Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume IV – Arco 11

Capítulo 96: Até o Fim

O internato dos mirins reserva um terreno atrás das montanhas ao fundo. Embora a maior parte deles passem a noite guardando posto ali para exercícios, a turma chegava ali carregando caixotes nas mãos, outros à cavalo, mas todos liderados pelos três professores do momento.

Eles atingiram o topo de uma pequena colina. Era possível ver todo o campo abaixo, tomado por árvores, mas com mastros se destacando acima delas e exibindo alvos de madeira. 

Enquanto os mirins jogavam as caixas no chão, Iori apontava:

— Abaixo está o circuito de obstáculos. A equipe que descer, terá que permanecer junta e acender os alvos na ordem da rota traçada no mapa.

— Os escolhidos já possuem o mapa — disse Tomio.

Entre os alunos escolhidos, Yanaho e Usagi sacaram seus mapas, entrando em uma fila para descer a montanha. 

— O restante sigam os projetos que receberam — Arata chutava uma das caixas — No campo de batalha terão que fazer isso sob fogo pesado. Sem tempo para conversinha.

O grupo que descia a montanha já estava pronto, quando Umi descobriu o mapa no bolso de seu uniforme, correu até eles antes de ser interceptada por uma voz grossa.

— Concentre-se — dizia Iori vindo de trás com as mãos no bolso — não há tempo para intrigas! — gritava como se estivesse falando com todos.

Umi soltou um suspiro forte seguindo em frente, o grupo já havia começado a descer para o bosque. Jin e os outros abriram a tampa das caixas com suas espadas.

Tomio sentou em uma pedra, puxou uma ampulheta e a virou de ponta cabeça ao seu lado.

— Rápido — ordenou Iori — O primeiro alvo é acendido em meia hora!

Tsuneo atravessou seus parceiros e tomou a base para si. Enquanto a plantava no chão, Katsuo abriu o pergaminho com o projeto.

— Tem um encaixe para a balista — disse até erguer a cabeça e ver o grupo puxando martelos e pregos — Assim não, poxa.

Ele correu para intervir, mas Etsuko o empurrou:

— Cada um com o seu, tampinha. Temos que ser rápidos! 

Katsuo encarou os professores, porém nenhuma intervenção veio deles. Effei e Kento foram ao trabalho e já estavam quase terminando de montar. A única equipe sobrando eram Jin, Yachi e Emi, que estavam operando as duas caixas que sobraram.

— Eu nem sei que desenho é esse — se queixava Emi, colocando o papel contra o Sol — O que é isso?

— Você faltou a aula de novo? — perguntou Katsuo, virando o pergaminho nas mãos dela para a posição correta.

— Isso é um saco, pode montar para mim? — se espriguiçava — Pode deixar que eu atiro. A Masori me ensinou direitinho.

— Essa é a parte mais difícil — comentou Jin, plantando a base — Aposto que nunca atirou com uma balista antes, não é como um arco. 

— Você fala demais pra alguém que não consegue atirar nada e nem montar nada. 

— Esperem — disse Katsuo — É só entender onde as coisas se encaixam.

O garoto tomava a iniciativa, contornando a briga entre os dois que prestavam atenção em sua montagem. 

Abaixo da colina o grupo que cumpria o circuito dividia-se em dois, mais a frente estavam ombro a ombro, enquanto a retaguarda se posicionava em triângulo invertido. Do alto, Tomio gritava suas ordens.

— Atenção! — gritava Tomio para os agentes —  Rapidez e eficiência! Divisão não será tolerada! Foco total. 

O pisar da linha de frente ativou a primeira armadilha. Uma cama de espinhos que brotava da grama, mas que bateu nos escudos unidos da tropa. 

Yanaho estava na retaguarda, na base do triângulo, quando pisou em falso. Era um buraco escondido no terreno. Com sua espada, ele fincou nas paredes de terra. Abaixo dele havia carne crua. Tapando nariz, ele escalou de volta ao topo.

Poucos passos depois, a linha de frente parava.

— Cheiro de óleo — comentou Yukirama.

— Eu não sinto o cheiro de mais nada — comentou Yanaho — Mas… Espera. 

O aprendiz de Onochi sentia no seu radar uma energia de sua cor. Não estava na formação, mas todos sentiam. Estava próximo do primeiro mastro, uma pilha de entulhos. Yanaho, se agachou entre os entulhos pegando duas das várias pedras lisas que estavam escondidas:

— Já temos como acender as bandeiras.

— Tem mais aqui — Yukirama puxou uma lâmpada a óleo usada. 

Com sua espada e uma faca menor, ele riscou as duas criando uma faísca que cresceu em sua mão até virar uma bola de fogo.

— Nem sempre vocês terão todas as ferramentas dadas pelos professores no campo de batalha — provocou Yukirama — Tem que aprender a sobreviver no improviso.

— Não subestime o garoto — sorria Usagi, acendendo uns gravetos com o fogo nas mãos de Yukirama — se está aqui é para usar — acendeu a bandeira.

Quando atingiram a segunda bandeira, Yanaho assoprou um fraco kazedamu nas mãos de Yukirama, arrancando um pedaço do fogo na palma de seu colega e o jogando no mastro.

— Improviso, né? — provocou Yanaho.

— Comigo fica fácil — respondeu Yukirama.

— Consegui! — um grito surgiu de trás deles.

Yanaho e Yukirama retomaram a postura, quando encontraram Nakama com os joelhos no chão debruçado sobre a fogueira que acabara de criar com as pedras. 

— Ótimo, Nakama — respondeu Usagi, o erguendo do chão — Agora coloca lá em cima. 

— Ah, eu ainda não aprimorei o bastante para manipular fogo — olhava de um lado para o outro — não tem nenhuma vela por aí? 

Usagi reagiu levando uma palma da mão ao rosto, balançando a cabeça de um lado para o outro. Com as primeiras bandeiras sendo acesas, os responsáveis pelas artilharias trabalhavam em conjunto na enfrentaria. 

Por sua vez, Emi tentava encaixar as peças no lugar, antes de a base ceder derrubando tudo. 

— Ah, eu desisto! — chutou o equipamento.

Enquanto Katsuo retomava a construção da balista em seu lugar, Jin e Yachi tentavam a sorte, mas tudo que podiam fazer era observar o que ele fazia, copiando da melhor forma.

— Não quer falar sobre a Umi? — perguntou Yachi, pegando as cordas do atirador da caixa.

— O que tem para falar? Ela é sempre assim. 

— Irmãos deveriam proteger um ao outro — amarrou as cordas em cada ponta do arco — Pensa pelo lado positivo, vão para o mesmo fronte. 

— Nem somos irmãos de verdade — corrigiu o ângulo do atirador. 

— Pare de blefar — Yachi apontou para a direita — comemore pela sorte de estarem juntos.

— Eu teria sorte se estivesse bem longe daqui, já ela teria se eu sumisse da frente dela.

— Às vezes eu penso a mesma coisa do Nakama, mas — Yachi e Jin pegaram cada um uma ponta do arco, puxando até o limite — uma vez meu pai me disse que irmãos sempre copiam uns aos outros.

Eles puxaram até o final travando o mecanismo. Aiko apareceu pouco tempo depois, posicionando os virotes para cada balista montada, ao tempo que Yachi continuava:

— Eu tentei proteger Nakama do serviço militar e agora eu tenho uma pulseira e ele não. Pense que essa batalha é mais uma chance de se protegerem.

— Ela se importa demais com o pai dela. O problema é que ele queria que eu fosse Senshi, tudo porque o meu pai foi um dos grandes. Ele morreu em combate e a minha mãe me entregou pro primeiro que prometeu me fazer que nem ele.

— Iori e seu pai deviam ser próximos. Senshis podem assumir os filhos de seus parceiros caídos, até as esposas se quiserem. Ele só estava tentando proteger a sua família.

— Ele tá de boa. Culpo a minha mãe, ela nem sequer perguntou se era isso que queria.

— E a Umi? Já perguntou para ela o que ela quer?

Jin encarou Yachi com estranheza, até chacoalhar o pensamento da sua mente:

— Nada. Ela quer aparecer, isso sim.

A ampulheta derramou toda sua areia. Pouco depois o primeiro alvo já podia se ver cremando.. 

— Atenção! — gritou Iori — Os preparativos acabaram. Atirem à vontade, um de cada vez. 

Os primeiros a moverem sua balista foram Effei e Kento. O primeiro alinhou a mira. O mecanismo rangeu, mas ficou frente a frente à bandeira em chamas a leste. Já o segundo inclinou o mecanismo para o ângulo correto e disparou.

O virote cortou o céu daquele dia. A próxima imagem foi a beirada do pano se rasgando, separando-se do mastro. 

— Isso — Effei bateu as mãos com seu parceiro.

— Bom — Iori puxava sua luneta — para um iniciante. Um pouco fora do alvo. O equipamento está mal montado. A inclinação não chega até o final, algo está travando.

— Eu consigo sentir nossos homens em terra — interrompeu Tomio — Eles ainda estão juntos.

— Vamos ver quando encontrarem nossa maior surpresa — respondeu Iori, se virando para a segunda dupla — Tsuneo, e você aí, o alvo ao lado. Agora.

Etsuko apoiou as mãos espalmadas na balista, riscando a terra com seu empurrão até alinhar com o alvo. Da mesma forma, Tsuneo jogou todo seu peso em cima do mecanismo para inclinar a mira no lugar adequado.

O disparo acertou a bandeira em cheio. O tecido se dissolveu no ar graças ao fogo. Poucos segundos depois, o compartimento da flecha se descolou da base, caindo no chão.

Tomio e Arata trocaram olhares. Iori apenas suspirou:

— Foi um bom tiro, Tsuneo, mas se quiser ser como seu irmão precisa parar de pular etapas. A esquemática da balista não foi para enfeite — cruzou os braços — O tempo que ganharam numa montagem mal feita, vocês perderam para alinhar o tiro. Com esse atraso o inimigo choveria fogo contra nós. 

Etsuko sentou ao lado da base, com o rosto fechado. Tsuneo chutou o chão e se juntou a ele. Já Emi movia sua arma com leveza, antes mesmo de vir a ordem:

— Pode deixar comigo. Essa aqui vai ser moleza!

— Espere! Eu…— Iori tentou avisar, mas Emi disparou o virote.

O projétil sequer passou perto da bandeira. Tendo acompanhado tudo ao lado da parceira, Katsuo levou as mãos ao rosto:

— Não é possível.

— Essa balista tá horrível! — protestou Emi — Eu nunca teria errado isso.

Iori se aproximou da arma, olhou dos dois lados e balançou a cabeça de um lado para o outro:

— Foi construída perfeitamente — se colocou na frente da garota — seu tiro fora de hora será perdoado apenas por isso! 

— Ah, qual é?! — Emi jogou os braços para cima.

— Bom trabalho — disse Tomio para Katsuo — Da próxima vez sejam mais pacientes no tiro. 

Katsuo sorria, enquanto Etsuko resmungava cruzando os braços, indo em direção ao garoto e dando-lhe um tranco por trás repentino. 

Nakama riscava duas pedras em cima de uns gravetos que recolheu até que uma faísca surgiu. 

— Consegui! Consegui!

Ele armou uma pequena tocha com a lenha e acendeu a bandeira.

— Demorou — comentou Kazuya — Eficiência e rapidez, lembre-se. 

— Bom eu… — entristeceu sua face.

— Bom trabalho, Nakama — interrompeu Usagi batendo nas costas do mirim — Seu irmão vai ficar orgulhoso.

Vindo do meio da mata, um rosnado alertou os mirins para uma única direção. Assim que Usagi tomou a frente do grupo, um tigre saltou por cima dele. Os dois caíram no chão, com a mandíbula da fera sendo segurada pelo mirim mais velho.

— Usagi!

Yanaho uniu as mãos, porém Masori disparou antes. O animal enfraqueceu suas presas, permitindo que Usagi o chutasse. Ele continuou cercando o grupo, rosnando enquanto deixava um rastro de sangue pelas flechas que encravam na sua pele. 

— Ainda não acabou — Masori recarregou as flechas — Tenham cuidado, senão…

Kazuya atravessou seus colegas e tomou o tigre com os próprios braços. Sem nenhum grunhido de esforço ou dor de sua parte, ele meteu as mãos em sua boca e deslocou seu pescoço pelas mandíbulas, o colocando para descansar calmamente na terra.

— Mas o que é isso? — perguntou o mirim, olhando os outros boquiabertos — se espantaram ao redor. 

— Animais encurralados são perigosos, mas fáceis de vencer — respondeu Kazuya tranquilamente, repousando o animal morto ao chão.

— É, então…  rapidez e eficiência né? — disse Nakama saindo de trás de Yukirama — Posso levá-lo? 

— Você não tem força para levar — Kazuya ficou de pé.

— Eu faço isso — Usagi colocou o tigre nos ombros — Yachi vai querer oferecê-lo, né Nakama?

Com um breve aceno, Nakama confirmou e depois olhou para cima, vendo um virote disparado acertar a última bandeira acendida. Em poucos minutos, todos fizeram seu caminho de volta ao topo da colina.

— Eles conseguiram — Arata encarou Iori — Acho que mereceram uma folga.

— Era esperado. Esse grupo tem talento — cruzou os braços — Tudo bem, vocês estão dispensados hoje a noite. 

— O quê? — todos perguntaram em uníssono.

— Seus professores me propuseram uma pausa. Nos próximos dias seremos enviados e vocês tiveram resultados satisfatórios. E além do mais, já sabemos para onde cada um será designado.

— Não se animem muito. Está longe de ser uma folga comum — alertou Tomio — Vocês terão as dependências do internato somente para vocês. Isso inclui a proteção do território. Considerem isso uma vigília especial.

— Nossas ordens são para nos reunir com a cadeia de comando responsável pelas batalhas no próximo dia e entregar as designações dos mirins — complementou Arata — Isso significa que logo logo irão se separar. Vocês prestarão auxílio aos Senshis Titulares que ficarem — Dispensados!

Alguns mirins ousaram abrir um sorriso, outros tiveram a felicidade da notícia tirada deles pois a hora da partida se aproximava.

O sol partia do horizonte, a noite vindoura era festejada por estrelas no céu sem muitas nuvens para atrapalhar a vista. No acampamento dos mirins, uma fumaça subia de uma fogueira grande e central onde alimentos eram esquentados. Porém poucos eram os jovens que cuidavam do fogo. 

Alguns se distraiam em um pique, outros contavam histórias entre si, até tinham aqueles que testavam habilidades em um combate, aproveitando do tempo livre. 

No momento que Yanaho e outro mirim disputavam espaço em uma luta corpo a corpo no chão, uma voz reconhecível a todos ali surgiu com sua sombra refletida pela fogueira: 

— Ei, ei, ei! É assim que vocês folgam? 

O sujeito escondia uma garrafa no qual retirou a rolha liberando a espuma da bebida, ao tempo que Arata concluiu sua fala sorridente:

— Aceitam?

Todos se reuniram para mais próximo do professor, que distribuía a bebida nas canecas com uma dose aceitava para cada um que estivesse disposto a tomá-la. Os que não queriam ficavam ao redor da fila que se formou próximo a fogueira.

— Quando o comandante Iori descobrir disso, vai ficar irado — comentou Etsuko, ao tempo que cheirava a bebida. 

— Foi com ele mesmo que consegui uma dessas. Ele ficou naquele blábláblá de sempre, mas finalmente concordou comigo. 

— A respeito de que? — perguntou um dos mais velhos. 

— Sobre o fato de vocês serem muito novos para isso tudo — a tensão aumentava ao tempo que a bebida se esgotava — isso aqui, não chega nem perto do que terão de lidar daqui pra frente. Vocês, crianças terão que se tornar homens e mulheres da noite pro dia, seja por bem ou por mal. 

— Professor Arata, como é a guerra exatamente? — perguntou Tsuneo virando um gole. 

— Olhe ao redor, o que você vê? 

— Bom, árvores? — sugeriu Jin. 

— Pessoas? — palpitou Effei. 

— Exato, Effei — estendia os braços — mas você consideraria que este ambiente onde estamos está vazio? 

— Claro que não, estamos unidos como amigos — respondia colocando a mão no ombro de Usagi — tem alegria, barulho. 

— Exato, estamos cheios de vida, mas a guerra — arremessou a garrafa vazia no fogo — apesar de ser um ambiente com muitas pessoas, muitos olhares, muito barulho… é completamente vazia. 

— Vai além disso — levantou a voz Yukirama — além de ser um vazio, ela nos esvazia, atingindo os outros que estão perto de nós. É como uma sanguessuga de vida. 

Aiko levava a mão a boca assustada, ao tempo que Usagi a tranquilizava, Yanaho se levantava enquanto outros trocavam olhares perplexos. 

— Como adivinhou caro Yuki? — desdenhou o professor — Por acaso já participou de uma? 

— Meu pai foi morto em um conflito provocado pelos nossos atuais aliados — apontava para o professor — não venha me dizer que preciso viver uma guerra para senti-la! 

— De novo não — sussurrou Masori se colocando à sua frente. 

— Professor — Usagi aproveitou a deixa — estávamos conversando ontem, e eu me prendi a um ponto: Sou um futuro Senshi, eu me alistei para proteger pessoas e não o contrário. Afinal, matar ou morrer é um dilema assassino, muito distante de meu real objetivo. 

— Às vezes, proteger e matar são a mesma coisa — interrompeu Yanaho — Eu realmente preferiria que não fosse assim, mas preciso alertar vocês de que o outro lado não irá pensar duas vezes.

— “Matar ou morrer” — cresceu a voz Kazuya — isso não é sobre assassinos, mas sim sobre a natureza, a selva — apontou na direção contrária dos mirins — o vencedor saboreia a derrota do perdedor.

Virando-se Usagi contemplava a fumaça de outra fogueira surgindo entre as árvores, na qual exalava um cheiro de carne queimada além do ponto.   

— Yanaho não nos contou a respeito da batalha em Kiiro — indagou Umi — você teve sorte de voltar vivo já que bom, foi o único, mas… teve que matar alguém? 

— Não — encarou a cicatriz em sua palma. 

— Sorte — desdenhou Kenkushi — acha mesmo que existe sorte na guerra? 

— Chega vocês! — interrompeu Arata — Tanta curiosidade em volta de algo tão repugnante — bebia o professor — por isso não trouxe meus filhos para esse caminho. Vocês são crianças, crianças loucas! 

— Já tá bêbado? — Questionou Jin. 

— Ele tá é fingindo! — sinalizou Emi.

As falas e cochichos dos mirins fizeram Arata rir de canto, se levantando com seu copo estendido.

— Minha intenção aqui não é assustá-los, quero todos vocês prontos. O que me ajudou muito quando participei de algo parecido, foi imaginar: Como estarei depois disso tudo, o que vou me tornar quando passar por isto. E cá estou aqui hoje. 

Se colocava no meio de todos os jovens ali, que trocavam olhares entre si, quando o professor finalizava seu pequeno discurso:

— Quero que pensem nisso, se possível falem, foquem complemente apenas no que vocês irão se tornar!

— Quero formar uma família — se levantou brindando com Arata — sei que sou novo para ter um objetivo nobre, porém isso nunca saiu de minha cabeça — sorria Usagi trocando olhares com Aiko. 

A garota unia suas mãos arregalando os olhos com as bochechas rosadas, porém Etsuko cruzava os braços entrando na frente dos olhares do mirim que brindava: 

— Ainda nem é um Senshi e já tá jogando a toalha, Usagi? Eu quero passar por essa primeiro, depois eu vejo bem o que vou fazer.

— No meu caso acho que vou me aposentar também — dizia Emi levando as mãos por trás da nuca — já vou ter mantimentos suficientes para me sustentar mesmo. 

— É bom que aposentam — sinalizou Umi brindando — assim não vejo mais a cara de vocês — revirou os olhos para Jin. 

— Se algo como a sorte existe no campo de batalha, eu não sei — se levantou Yanaho — mas eu quero ter a sorte de poder encontrar todos vocês quando isso acabar.

— Esse é o espirito colônia de férias — os mirins acumulados tocavam suas canecas com a do professor — pensem bem sobre isso, e se apeguem no que precisar para chegarem no que almejam! 

— Certo! — responderam todos juntos, entornando a bebida goela abaixo.

Após a conversa, Arata seguiu para seu dormitório acenando aos mirins que continuavam em sua vigília. Eles repararam na outra fumaça que subia com cheiro forte de incenso, espreitando pelas densas árvores, viam os irmãos Yachi e Nakama junto com outros, meditando ao redor da fornalha que cremava o corpo do animal morto por Kazuya. 

As meninas retornaram ao tiro ao alvo, os mais velhos se agrupavam para uma queda de braço. Olhando ao redor, Yanaho sentia falta de Katsuo seguindo a sua procura. Enquanto isso, Jin percebia todos se distraindo juntos, ao tempo que suas mãos ficaram trêmulas. 

Ao passo que o sacrifício de Yachi subia aos céus por meio de suas cinzas, Jin se afastou dos rapazes, rumo aos alvos públicos. Observando de longe, ele via Masori ensinando Emi, enquanto sua meia irmã se distraía com a disputa de braço de ferro entre Tsuneo e Usagi. 

Quando Usagi desceu o punho sobre seu oponente, Masori gritou acenando para aljava vazia em suas costas. Umi interviu, se distanciando de todos ali, foi então que o garoto que observava a seguiu até o arsenal mais próximo.

Umi recolhia as flechas em uma bolsa. Ao se virar deu um pequeno salto, quando Jin estava parado bem na frente dela:

— Quer me matar do coração?! Dá licença.

— Calma, eu quero falar com você — a segurou pelo braço.

— Fica longe de mim — se afastou — O que ele falou para você?

— Seu pai não falou nada!

— Por que disso então? — cruzou os braços — veio choramingar de novo? Claro, tudo é mais difícil pra você. 

— Vim pedir desculpas.

Umi contorceu o rosto e recuou do irmão:

— Você tá bem?

— Desculpa por parecer não me importar com nada. Me preocupei tanto com essa história de não querer ser como meu pai, que agora eu mal sei o que quero ser depois disso tudo. Mas, não quero ser um obstáculo para você ser uma grande Senshi!

— Jin — ergueu sua cabeça pelo queixo — Eu também não queria ser Senshi.

— Quê? Então por que me dava broncas? Por que está aqui todos esses anos afinal? Seu pai nunca quis que você…

— Eu vi o medo nos seus olhos no dia do alistamento. Pode ter certeza que sabia bem o que estava sentindo. Se o problema pra você foi ter nascido do pai errado, então queria ter certeza de que pelo menos teria a irmã certa.

— Obrigado — abraçou ela de supetão — Você não precisava ter feito isso.

— Eu aprendi a lidar com isso tudo Jin, e ainda acredito que você pode conseguir como eu, por isso precisamos ficar juntos — afastou-se do abraço — Muitos também não queriam a guerra, mas todos darão o seu melhor.

— E mesmo assim todo mundo pode morrer — encarou o chão.

Umi pegou em seus ombros batendo com as costas de Jin contra a parede o assustando:

— Nesses três anos eu aprendi a lidar com o internato. A guerra é só outra coisa nova. Eu lidando, você promete lidar também?

Jin engoliu seco, olhou para os lados ainda cabisbaixo.

— Promete ou não?! 

— Tá, tá, mas me solta — se livrou dos braços da irmã — Junto, eu aceito. Mas isso vale pro seu pai também. Comigo aguentando, então você também tem que aguentar ele. 

— Certo — puxou as mãos do irmão, fechando acordo — Até essa guerra acabar a gente fica junto. Agora me deixa voltar, senão a Masori vai me engolir viva.

A garota partia, enquanto Jin a acompanhava de trás refletindo:

“Até essa guerra acabar…”

Correndo ao dormitório, Yanaho cuidava de seus passos nos corredores para não chamar atenção, abrindo a porta de seu quarto notava uma lamparina acesa com o amigo que procurava se virar com um sorriso no rosto. 

— Estão todos lá fora Katsuo, é momento pra relaxar não ficar so… 

— Terminei! — interrompeu mostrando suas mãos cheias de tinta. 

Abrindo caminho, a mesa iluminada contava com um quadro enorme. Um céu azul, com um sol em seu topo com tímidas nuvens, comportando um jardim cheio de flores e mata verde no inferior. 

Yanaho pegava na moldura arregalando seus olhos frente ao realismo do retrato: 

— Isso é incrível. 

— Lembra quando nos conhecemos? — colocou a mão em seu ombro — começaram a tirar sarro de mim só porque disse que minha cor favorita era o azul. Você foi o único que não viu problema nisso, então… quis fazer isso para mostrar que não há problema nenhum em gostar de qualquer cor, todas podem ser usadas para algo melhor. 

— Obrigado, Katsuo — abraçou o amigo — apesar de eu ter dito que prefiro muito mais o vermelho, hein. 

— Quanto a isso — retirou de dentro das vestes o desenho que havia começado nos dias anteriores — esse é meu. 

O quadro tinha a cor vermelho alaranjada predominante, com o sol no centro representando um final de dia carmesim, no qual no topo de uma coluna existiam três sombras em preto. 

— Isso é… 

— Foi do dia que você voltou, lembra? Estávamos vendo o pôr do sol — apontou para uma das sombras — poxa, esse é o Kazuya ele tava logo atrás da gente. 

— Como consegue lembrar de tanto detalhe? — pegou o quadro admirando. 

— Eu fiz isso para me lembrar do que você disse. Eu realmente quero acreditar e dar tudo de mim como você faz, para que eu possa visitar e pintar diversos lugares do mundo. Isso me dá até… vontade de lutar!

— Katsuo, eu preciso admitir — estendeu o punho — ter te conhecido é uma honra, o mundo precisa de pessoas como você, obrigado. 

— Na verdade eu que devo agradece, poxa — tocou no punho — você querendo ou não é uma inspiração para mim aqui dentro, tenho certeza que outras pessoas sentem o mesmo. 

Yanaho então entendeu seu braço na direção do peito de seu amigo: 

— Vamos passar por essa! 

— Sim! E, mostrar para meu pai né! — apontou para os quadros na mesa. 

Os dois gargalharam ao tempo, que as risadas tomaram os corredores sendo ouvidas por um dos instrutores que se virava na cama sem conseguir pegar no sono.


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.



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