Volume V – Arco 15
Capítulo 147: OPERAÇÃO MOTIM.4 (Humanos)
Era uma manhã ensolarada na Cidadela, quando um garotinho pálido e rechonchudo corria em direção a uma porta formosa de madeira guardada por homens armados. Os sentinelas o mediram da cabeça aos pés, enquanto lutava para sugar todo o ar que podia. Jogando a franja de seu cabelo forma de tigela para o lado, ele disse:
— Quero que chamem o Imichi.
— Você é o irmãozinho do Shiro? — abria a porta — pode entrar.
Onochi esperou sentado em um pilar caído por horas, castigado pelo sol e principalmente pelo tédio. Os Senshis que o receberam logo passaram a informação de sua chegada para um, depois outros, e outro, mas nenhum sinal do irmão. Foi quando um borrão subiu poeira pelos mausoléus da região, vindo parar bem na frente do irmão:
— Falei que voltaria de noite. Aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu que eu aprendi a técnica que ficou de me ensinar sozinho — respondeu Onochi, virando o rosto e cruzando os braços.
— Você aprendeu o Kazedamu sozinho? — sorriu Imichi — essa eu quero ver.
— Agora? Eu já devo ter desaprendido tudo com toda essa espera.
— Se não ajudar os Senshis, tudo isso que nosso povo construiu será enterrado e esquecido — colocou as mãos na cintura — Isso também é importante pra você, quase tanto é pra mim.
— Todo mundo é esquecido. Você esqueceu de me ensinar, esses de antes do meu nome — emburrou Onochi.
— Isso vem com o tempo. Quando crescer você vai conquistar o respeito das pessoas — ria Imichi — Isso começa lembrando do que nosso povo deixou para você.
— Que povo? Desde que eu sei, só têm eu e você.
A fala do garoto Onochi fez Imichi suspirar fundo por um momento:
— Nosso povo não tem culpa do que aconteceu. Não lamente por isso, Onochi. O que será nossa culpa é se deixarmos que isso acabe aqui. Os Senshis precisam de nós.
— Eles nos tratam feito estranhos — indagou Onochi.
— Não me faça repetir, nós como Shiro temos que dar sem cobrar nada em troca, tratamos todos como…
— Iguais — completou Onochi, deduzindo o ditado.
— Você é apenas meu irmãozinho ainda, não está na hora disso.
— Está sim! Hoje eu vou te vencer, com o meu Kazedamu.
— E alguma vez você realmente perdeu? — coçou o queixo Imichi.
— Claro, você sempre vence…
— Então você ainda não aprendeu tudo. Lutar não é sobre vencer, é sobre entender.
DIA 2, DISTRITO DA RESERVA — O AMANHECER SE APROXIMA.
“Imichi, o que me falta entender dessa luta? O que a Ordem quer me dizer, que meus ouvidos não escutam?”
As veias de Onochi foram inundadas pela seiva da noite injetada por seu oponente. Sua visão turvou, logo o fogo que engolia o Kurome e sua equipe, os dois súditos que o cercavam como uma presa, tudo se misturava.
— Esse líquido é demais até pra um Shiro — arremessou outra espada na direção de sua companheira, enquanto lambia os beiços — uma pessoa que tem medo de matar, merece morrer.
— Acabou, gorducho — Mayuri atraiu a arma com uma das mãos — Foi bom enquanto durou.
A força invisível pressionou sobre os dois, quando se aproximaram do Shiro, cujo nariz sangrava com o esforço derradeiro de freá-los. Kimijime estava estático, porém Mayuri usava o que havia sobrado de sua técnica para contrapor a força, se aproximando um passo de cada vez.
Unindo as mãos, Onochi soprou um kazedamu que abriu caminho pelas chamas, trazendo Kurome para a batalha. As dezenas de homens outrora presos na fornalha corriam em direção ao súdito ilusionista, que se viu liberto do efeito da força controlada por Onochi apenas para a recuar visando outra batalha.
A influência daquela força também sumia para Mayuri, que voou até Onochi em um corte desviado por centímetros. O contra golpe deveria ser um kazeyari, mas faltou ao mestre de Yanaho as forças para lançar o golpe, escolhendo então se afastar.
— Vocês são burros de vir até mim desse jeito — disse Kimijime, até que um batedor Tsuki balançou sua pequena foice exatamente na sua posição — O que é isso? Ficaram malucos?
Quando mais perto deles, Kimijime percebeu: estavam de olhos fechados.
— Cheio de truques, hein? Meu rosto assusta tanto vocês?!
A armadura de sangue ao seu redor, voltou a virar uma poça viva que trazia um dos soldados cegos para perto, onde foi estocado. Porém o homem ferido ainda assim segurou o braço estendido de Kimijime gritando:
— Aqui!
Os outros Heishis então avançaram de olhos abertos. Mesmo que sua visão gritasse que seus parceiros eram Kimijime, eles eram guiados pelo chamado de um dos feridos.
Um casulo de sangue envolveu os primeiros que chegavam para atacar Kimijime. O cheiro forte, fez com que Yamiyo abrisse os olhos:
— Ele se escondeu como um covarde. Vamos tirá-lo de lá, Heishis!
A aura do antigo mercenário brilhou em azul lançando a neve derretida do último ataque de fogo do súdito para dissolver aquela couraça vermelha aos poucos. Os Heishis pegos naquele construto, se libertaram aos poucos, quando pretorianos fizeram chover pedregulhos neles antes que destruíssem a proteção de Kimijime.
— Recuem — Kurome puxou Yamiyo para perto — Contra aqueles ali não dá para lutar sem enxergar.

Mayuri permanecia na caça de Onochi. Entre cortes no vazio, pedaços de terra afastados com o vento de um kazedamu enfraquecido, ela não deixava seu alvo se afastar mais do que três passos.
— Devia ter matado a gente quando teve a chance, só que esse é o seu problema — lançou uma placa de terra que mandou Onochi rodopiando pelo chão — você nunca matou alguém, não é mesmo?
— Se conhecesse metade da história do povo que habitava essas terras — se levantava com as pernas trêmulas — saberia que matar é desnecessário.
— E olha o que sobrou desse povo: Um balofo!
— Valores não são transmitidos por sangue. Os Shiro vivem em todos que seguem sua crença.
— Então vou matá-los também. Começando por você — ergueu sua espada.
Com as próprias mãos, Onochi impediu a lâmina no meio do caminho para seu pescoço. Mayuri recuou e tentou de novo, penetrando ainda mais fundo na palma da mão do Shiro, que rapidamente deslizou seus dedos sob a lâmina, puxando-a para perto enquanto levou sua outra mão para o chão:
— Kazeuzu.
— Droga — Mayuri forçou a espada pela mão de Onochi — Isso de novo!
A aura de Mayuri cresceu na tentativa de absorver o redemoinho que se formava ao redor dela, porém ao tentar soprar a si mesmo para longe os ventos a arrastaram de volta para o centro. O tornado que devia expelir, estava atraindo a súdita para Onochi.
— Você não vai durar muito — Mayuri recuou sua espada e tentou novamente — Ou eu absorvo isso, ou vou arrancar o seu coração fora. De qualquer jeito você morre!
— Ou eu posso vencer, do meu jeito.
Deixando-se acertar na em sua mão pela estocada, Onochi alcançou Mayuri arrastando sua mão sob a lâmina até o punho da súdita.
— Eu também posso expandir minha habilidade através do toque — pairava Mayuri no ar — você não percebeu isso.
O kazeuzu do Shiro se dissipou agora em sentido centrífugo, arremessando a inimiga para longe, novamente destituída de sua força invisível.
“Muito cansado”, lutava por ar. “Ela vai voltar. Dessa vez com força total, quem sabe se eu tirar meu próprio peso possa andar de novo”, empurrava o chão, ficando de pé. “Um passo de cada vez…”
O pensamento de Onochi foi interrompido por uma explosão. Ao passo que o Kurome e os Tsuki recuaram frente aos pretorianos, Jin aproveitou para se esconder e esperar pela oportunidade certa, quando Kimijime estivesse distante dos seus reforços.
A luta entre as duas tropas se iniciava, mas o súdito se entretinha com os cadáveres que restaram, extraindo seu sangue. Jin se aproximou cuidadosamente, espada em mãos, mas um Heishi ainda com vida disse com seu último suspiro.
— V-Você vai pagar pelo que fez — arremessando uma pedra em Jin.
O barulho fez Kimijime se virar. Tudo que Jin viu depois foi de sua espada, enterrada no pescoço do ilusionista, sangue jorrando no seu rosto até cobrir seus olhos. O mirim sacudiu a visão da cabeça.
— Como você pôde… — uma voz surgiu de trás do garoto.
Ao se virar, Jin encontrava Iori que o recebia com um soco bem dado, então outro após outro no chão. De volta a realidade, ele estava debaixo de Kimijime, que o esmurrava com as próprias mãos:
— Te matar seria muito fácil, seu pirralho. Pensando bem, já que faz tanta questão do seu pai, vou fazê-lo se juntar a ele. Quem sabe — o rosto de Kimijime mudava, se tornando Umi diante de Jin, ainda o socando — apareça alguém forte de verdade para vingá-los!
Jin só podia envolver seus braços ao redor da cabeça para se proteger, quando Kimijime ameaçou levar suas mãos em sua cabeça até que abruptamente foi puxado para trás. Uma aura branca estava em suas costas, o súdito estava na mão de Onochi. Protegendo-se com sangue, ele foi erguido alguns andares acima do chão para então ser arremessado até o solo.
— Onochi!
— Sai daqui — ergueu Kimijime de novo — Agora.
Apesar da ordem, Jin permaneceu ali, assistindo o súdito ser erguido e derrubado. Cada repetição ele subia mais alto para então descer com mais violência. Na quarta repetição, o sangue que protegia Kimijime e seu próprio estavam tão misturados que era impossível saber sua origem. A quinta descida, trouxe a exaustão a Onochi que levou as mãos ao chão cuspindo sangue. O corpo do súdito já não se movia, fora por meio de espasmos irregulares.
— Ele está… morto? — perguntou Jin.
De repente a pequena plataforma se formou ao redor de Kimijime, o cobrindo em uma rocha que levitou em direção às tropas inimigas. Durante essa fuga, Onochi pôde ver uma segunda plataforma trazendo Mayuri consigo.
O Shiro ameaçou dar um passo, mas lhe faltou forças. Ao recuperar os dois súditos, os pretorianos recuaram, não demorando muito para a Guarda Pacificadora no campo abaixo, ceder espaço para as tropas aliadas.
— Está tudo bem? — Kurome retornava para socorrer o Shiro.
— Vou ficar — deitou Onochi, dominado pela tontura — usaram a Seiva.
— Estão recuando — gritou Yamiyo — muitos dos nossos foram mortos, mas sobrevivemos.
— Por enquanto — disse Kurome.
— Não — afirmou Onochi — aqui acabou mas... — desabou inconsciente, sendo socorrido pelos demais.

Na vila abandonada nos limites da Reserva, Kazuya e Effei saltaram para dentro de uma casa quando um jato em chamas passou raspando por ele do lado de fora. A dupla podia ouvir do telhado os passos dos Heishis, assim como a água batendo nas telhas, evaporando com o fogo dos ataques dos Senshis ensandecidos. Olhando para a janela do outro lado da sala, viu um corpo ardendo em chamas caindo na rua.
— Nem toda a neve do mundo vai fazer a gente competir com eles — disse Effei — A gente tem que dar o fora daqui.
Logo em seguida, foi a vez de um Senshi cair na rua, com uma espada enterrada no peito. Foi então que a porta da casa foi arrombada.
— Cerquem-nos — os mirins reconheciam a voz de Tomio — Façam com que paguem pelo sangue derramado!
Espiando pela janela, Effei notou vários Senshis de patrulha. Se pularem pela janela, teriam o mesmo destino do Heishi de mais cedo. Foi então que Kazuya botou as suas mãos no armário do quarto:
— Me ajuda aqui.
Juntos eles levaram o móvel para a escada e soltaram nos Senshis. O barulho fez com que os patrulheiros do lado de fora atacassem as janelas. Em minutos a casa ardia em chamas. Kazuya e Effei correram para o andar debaixo, procurando a porta para fugir, quando se chocaram com Tomio no meio da sala de estar:
— Traidores.
— Você tá louco, professor — Effei rastejava para longe — Droga, cadê os Heishis?
Apesar de cercados, Tomio e o restante de seus Senshis cessaram qualquer ação. Congelados no lugar, eles ainda deixaram suas espadas cair no piso simultaneamente. Foi então que Kazuya ficou de pé:
— Pega os outros, antes que esse lugar desabe.
— Espera o quê? — Effei pediu explicações, mas seu parceiro já havia começado a correr.
O mirim se chocou com seu professor, saindo pela porta da frente. Effei veio logo a seguir, carregando mais um com ele.
— Kazuya, Effei — Yachi gritou por eles, virando a esquina da rua com Nakama em seus ombros — Acabou.
— Sério? É, eles parecem… acabados — Effei observava os Senshis nos telhados igualmente paralisados.
— Ainda temos que salvar quem está dentro — disse Kazuya, se preparando para entrar.
— Alto — um dos Heishis o chamou — Vamos resolver esse incêndio primeiro, garoto. Afaste-se.
Olhando para baixo, os dois mirins percebiam os Senshis que enfrentaram gemendo de dor na medida em que recobraram a consciência.
— Onde estou? — Tomio se sentava — Estávamos na reserva agora a pouco.
Os Heishis rapidamente intervieram no incêndio provocado pela batalha, extinguindo as chamas da casa, permitindo que recuperassem os demais que se infiltraram ali. Enquanto contavam os feridos, mortos e salvos, o comandante possuído dos Aka descansava em um estábulo abandonado com os outros homens recuperados.
— Eu não lembro de nada. Uma hora estava no lago, supervisionando seu irmão. Na outra, estou sei lá onde nos Shiro. Que coisa… Se eu tive algo a ver com o estado do Nakama — encarou o mirim deitado no meio do feno, desacordado — sinto muito, Yachi.
— Deu tudo certo, professor. Fomos abençoados por sobrevivermos hoje.
— Foram poucas baixas, do primeiro ataque — disse Kazuya — mas tudo foi resolvido sem nossa ajuda.
— Pessoal — Effei chegava até eles — Temos um problema. Pelo que contamos, esses não são todos os Senshis que desertaram no motim de ontem.
— Mais perdidos? — Yachi ficou de pé — Temos que resgatá-los logo.
— Eles não estavam na vila quando chegamos — disse Kazuya — Continuaram viagem e estão muito longe para alcançar.
— Kazuya tem razão mal consigo senti-los, fora que precisamos sinalizar os outros para então tomar atitudes — disse Tomio, levando a mão ao ombro do mirim — Kurome e Onochi ainda vão precisar de nós.
— Se tivéssemos pensado assim antes não teríamos resgatado meu irmão.
— Mas espera, então foi tudo uma distração? — perguntou Effei — Por quê? O que eles querem com alguns Senshis?

Sobrevoando a região da reserva estava Mayuri, sentada na beirada de uma plataforma de terra. Deitado ao seu lado, cada movimento de Kimijime estalava seus ossos quebradiços. Sua garganta lutava para empurrar as palavras, mas só saía grunhidos e sangue.
— Devia se olhar no espelho. Está mais feioso que o normal.
Os dentes de Kimijime trincaram com a fala da súdita.
— Eu passei pela vila dois minutos atrás. Você libertou eles, nem para isso você serviu.
— V-Voccccê v-v-vai… Ver só.
— Talvez aquela bruxa dos Aka tenha alguma utilidade pra essa tua carcaça apodrecida. Vai ver você ajuda mais a gente como um rato de laboratório.
— Os ratos — cuspiu sangue — já estão chegando.
O meteoro aterrissou em uma montanha, com vista para Novo Caminho. Uma fenda esverdeada esperava por eles, de onde saiu Pandora, portando um par de lentes escuras nos olhos:
— Seth me contou que viriam. Posso levá-los?
— Quem? — Mayuri olhou ao redor — Só tem os pretorianos que nos trouxeram aqui o restante tá indo direto para Novo Caminho.
Com um aceno da cabeça, Pandora apontou para um pequeno grupo de Senshis, terminando de subir a montanha, cerca de uma dúzia. Quando chegaram no pico, bateram continência para Pandora:
— Comandante Tomio, o inimigo se aproxima, aguardamos as suas ordens.
Kimijime começou a rir, entre tosses de sangue.
— Suas capacidades são requisitadas em outro lugar — Pandora se dirigiu a Mayuri, apontando com a cabeça para o portal.
Assim que a súdita saiu pelo portal, Pandora deu uma volta pela fileira de Senshis. Em poucos segundos, todos caíram sem respirar, olhos mortos. A cientista sentou-se ao lado de Kimijime:
— Se quiser ao menos ficar de pé novamente, eu preciso de mais uma pequena contribuição sua.

A Guarda Pacificadora sumiu de vista. Até mesmo os batedores de Kurome cessaram sua ronda duas horas depois, retornando ao acampamento agora em reconstrução. Kurome e Yamiyo eram os únicos ainda de pé, na colina de frente para a base aliada.
— Parecem ter sido os últimos dos batedores — questionou Yamiyo — Ganhamos, afinal de contas.
— Vamos permanecer na vigilância nos próximos dias — respondeu Kurome.
— Pensei que você fosse despreparado para isso. Agora que encontrei esses ‘súditos’, consigo ver porque Nokyokai fracassou — comentou o ex-mercenário — Agora que conhecemos o inimigo, ele não é tão assustador.
— Não se engane, nenhum deles chega perto de Suzaki Sora — completou o atual líder dos Tsuki — E mesmo assim, quase perdemos tudo, se não fosse pelo Shiro. Eu entendo agora de onde vem a fama deles.
— Eu pude ver uma coisa ou outra no meu tempo nos Midori, se bem que eles mais protegeram os civis do que nos enfrentaram — jogou os braços ao alto — Esse aí, foi outra coisa. Imagina se eles tivessem decidido ir para guerra com qualquer um de nós?
— Não precisa imaginar. Sobraria nada.
Onochi despertou ao nascer do sol, em uma tenda reservada apenas para ele. Ficando de pé, reparou na cabeça enfaixada e na mão que a espada de Mayuri atravessou completamente coberta. A seiva da noite ainda tremiam suas pernas, até que um garoto ao entrar se assustou com o mestre de Yanaho já de pé.
— Senhor Shiro — Jin o escorava para que ficasse de pé — Porque se levantou tão cedo?
— Para onde os súditos foram
— Acabou, nós… Quer dizer, você ganhou — Jin respondeu — salvou minha vida, a de todo mundo para falar a verdade.
— Espera — percebia a iluminação do lado de fora da tenda — quanto tempo se passou?
— Eu tô de pé faz horas — Jin coçava os olhos inchados — Pedi para ficar de olho em você, mas saio por um minuto e… Você já sabe.
— Devia estar lá fora, celebrando com seus amigos — Onochi voltou a se sentar no chão.
— Eles não voltaram ainda — segurou um braço com o outro — depois de Doa, eu achei que estaria pronto para lutar como os outros. Hoje eu sei lá.
— Você ainda está vivo. Alguma coisa fez certo até aqui.
— Não é bem isso. É mais que… Eu não sei se consigo, se quero, fazer isso por muito mais tempo.
— Sei como se sente — respondeu Onochi, abaixando a cabeça.
— Sabe mesmo?!
— Muitos da sua idade entram no serviço militar sem saber o que vão encontrar do outro lado. Como você poderia contar com uma guerra desse tamanho?
— Eu prometi a mim mesmo que nunca mais diria isso, mas — tremia — eu detesto ter que lutar, e as guerras só se resumem a isso. Matar pessoas sem nem ao menos saber o nome delas! Aquele cara, me fez ver as pessoas mais queridas para mim, me surrando, só para me fazer sofrer!
— A crueldade dele me deu tempo de te salvar.
— Você… acha que ele morreu? — desviou o olhar de Onochi.
— Acha que ele devia morrer?
Jin permaneceu em silêncio até finalmente responder:
— Você tentou matar ele, né? Isso teria resolvido tanta coisa.
— Na hora, você é levado a tomar decisões extraordinárias. Ainda assim, em momento nenhum pensei que isso fosse resolver tudo que havia de errado neste mundo — ergueu a mão para o garoto — Por acaso, sabe o nome dele?
— Mas e se o senhor Iori fosse liberto? Não seria melhor? — encarou Onochi nos olhos — Umi não teria que permanecer nessa guerra. A gente estaria junto de novo.
— Você não tem certeza disso.
— Tenho, sim — subiu a voz, depois se deteve — Quando fui visitar meu Iori, passei para ver o Principal Masaki que é um velho amigo dele. E então ele disse que eu e Umi poderíamos requisitar dispensa, que ele aprovaria por conta disso.
— Lembra o que falei sobre decisões extraordinárias? — levou a mão ao queixo, notando a tristeza no rosto do garoto — Tomar decisões no calor do momento é perigoso.
— É mais perigoso que eu e a Umi não voltarmos da guerra, deixando nossas mães cuidando de Iori sozinhas.
Onochi concordou com a cabeça:
— Sabe, certa vez eu desafiei meu irmão e tutor para uma luta.
De volta para aquele dia, Onochi e seu irmão seguiram o caminho pelo rio saindo da cidadela para um campo aberto. Quando começaram a luta, o mais novo partiu imediatamente para o ataque, porém todos os seus golpes passaram no vazio.
Após muito tentar, Onochi simplesmente uniu suas mãos, liberando sua arma secreto. Infelizmente para ele, Imichi já estava nas suas costas, segurando o braço do garoto para trás de seu pescoço. Enquanto pressionava o irmão, reparou numa ferida aberta no membro que segurava, tingindo as largas mangas brancas do irmão mais novo de vermelho.
— Despreparado, imprudente e descontrolado — dizia Imichi — esperava mais. Não quero você treinando técnicas sagradas sem minha supervisão.
— Não vai ter outra vez — Onochi se jogava no chão — eu desisto!
— Nunca mais diga isso! — Imichi projetou sua sombra sobre o irmão — é a palavra chave para que tudo se repita, nada muda se você desistir! Temos o dever de mudar esse mundo, em memória de nosso povo.
— Não tenho dever de nada. Os vermelhos que são nossos amigos ainda são diferentes de nós, você mesmo disse. Como vai ser se a gente falar com o resto?
— Me diga, o que aprendeu com essa luta?
— Por que eu deveria me importar? — apontou o dedo — Eles não se importam comigo!
— Não foge da pergunta — ergueu a voz — Olha, em todo mundo existe um ponto comum. Eles precisam entender isso, você precisa também. Se não quer se importar com eles por mim, pense pelo menos em nós, Shiro. E assim você encontrará a resposta.
— Não existe mais o povo Shiro! — virou-se de costas — somos só eu e você… na verdade só você! Porque tudo é sobre você!
— Você perdeu no momento que virou as costas para mim — Imichi tremulou os lábios — se preocupou tanto em me superar, que não percebeu que tudo que faço é por você e por eles.
— Eu nem conheci eles…
— Porque não quer — apontou para a cidadela — Eles estão lá, adormecidos nos textos, na arquitetura, na história. A família que você tanto quer está lá!
— A minha família é você... — um sopro levantou poeira de trás dele — Imichi?.
Seu irmão havia partido dali deixando-o sozinho. Onochi, agora já adulto, abria a tenda para encarar um dia igualmente com feixes do sol transpassando as nuvens:
— Naquele mesmo dia eu percebi que tinha feito e falado tudo errado. Diferente de mim, meu irmão cresceu com os Shiro e portanto precisou suportar toda a perda de nosso povo. E eu estava lá, fazendo pouco caso da nossa família porque estava sedento por atenção.
— E o que você aprendeu? — perguntou Jin — Era isso que seu irmão queria saber, né?
As palavras do jovem Onochi se misturava com as do mestre do presente:
— Você só pode responder por você mesmo, nossas escolhas formulam nosso destino. Mesmo que dependa de alguém, suas falas e decisões apenas definem onde você vai chegar. Ou seja, na vida é cada um por si, e é isso que uma luta representa.
— Está me dizendo que devo então…
— Mas — Onochi continuava — mesmo ocupados pela missão egoísta de definir o curso de nossas vidas, nós humanos buscamos incessantemente compartilhar essa missão uns com os outros. Esse é ponto comum que todo mundo tem, só precisamos encontrá-lo, para assim manter a esperança em um mundo melhor, sem guerras.
Com um gesto do braço, Onochi apontou para a entrada do acampamento, quando Tomio retornava com os outros mirins, sãos e salvos. Effei acenou para Jin, o chamando para perto.
— Sua vez, agora — disse Onochi, voltando para a tenda.
Observando Jin se reencontrar com seus parceiros, o mestre de Yanaho pensou consigo:
“Esse mundo que você busca, é só um jeito de trazer a nossa família para perto, assim como eu queria você mais perto naquela época, não é, irmão?”
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.
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