diria a verdade. Ela esclareceria tudo.
A garota se ergueu com dificuldade, aproximando-se do meu ouvido. Seus olhos, cheios de lágrimas, carregavam um peso indescritível.
Então, num fio de voz, ela sussurrou.
— M-me desculpa…
E, logo em seguida, balançou a cabeça em confirmação.
Confirmando a mentira. O meu fim.
— Não! Eu… eu só estava… eu…— Minhas palavras tropeçavam, mas, no fundo, eu já sabia. Meu destino estava selado.
— CALADO!— A voz de Raphael cortou o ar, fingindo indignação. — Tem coragem de me contrariar, mesmo com todas essas provas?
Ele se virou para Anatolius e sorriu, satisfeito.
— Acho que um crime tão frívolo merece uma punição adequada. Mas essa decisão cabe ao nosso patriarca, é claro.
Os olhos de todos se voltaram para Anatolius.
Ele deu um passo à frente.
Eu precisava me explicar. Ele era meu pai. Ele entenderia. Ele tinha que entender.
— P-pai, eu não… eu nunca poderia fazer tal coisa! Eu só—
Mas as palavras morreram em minha garganta.
Um olhar.
Apenas um olhar.
Frio. Indiferente. Vazio.
Ele me olhava de cima, como se eu não passasse de um grão de poeira insignificante. E, naquele instante, eu compreendi.
Ele já havia decidido.
Sem hesitação, Anatolius proferiu sua sentença.
— Levem-no embora.
"BAAM!"
O estrondo da porta pesada da mansão Von-Doix se fechando ressoou como um decreto final, selando meu destino com brutalidade. Em minhas mãos trêmulas repousava uma carta—suas palavras eram frias, cortantes como lâminas afiadas.
"Pela minha autoridade como patriarca da família, Anatolius Von-Doix, julgo e concedo ao terceiro filho da linhagem principal, Artemy Von-Doix, a completa renúncia e abdicação dos direitos nobres ligados ao uso do nome Von-Doix, bem como a expulsão da casa principal da família. Que isso lhe sirva de punição pelos crimes frívolos de agressão e abuso de indefesos, além da perversão dos valores que mancham a honra do nome Von-Doix—algo que não pode ser tomado levianamente."
Não era medo o que eu sentia. Tampouco tristeza. Algo diferente fervia em meu peito, algo quente, incandescente, prestes a explodir.
— Foda-se essa família de merda.
As palavras escaparam dos meus lábios como um sussurro envenenado. E então, sem hesitar, meus dedos rasgaram a carta em pedaços, como se aquele papel carregasse todo o desprezo que me esmagava. O que eu esperava? Compaixão? Misericórdia? Quanta idiotice... Eu deveria ter sido mais realista. Aquela trama suja, aquele olhar maldito—o olhar que me atravessava como se eu fosse nada.
Aqueles vermes que um dia pensei serem meus irmãos. Aquele lixo que eu ousara chamar de pai
Meu peito ardia em ódio. E, com toda a força que ainda restava em meus pulmões, ergui a voz para que cada tijolo daquela maldita mansão escutasse
—VÃO PARA O INFERNO! COM ESSA SUA MERDA DE NOBREZA! SE NÃO ME QUER COMO FILHO... EU NÃO TE QUERO COMO PAI!
A luz dourada do pôr do sol tingia a fachada da mansão com um brilho quase onírico, contrastando com a pequenez da bolsa que eu carregava. Era tudo o que me restava.
Eu estava oficialmente sozinho no mundo.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios