Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume V – Arco 14

Capítulo 126: Melhor Amigo

Com o anúncio dado por Emi enquanto chorava, todos ao redor ficaram sem reação por alguns segundos. As pernas de Jin perderam força, os ombros de Usagi ficaram trêmulos, até que Tsuneo tirou as mãos do rosto em risadas, quebrando o gelo:

— Não pode ser verdade, conta outra. Ei, Etsuko, pode sair de onde está escondido! 

O garoto gritava procurando o melhor amigo, até que foi intervido por Masori que se levantava pegando em seu ombro:

— Tsuneo eu sinto… 

— Me solta — se desprendeu colocando o dedo no peito de Usagi — onde está os nossos amigos?! Você deixou eles no deserto? Cadê o Tomio afinal? 

— Ele não fala conosco desde a notícia — Usagi respondeu de cabeça baixa — Etsuko e Katsuo se foram, Tsuneo, me desculpa — pegava no ombro dele. 

— Alguém tem que responder por isso! Alguém tem que…

— Arata tem mais chances de convencer o professor a falar do que a gente — Emi segurava os soluços — Ele veio?

Tudo ao redor de Yanaho soava abafado. Sua visão turva, balançava sua cabeça de um lado para outro. O garoto permaneceu num estado desconexo até que todos os sons, visuais e cheiros vieram de uma vez só. Os gritos de Tsuneo, Masori entre os dois, Emi desabando em lágrimas. 

— Então… o professor Arata… 

— Cale a boca — interrompeu Usagi — você é o mais habilidoso entre nós! Devia ter salvado ele! — apontou em sua face.

— Chega — disse Masori, segurando o braço — todos sofremos por isso. 

— Onde estão os corpos? — perguntou Yanaho, caminhando para as carruagens estacionadas.

— Não restou nada deles — se ajoelhou Usagi. 

A resposta do mirim mais velho terminou de derramar as lágrimas de Jin e Tsuneo, enquanto Emi voltava a se comover, Masori completava: 

— Os Kiiro usaram aquela técnica de anos atrás e acabou que… 

— O Sol Reluzente — completou Yanaho sem olhar para trás.

Colocando as mãos na lona que cobria a carruagem com os corpos, Yanaho chegou a puxar o pano com o braço, quando alguém o segurou. Ele olhou para o lado e viu Kazuya, fazendo sombra

— Esse já é o meu trabalho de hoje. Me dê licença. 

Yanaho olhou para ele, trincando os dentes. 

— Você sabia? — recuou seu braço.

— Isso podia acontecer cedo ou tarde com qualquer um. Como quase aconteceu com a gente.

— Qualquer um? — pegou o companheiro pela gola — você entende o que acabou de acontecer?! — ergueu a voz — Pode agir que nem gente pelo menos uma vez?!

Os gritos chamaram a atenção dos Senshis e enfermeiros por um instante, antes de voltarem ao trabalho. No entanto, outro casal estava entrando na praça, olhando para os lados e pedindo instruções. Os Senshis eventualmente apontaram para os mirins perturbados. 

A mulher tinha uma única trança de um lado de seu cabelo castanho claro. Acompanhada de um homem com, cabelos curtos e bigode cheio, usava uma camisa encardida debaixo de um colete de couro surrado.  

— Com licença, desculpa incomodar — a mulher cutucou o ombro de Tsuneo — Viemos ver o nosso filho, você conhece ele? O nome é Katsuo.

Ao escutar o nome, Yanaho e todos os mirins cessaram a discussão, arregalando os olhos enquanto ouviam.

— Eu não… — o mirim limpava as lágrimas — eu não sei.

— Vocês devem ser os pais de Katsuo — se colocou a frente Usagi — eu fui encarregado de dar a notícia. 

— Ora jovem? — o homem tomou a frente da mulher, que já levava sua mão a boca — me diga logo onde está meu filho, não temos o dia todo! 

— Onde ele deveria estar? — Yanaho foi até eles — Aqui, agradecendo vocês por terem mandado ele para guerra?

— Quem diabos é você? — o pai apontou o dedo para o mirim.

— Espera Yanaho  — Tsuneo tentou afastá-lo, mas foi jogado ao chão. 

— Sou o amigo de seu falecido filho! — A notícia dada, fez os pais recuarem. 

Os mirins ameaçaram cercar Yanaho porém ele continuou em frente aos berros: 

— Katsuo nunca escolheu ser mirim, foram vocês que colocaram ele nesse caminho! Destruíram o sonho dele e para quê? Por uma droga de sobrenome?! Mesmo assim… mesmo assim ele seguiu absolutamente tudo que você queria, e por causa disso não restou nem o que enterrar dele! 

— Pare Yanaho! — interviu Jin o segurando. 

A mulher desmaiou nos braços do Pai de Katsuo que não sabia como reagir, clamando por ajuda dos Senshis que cercavam a cena. Os homens seguraram a mulher. 

— Você o matou! — gritou Yanaho, sendo segurado pelos amigos — você sacrificou o seu próprio filho por uma vida melhor! 

— Seu moleque! — o pai de Katsuo avançou contra o mirim, porém as pessoas ao redor se colocaram entre os dois — quem você pensa que é para falar assim conosco! 

Kazuya entrelaçou seus braços nos de Yanaho, depois fazendo pressão sobre a nuca. O pai de Katsuo soltou um leve soluço se transformando em lágrimas, se retirando junto a esposa desmaiada. 

— Me solta, Kazuya! Me solta! 

— Chega. Você já falou demais — alertou Kazuya.

— Quem vai ser o próximo disso tudo?! Katsuo foi empurrado a esse destino, por este ciclo assassino! 

Rapidamente os Senshis intervêm para conter Yanaho. O mirim ainda empurrou alguns superiores para o lado com força excessiva, tentando se dirigir aos pais. Mas sem paciência os adultos o golpearam na cabeça, o derrubando no chão inconsciente.

Enquanto o mirim era levado dali, ficou em completo silêncio, com exceção dos choros de todos os mirins que ali estavam diante a cena. Apenas Kazuya não derramou lágrimas, continuando o trabalho passando por eles com os cadáveres recolhidos como se nada tivesse acontecido.

Após passar a noite encarcerado, os Senshis da capital liberaram Yanaho na primeira luz do dia. O mirim foi acompanhado por outro batalhão de volta ao alojamento nos arredores da cidade para retornar às suas atividades, mas o mirim sequer saiu da sua tenda. 

Os outros saíram de suas tocas, trabalharam debaixo do sol daquela manhã e tarde em obras, entregas e treinamento. No cair da tarde, quando os jovens voltavam aos seus postos, Kazuya passou em frente à tenda de Yanaho. O alto sujeito se aproximou da tenda ainda fechada, a ponto de sua sombra se projetar no tecido, sendo notório a presença de alguém do lado de fora. 

— Vai embora — exclamou Yanaho.

— Fiquei em dúvida se ainda estava aí. 

— Me deixe em paz. 

— Está assim pela morte de Katsuo? 

— E o que você tem a ver com isso? Você nem se importa com ele. Se alguém te pediu para vir até aqui e… 

— Katsuo também era meu companheiro — interrompeu Kazuya, abria a tenda entrando — mas eu não sinto nada em relação a isso, então eu gostaria de entender o que você está sentindo. 

— Eu não sei explicar — respondeu com o rosto escondido, abraçando os joelhos.

— Diga a primeira palavra que vem à mente. 

— Culpa. 

— Os Senshis comentaram sobre o inimigo ter se apoderado da técnica, que foi ativada antes da hora contra os próprios aliados — explicou Kazuya — me parece um erro de cálculo, difícil achar os culpados. 

— É minha culpa — sussurrou para si.

— Você não estava lá.

— Katsuo teria desistido há muito tempo, se não fosse por mim — ergueu a cabeça, encarando as mãos — Eu o ajudei a passar no exame final, carreguei ele nos exercícios práticos…

— Se não passássemos no exame final, Katsuo seria reprovado. Eu e você teríamos que esperar pelo menos mais um ano para tentar de novo. Ninguém ali tinha escolha.

— Ele estaria vivo — baixou os braços — No final, é isso que importa. 

— Não dá para saber.

— Quando encorajava Katsuo, era como falar comigo mesmo — sua voz fraquejou — Tudo foi uma grande jogada egoísta da minha parte.

— Acho que ele nunca desistiria do internato. Ele prometeu aos pais que não sairia de lá. Se não fosse com a gente, ainda seria possível para ele passar no exame final com outro time.

— Eu poderia tê-lo convencido a ir embora, da mesma forma que fiz para que ele ficasse. Mas essa droga de trabalho… Ser mirim, me formar Senshi. Por que eu pensei que isso fosse uma boa ideia?

Yanaho ficou de pé, pegando a capa nas mãos. Kazuya continuou sentado, olhando para o amigo de baixo para cima.

— A primeira palavra que vem à minha mente, é amigo. Katsuo partiu daqui pela última vez animado, prometendo voltar a nós dois. A esperança dele era nos reencontrar e isso é o que sela amizades verdadeiras entre pessoas. Amigos não se arrependam das escolhas que fazem uns pelos outros. Você, Yanaho não acredita nisso que está falando. Só está falando por falar. Se achasse que o que faz não está certo, já teria ido embora.

— Tem razão. 

Yanaho abriu a tenda, descartando a fala do amigo com um grunhido. Ele olhou para a capa por um instante, segurou nas duas mãos, ameaçando o gesto de vesti-la.

— Eu não sei se ele teria desistido sem você. Mas por você ser o melhor amigo dele, provavelmente morreu feliz por ter te conhecido e certamente, não te atribui responsabilidade nenhuma em sua morte — concluiu Kazuya.

— Não me siga — respondeu Yanaho, saindo carregando a capa.

O dia seguinte nasceu avermelhado. Onochi acordou um pouco depois do usual, duas horas após o Sol aparecer. Comida na mesa, nenhum compromisso no dia, Imichi distante, Yanaho de volta ao internato. Seu pesado corpo estava mais difícil de mover da cama que de costume.

Com os olhos fechados, o Shiro era perturbado a cada leve chacoalhar e ranger das portas de sua pequena morada em Kagutsuchi. Uma pensão no centro da cidade. Ele olhava para o teto emburrado com o incômodo. Tentou enfiar seus ouvidos entre o travesseiro, porém uma batida efusiva na sua porta atravessou aquela barreira.

Levantando da cama para abrir, ele encontrou Kenichi na porta.

— Faz um certo tempo, Onochi. Por mais que eu quisesse colocar conversa em dia, preciso que venha comigo agora mesmo.

— Para que a pressa? — pegou a capa pendurada na porta e saiu andando com ele — Houve alguma movimentação dos Kuro? Ou então… algum problema com Yoroho? 

Eles chegaram na entrada, seus cavalos estavam à espera.

— Queria que fosse tão fácil. É com meu sobrinho — desamarrou seu cavalo — Yanaho desapareceu. 

— Como? Ele estava alojado! — montou no seu cavalo. 

— Eu te conto no caminho os detalhes — subiu na sua montaria e estalou as rédeas. 

A caminho do alojamento dos mirins, o tio do mirim perdido contou o que havia acontecido. Na porta do complexo, eles amarraram seus cavalos.

— Eu imaginei que tivesse a ver com a volta das tropas do deserto —  Onochi desceu da montaria — soube até que a matriarca se abrigou na capital.

— Foi o que os companheiros dele me relataram. Independente disso, é uma atitude esdrúxula e infantil — amarrou seu cavalo — Ninguém vai atrás dele e mesmo como Titular não tenho direito de questionar essa posição…. Mas ele ainda é meu sobrinho.

— É meu aluno — descansou a mão em seu ombro — deixe comigo, vou encontrá-lo o quanto antes. 

Passando pelos portões dos alojamentos, Kenichi e Onochi foram recebidos pelos guardas. A aparência notória do Shiro arrancou olhares distantes de jovens mirins preocupados.

— Após a medida disciplinar, ele foi designado para cá, de onde não saiu da sua tenda até ontem. Esta noite vai fazer mais de um dia desde seu desaparecimento.

— Encontraram pistas? — perguntava Onochi — Algum rastro de fuga? 

— Um cavalo roubado dos estábulos. Estava largado ali, ninguém foi ferido. Encontramos pegadas indo para o sul, mas além disso não há mais evidências — explicou o guarda — estamos esperando um retorno das cidades próximas. Se avistaram ele de algum modo, vamos saber.

— Se ele foi para o sul, pode ter ido para casa — sugeriu Kenichi — Onochi, isso não é bom.

— Eu não entendo.

— Em um momento como a guerra, nenhum militar deve partir de seu posto sem permissão. Desertores serão dispensados de seus serviços, restando apenas uma dívida que agrava por cada dia que permanece desaparecido — completou o Senshi. 

 — Yanaho não voltaria — apertou os punhos — você sabe disso, Kenichi. Seu sobrinho pode fazer o que for, mas desistir não é do seu feitio. 

— Tem certeza? — questionou Kenichi — Da última vez que o vi, Yanaho disse com todas as letras que estava perdendo tempo aqui. Faz sentido. Ele é só um garoto e passou por muita coisa. Quem sabe, eu e você tenhamos pedido demais dele. 

— Ele teria que fazer várias pausas e a viagem levaria dias — disse o guarda —  Vindo de você como tio dele, difícil não dar esse caso como encerra… 

— Eu tenho certeza que Yanaho não desistiu — Onochi ergueu a voz — Vou conduzir uma investigação para descobrir para onde ele foi. Por favor, o senhor não tem nada a perder.

— O máximo que posso esperar é mais um dia. Depois disso, deserção.

O Shiro não perdeu tempo. A cada minuto que passava, Yanaho podia estar longe. Ele e Kenichi começaram pelos mirins que retornaram no deserto. Reuniu os jovens em uma longa mesa de madeira, onde Masori tomou a palavra:

— Yanaho não fez o escândalo à toa. A pessoa mais próxima dele se foi de uma hora pra outra e bom… ele estava longe dele. É difícil. 

— Eu devia ter protegido mais Katsuo — disse Usagi — fiquei tão preocupado em seguir as instruções, certamente Yanaho se estivesse no meu lugar teria…

— Não faça comparações — Onochi levou a mão em seu ombro — o que tinha que acontecer, aconteceu. Mesmo que seja lamentável, não se culpem. Todos vocês tomaram a melhor decisão que poderiam com tudo o que sabiam naquele momento.

— Será? — sussurrou Emi, sentada na mesa com a cabeça coberta pelos braços — Eu tava com um mau pressentimento desde o começo. 

— Vocês são crianças — retrucou Onochi — Entraram numa guerra antes da hora. Se estão aqui vivos é porque acertaram muito mais do que erraram.

Despedindo-se rapidamente, o Shiro perambulou pelo lugar até Kenichi apontar para um rapaz mais alto, ajudando a carregar peso com os Senshis mais velhos. Os três foram para uma sombra próxima dali.

— Os guardas me falaram que você viu Yanaho por último — questionou Kenichi — ele deu uma pista de para onde iria?

— Nunca vi ele daquele jeito — comentava Kazuya — Katsuo era próximo de nós dois. No exame final formamos um trio. Ontem chamei ele para conversar porque queria entender a dor de perder alguém querido.

— Engraçado, foi exatamente isso que o guarda me disse quando questionou você pela primeira vez — protestou Kenichi.

— Porque foi o que aconteceu.

— Pois bem, Kazuya, né? — Onochi se aproximou do rosto do jovem que tinha sua altura — você notou mais algum detalhe importante? Algo que só alguém que conhece Yanaho notaria.

— Quando ele disse para eu não segui-lo, eu vi nas mãos dele a capa vermelha. Pensei que ele iria vesti-la como de costume, mas ele só a levou nas mãos. 

— Entendo — finalizou Onochi — Obrigado, rapaz.

Ao dispensar Kazuya, o Sol já havia tocado o horizonte. Estava ficando tarde, as lamparinas do lugar eram acesas e as mesas prontas para o jantar. Observando os mirins à distância, Onochi reparou no entusiasmo ao ver um homem cercado de Senshis.

— Quem é?

— Tomio. Um dos professores deles, eu acho. Os guardas mencionaram ele. Esteve no deserto.

Os mirins assistiram o professor deles ser chamado de canto pelos dois visitantes. Eles procuraram refúgio do frio daquela noite em uma tenda mais larga, próximo às mesas. 

— Tomio, fiquei surpreso ter voltado tão cedo — dizia Kenichi com os braços cruzados. 

— Me contataram sobre o sumiço de um dos meus alunos — bebia um copo que havia trazido do lado de fora — já que está aqui, imagino que seja o Yanaho.

— Não tinha parado de beber?

— Assim como eu tinha parado de ir pra guerra — virou de uma vez. 

— Tomio, você conhece Yanaho há quase tanto tempo quanto eu. Se ele quisesse fugir, para onde iria? — perguntou Onochi. 

— Você deveria saber melhor do que ninguém — virou o copo — o garoto sempre teve um talento a mais que os outros graças aos seus ensinamentos. O problema é que confiança demais faz mal. Alguns amigos embarcaram nesse excesso: como Katsuo — depositou o recipiente vazio na mesa. 

— Então, este Katsuo era o mais próximo do meu sobrinho?

— Eu diria que não era muito diferente de mim com Arata — riu brevemente — a questão é que Yanaho é novo e impulsivo. Perder alguém nesse momento vai significar perder tudo para ele. Que irônico…

— O quê? — Onochi indagou

— Antes do exame final, ele veio me procurar. Estava cheio de dúvidas, temendo pelos amigos que não podia proteger, pelas vidas que se perderam na Vila da Providência. Disse a ele que um verdadeiro Senshi é reconhecido por dar sua vida pelos outros. Por mais lamentável que seja, Katsuo, Etsuko e Arata fizeram exatamente isso… E o garoto ainda não entendeu.

— Ele é jovem demais para entender — Kenichi olhou para Onochi.

— Estrada sul… Eu tenho uma sugestão — interviu Onochi — Yanaho pode ter ido para a academia de mirins. 

— Poderia ser — disse Tomio — É mais perto que a Vila da Providência, se vocês se apressarem podem trazê-lo de volta a tempo. Se isso for verdade, seu sobrinho deve querer apenas um momento de paz. 

— Eu ainda acho difícil. Vamos fazer o seguinte — Kenichi andou para a saída da tenda — Pode tentar sua busca no internato. Se encontrá-lo, traga-o para cá. Como Titular da região da Vila da Providência, eu vou viajar até lá. Pode deixar que se eu encontrar meu sobrinho lá, eu lidarei com sua dispensa. 

— Aceito — confirmou Onochi, se juntando a ele na saída — Obrigado, professor Tomio. 

Com um breve aceno de despedida, o professor viu os dois partirem. Já era noite quando a dupla disparou pela estrada. 

— Se você o encontrar, voltará pra cá antes de eu chegar em casa — disse Kenichi — Vou ser sincero, quero mais é que Yanaho esteja no internato. Pois se eu encontrá-lo na Vila, ele terá feito tudo o que eu mandei não fazer. 

— Já disse que vou lidar com isso — se despediu estalando as rédeas. 

No caminho, os dois se depararam com uma bifurcação. Onochi foi pela rota à esquerda enquanto Kenichi virou na direção oposta. Os trotes apressados do cavalo que carregava o mestre de Yanaho, fez muitas horas de viagem durarem apenas algumas. 

Mesmo assim o Shiro só foi se aproximar do destino na madrugada do novo dia, ainda na escuridão com o céu aberto às estrelas, onde a luz da lua auxiliava ele junto a uma bússola. No meio do caminho da na terra, notou algumas pegadas em lama. 

O Shiro chegou nos arredores do internato na madrugada daquele dia. A estrada dava de frente para o portão de ferro na entrada. Estava escuro, nenhum Senshi estava no local entregue aos grilos, pássaros e sapos. Numa árvore rende ao muro, ele percebeu um tecido pendendo sobre os galhos. Ao iluminar os arredores com sua aura, ele reconheceu a capa vermelha, junto às partes da armadura e o cinto de couro com a espada. 

Na floresta aos fundos do internato, Yanaho estava sentado na grama. No seu colo, um quadro,  embora seus olhos estejam fixados nas estrelas do céu. Aquela tela, a tinta que secou há tanto tempo sobre seus dedos, trouxe na memória a vez em que ele abriu a porta de seu dormitório pela primeira vez.

Esperando por ele, estava um garoto mais baixo com cabelos lisos e ruivos que cobriam sua testa: 

— Opa, foi mal, pensei que estava vazio. Você deve ser meu colega de quarto. Prazer, Yanaho… Aka, por enquanto. 

— Sou… — cumprimentou com a mão contrária, escondendo a outra — Katsuo Yokujitsu. 

— Então todo mundo aqui vem de uma família de Senshis, né? — o garoto de olhos vermelhos percebia uma gota cair de trás do sujeito — O que tá escondendo aí? 

— Poxa, tá, tá — mostrou a mão suja de tinta — por favor deixa isso só entre nós.

O Katsuo mais novo revelava um frasco de tinta azul que escorria sob sua mão, arrancando a surpresa de Yanaho.

Se guiando entre as memórias, Yanaho via o mesmo rosto assustado do artista humilde, após tossir água despertando com suas roupas ensopadas nos braços dele:

— Ainda bem, que susto você deu na gente.

— A maleta. Perdemos?

— Você não saiu do rio, o Yukirama sim. Eu achei que…

— Mas… Mas como fica você? — perguntava Yanaho.

— Como fica você! — colocava as mãos em seu ombro — sua vida vale muito mais que toda minha carreira militar, tenho certeza disso — concluiu Katsuo. 

De volta a si, Yanaho recolheu os quadros na grama, ficando de pé. Ele fez seu caminho até o topo da colina, chutando as pedras que entravam em seu caminho. Cruzando uma passagem estreita, olhou para lua nova e lembrou-se:

— Deve ter encontrado muitos lugares bonitos. Um dia quero poder desenhar todos. Me fala, como é lá fora?

— Perigoso, mas tem muito o que ser desenhado. Por isso — estendeu seu punho na direção do céu alaranjado — quero fazer do mundo um lugar melhor. 

— Então estou no caminho certo andando ao seu lado — repetiu o gesto do amigo — um dia vai me mostrar mais paisagens como essa para eu produzir muitos quadros. 

— Vamos sim e mostrar pro seu pai que não é besteira. 

No topo, o vento daquela noite e os momentos eram suas únicas companhias.

— Eu estava me perguntando, desculpe falar disso mas… poxa, como se sente em relação aos Kiiro?

— O que quer dizer com isso? 

— Pelo o que me contou eles quase te mataram injustamente. Só não entendo como pode ficar tão calmo depois de tudo que passou lá. 

Yanaho caminhou até seu amigo, que rabiscava uma tela misturando o vermelho e amarelo:

— Se não confia neles, confie em mim. Tomio já nos disse que não iremos participar diretamente das ações. Além disso, também há pessoas boas em Kiiro, a prova disso é eu estar aqui hoje. 

— Diz isso pela princesa de seus sonhos que te salvou — provocou segurando uma risada — poxa. 

— Isso não tem graça — cruzou os braços desviando o olhar.

Katsuo abria um sorriso que mostrava todos seus dentes. Mais tarde, mostrou o quadro em que estava trabalhando. Um céu azul, com um sol em seu topo com tímidas nuvens, comportando um jardim cheio de flores e mata verde no inferior. Yanaho pegava na moldura arregalando seus olhos frente ao realismo do retrato:

— Isso é incrível. 

— Lembra quando nos conhecemos? Começaram a tirar sarro de mim só porque disse que minha cor favorita era o azul. Você foi o único que não viu problema nisso, então… quis fazer isso para mostrar que não há problema nenhum em gostar de qualquer cor, todas podem ser usadas para algo melhor. 

— Obrigado, Katsuo — abraçou o amigo — apesar de eu ter dito que prefiro muito mais o vermelho, hein. 

— Quanto a isso — retirou de dentro das vestes o desenho que havia começado nos dias anteriores — esse é meu. 

O quadro tinha a cor vermelho alaranjada predominante, representando um final de dia carmesim. No lado, uma colina com três sombras admirando a paisagem. 

— Foi do dia que você voltou, lembra? Estávamos vendo o pôr do sol — apontou para uma das sombras — poxa, esse é o Kazuya ele tava logo atrás da gente. 

Yanaho derrubou os quadros na grama outra vez. Seus joelhos caíram para o chão, assim como suas lágrimas deslizaram pelo rosto, precipitando sobre a tela do pôr-do-sol.

— Eu fiz isso para me lembrar do que você disse. Eu realmente quero acreditar e dar tudo de mim como você faz, para que eu possa visitar e pintar diversos lugares do mundo. Isso me dá até… vontade de lutar!

Seus ombros estavam pesados. Desabando no chão, o som do seu choro se unia aos outros barulhos daquela noite. Depois, seus prantos sussurrados se transformaram em gritos.

— Por quê? Por que teve que ser assim? Mãe, me fala qual o motivo do mundo ser assim?

Ele ergueu os punhos contra o chão. Os soluços contraíram sua barriga, travavam sua garganta. Quando terminou de socar a terra, ele voltou a cair, antebraço sobre a testa. Só havia o barulho da soprar novamente… Até que ouviu passos vindo de suas costas. 

Yanaho se levantou rapidamente. Bateu a terra das suas roupas, procurou uma pedra para se defender. Pensou ter ouvido algum rosnado, mas os grunhidos de esforço eram inconfundíveis. Um corpo pesado, iluminando os arredores com a luz de sua aura da cor da lua daquela noite. Imediatamente o jovem limpava seu rosto inchado e molhado, indagando com a voz rouca:

— Onochi? O que está fazendo aqui? 

Yanaho estava do jeito que o havia encontrado pela primeira vez. A mesma camisa vermelha surrada, o mesmo cabelo bagunçado, apesar de menor, e completamente desarmado. Recuando a sua aura, ele percebeu o aprendiz escondendo o rosto e virando de lado.

— Olha, eu vim aqui porque tinha esquecido uma coisa, mas já to voltando. Está tarde — permaneceu se esquivando com a voz tremûla — é melhor… é melhor você ir embora, eu só preciso de um tempo sozinho. Se você não for então eu… — foi então que sentiu o toque em seu ombro. 

Onochi virou seu aluno lentamente, depois abriu os braços. Yanaho não ergueu o olhar. As lágrimas apenas rolaram do seu rosto, na medida em que seus braços agarravam seu mestre com força.

— Estou aqui — Onochi retribuiu o abraço — vai ficar tudo bem. 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

 

 

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora