Volume III – Arco 10
Capítulo 87: Nossa Cor Pt.1
O alçapão que descansava sob a arena de combate se abria, rasgando as arquibancadas mais baixas, exceto pelo camarote. Boa parte dos chefes de facções envolvidos tropeçaram para a armadilha do Chefão.
Enquanto isso, Noriaki e Mitensai corriam para os assentos superiores, porém a encapuzada com uma cobra entrelaçada em seu braço permaneceu com os olhos vidrados nas ruínas da arena.
— Isso foi planejado. Esse assassino quer acabar com todo mundo de uma vez — subiu no parapeito.
— E você vai morder a isca? — questionou Noriaki — Ele deve matar todo mundo aí embaixo, o Dai é o único que tem alguma chan-
Ignorando o aviso, Masai saltou em direção a fumaça. Noriaki correu para a beirada, mas era tarde demais.
— Dai vai precisar de toda a ajuda que conseguir — disse Mitensai, até que viu seu amigo correndo pelo labirinto abaixo — Dai! Você tá bem?
O órfão então foi puxado pela camisa por seu companheiro e arrastado para debaixo dos degraus que separavam as fileiras de assentos. Flechas começaram a voar sobre suas cabeças. Arqueiros cercavam o labirinto pelas arquibancadas.
— Estamos encurralados. O Chefão, quer acabar com tudo aqui e agora.
Observando tudo, Dai conjurou uma planta para subi-lo sobre o labirinto, mas foi alvejado por todos os lados. As flechas romperam o caule em seus pés. Ele precipitou para onde estava.
— Mitensai, Noriaki! Droga, eu tenho que sair daqui — socou o chão, percebendo a terra úmida e musgos ao redor — Este lugar… se minhas plantas nasciam daqui, deve passar água. Mas como?
De repente a parede na frente de Dai se despedaçou. Akira cruzava o buraco que abrira no labirinto. Nas mãos ele carregava dois cadáveres desconhecidos, os quais jogou em cima dos tijolos.
— Ainda não terminei com você — disse andando em sua direção..
Akira avançou puxando seu braço para trás num impulso para socá-lo. Dai recuou os braços para se proteger, porém seu oponente inclinou os ombros para baixo, erguendo ele do chão por uma de suas pernas. Como um boneco de pano, o Chefão o balançou de uma parede para outra, ao longo do corredor.
Um homem pulou da esquina de um passadiço sobre as costas do Regente. Dai foi jogado de lado. Apoiando-se nas paredes, ele reconheceu o sujeito que esfaqueava o Chefão com sua faca no cabo de uma escova de cabelo.
— Kaganshi? Você…
— Achou que eu teria medo de novo? Tenho certeza que sim!
O chefe de facção deposto foi arremessado ao chão e chutado de volta para Dai.
— Se é para eu perder tudo — Kaganshi se levantou apontando o pente ensanguentado — Que seja para o garoto e não para você de novo!
— E o que um cara como você, pode fazer comigo? — Akira riu.
— Sou um covarde, não venho sozinho.
Haruto e mais um trio de homens apareceu, empurrando Akira contra a parede com suas espadas. Ele usou seu antebraço e punhos cobertos por madeira para se defender, abrindo seus membros superiores para os lados, os jogando nas paredes.
— Dai, escuta, precisa recuar — avisou Kaganshi, correndo para ajudar.
— Do que está falando? Essa luta é minha! — respondeu Dai.
— Por isso mesmo cara, se você for morto todos nós perdemos de uma vez só — gritou Haruto, disputando força com o Chefão — Dá o fora daqui.
Dai tomou a primeira saída. Percorrendo o labirinto, ele encontrou os outros chefes cercados por guardas a mando de Akira. Um conflito aberto, que já deixava cadáveres pelo caminho. O jovem apenas abriu caminho, acompanhando a acumulação dos musgos nas paredes.
Encerrando seu caminho no limite do labirinto, Dai levou as mãos aos joelhos encontrando uma barragem de mármore. Ela era apoiada por polianas de cordas trançadas. Notava água escorrendo pelas brechas.
“Merda, não devia ter chegado nesse ponto. Estão lutando por mim, só por que estou com suas terras, isso tudo precisa… ”, sua reflexão foi interrompida.
— Este lugar foi construído debaixo de um lago — uma voz se fez ouvida pelo corredor.
Dai procurou pela voz, encontrando um rapaz com o rosto escondido pela máscara de um fantasma, indo em sua direção o pressionando sob a parede com um escudo.
— Eu te conheço — disse Dai, repelindo a ofensiva com sua espada.
— Quer nos jogar no caminho mais difícil quando vencer? Onde essa matança vai parar? — a pergunta fez os olhos de Dai saltarem.
— O caminho mais fácil nos deixa indefesos contra o mundo lá fora. Podemos nos apresentar como aliados, antes que pensem na gente como inimigo ou qualquer outra coisa.
— Os azuis já nos vêem assim. O que impede os outros de fazerem o mesmo?
— Eu tenho pessoas ao meu lado — direcionou seus olhos para trás.
Os dois disputavam espaço até que o mascarado de escudo se afastou, se colocando entre os corredores, apontando com o dedo:
— Tem duas barragens para subir a água até o nível máximo. Vai encontrar a segunda do outro lado.
As plantas controladas por Dai se enrolaram ao redor das roldanas. O mecanismo estava travado e agora obedecia ao comando do iro do desafiante. Haruto se chocou com a parede ao lado dele. Dai correu para o corredor e encontrou Akira com Kaganshi segurado pelo pescoço.
— Este é o povo Midori que quer se apresentar para o mundo? Que ridículo. — deixou Kaganshi escorrer pelos dedos e cair no chão — Já pode puxar aquelas suas plantas. Essa espada na sua mão não pode me ferir.
— Dai, você tem que sair daqui! — gritou o líder de facção com sangue escorrendo de seu nariz.
Dai ignorou riscando o ar com sua espada, que colidiu no antebraço do Chefão. Ele continuou provocando sua defesa, até que Akira rodou o braço em um soco apenas para ser agachado. O contra-ataque do desafiante veio riscando sua coxa, o colocando no chão de um joelho só.
Um cipó se entrelaçou na cintura do Chefão, o puxando contra a parede. Dai cerrou os punhos, sua aura crescia. O labirinto estremeceu, na medida em que o barulho de uma forte corrente se fez ouvir.
Ao seu comando, a barragem foi aberta e a água inundou o labirinto, mas ele ainda subiu naquela que estava ao seu lado, deixando a onda varrer o corredor com o Chefão junto. Quando todo o volume escoou pelo local, a água batia nas coxas dos lutadores.
Kaganshi e Haruto emergiram do ataque surpresa. Os três seguiram o rastro da onda que acertou Akira, que já estava de pé, até o coração do labirinto.
Com um soco no chão, ele espalhou uma onda por todos os lados. Dai a dividiu com uma barreira de vinhas, protegendo seus companheiros, e então correu ao encontro de Akira. A água caía de volta ao labirinto, enquanto os dois colidiram espada e mãos.
— Quando eu era jovem pensava a mesma coisa que você — dizia o Chefão — Que se eu lutasse com mais força, se esse lugar fosse mais civilizado, eles nos aceitariam.
— Não me compare a você, é um assassino!
— Todo o sangue que derramei na juventude foi o meu jeito — acertou um soco no estômago — Ninguém me ensinou sobre essa energia dentro de mim. Mesmo assim, eu juntei um exército e chutei os azuis para fora deste lugar.
— Você fala como se todo este lugar fosse uma conquista! — revidou, mas seu corte passou no vazio.
— E ele era! — acertou dois socos na cabeça de Dai, o jogando no chão — Até eu conhecer o que me esperava do lado de fora.
Vindo pelas costas do Chefão, Masai acertou seu cajado na sua cabeça. Sua serpente se enroscou no objeto para chegar ao pescoço de seu alvo, mas foi jogada no chão com um tapa de Akira. A bruxa puxou uma faca que parou a centímetros no rosto dele, respingando o veneno em sua lâmina, impedida somente pelos braços fortes de seu inimigo.
— Eu vou te matar!
— Está me ouvindo garoto? — Akira esmagava o pulso de Masai até largar a faca — Quando ganhamos nossa independência, fui até os vermelhos e amarelos, provar nosso valor. Midori era civilizado agora, eu dizia.
Ele rodou a bruxa no ar até bater com ela na água. Então, Akira caminhou até Dai, indefeso no chão.
— Mas eles não queriam saber da gente. Exceto por uma pergunta — pisou em seu peito — Vocês ainda são aquele lugar supersticioso? Ainda se misturam com bruxas e feiticeiras?
— O que você fez? — balbuciou Dai.
— Eu fiz como você, dei ouvidos a eles.
Masai voltou a atacá-lo com um chute nas costas. Akira saiu de cima de Dai, que jogou a cabeça para o lado, procurando por apoio. Os outros estavam feridos demais para atacar. No entanto, o mesmo mascarado de antes observava a luta, sentado em cima de um dos muros do labirinto.
Akira tomou o cajado de Masai, o partindo com as mãos:
— Quando voltei, este discurso já tinha dominado as mentes de todos em Midori. Eu não cacei as bruxas sozinho — começou a bater nela com os pedaços — Mas nem isso foi o bastante para o mundo lá fora. Continuamos selvagens, só estamos mais imersos no sangue dos nossos.
Dai ficou de pé. Reparando que o mascarado já não estava mais lá, ele respondeu:
— Midori não precisa ceder aos outros países.
— Vindo de alguém ajudado por um Shiro e um Aka, só aumenta a sua hipocrisia. Seth me contou tudo. Ou você pensa que eles não terão seus próprios interesses em mente?
Masai se afastou, alcançando um frasco de seus bolsos. Dai reconheceu a substância imediatamente, conjurando plantas que envolveram Akira para afastá-lo dos outros chefes derrotados na arena.
A bruxa então arremessou o frasco. O Chefão se afastou, quando o impacto gerou uma nuvem arroxeada. Ele havia dado a volta no gás envenenado, mas antes que a luta pudesse continuar. Uma onda vinda da direção da outra barragem encobriu o labirinto totalmente.
Deixando todos que ali estavam submersos, apenas com plataformas de destroços boiando.
As arquibancadas balançaram novamente. Os arqueiros que ficaram na beirada recuaram. Um deles passou por Mitensai e Noriaki escondidos, sendo pego de surpresa pelo mais velho, que entrelaçou seu braço no pescoço dele.
— Você acha que o Dai sobreviveu? — perguntou Mitensai.
— Agora quem tem que sobreviver é a gente — respondeu Noriaki, pegando o arco e as flechas.
Os dois tomaram cobertura outra vez, se esgueirando fora de vista e atirando no restante dos arqueiros. Quando os outros se deram conta do ataque dos dois órfãos, eles voltaram a se proteger atrás das cadeiras. Asuma gritava do camarote:
— Parem de perder tempo com eles! O Regente precisa de ajuda!
Das águas que estava na altura dos assentamentos, surgiram aqueles que sobreviveram, atacando os arqueiros do lado de fora. Entre eles, um mascarado escalou com o seu escudo indo em direção ao camarote.
— Quem é ele? — perguntou Noriaki.
— Olha, o Dai — apontou Mitensai para a arena.
Com o labirinto coberto de água, no centro uma plataforma maior surgia junto com o desafiante. Demais feridos, se apoiavam nos restos como podiam. No mesmo instante Akira emergia do mar.
Dai olhava de um lado para o outro, mas não alcançava arma alguma para se defender. Sangue escorria pela boca do Chefão e sua respiração estava pausada. Mesmo assim, ele ainda continuava andando na direção do jovem.
— Eu devo admitir, não esperava que estivesse de pé ainda. Na próxima vez qualquer um de fora, principalmente aquele branquelo, que mexer com a cabeça de alguém vai receber o tratamento de um bruxo.
— Não haverá próxima vez — ergueu as mãos nuas, indo na direção do oponente.
Akira apenas desviou dos golpes secos. O filho de Hideki girou seu corpo para um chute no rosto, que passou no vácuo. Porém, encontrou a brecha para acerta-lo no corpo, Akira apenas estufou o peito.
— Olha para mim, meu corpo é o maior exemplo do que nossa cor passou — ergueu Dai do chão pelo rosto — Este mundo é dos sobreviventes. E nada que você usar contra mim vai me machucar!
Um ramo rastejou pelas tábuas, atirando seus espinhos nos olhos do Chefão, que tirou a cabeça do caminho. Dai então usou os pés para chutar-se para trás.
“Ataques diretos ainda não funcionam, mas o veneno afetou ele, está mais lento”, pensou, olhando para a água e então ficando de pé. “Eu não sei se é o suficiente, mas vou acreditar. Eu tenho que acreditar!”.
— Lá embaixo ou aqui em cima, não tem para onde fugir. E mesmo com aquele gás, não tem nem uma espada para me arrancar sangue.
— Minha próxima estocada — sua aura crescia, perdia o fôlego ao tempo que ramos entrelaçaram seu punho direito — será a última!
Os ramos na tábua se prolongaram para o antebraço de Dai, envolvendo a metade final de seu braço numa luva de espinhos. Ele puxou a raiz da água, usando o excesso como uma espada.
O próximo soco de Akira parou no revestimento do braço de Dai. Ele defendia com o braço, e contra-atacava com a raiz prolongada como uma espada até que um chute o derrubou próximo da borda da plataforma.
Mais espinhos surgiram debaixo dos pés do Chefão que saltou por cima deles em direção ao jovem. Mas Dai mergulhou na água antes de ser atingido. Akira o perdeu de vista nas águas, enquanto mais plantas envolviam a superfície abaixo das tábuas ao mesmo tempo que moviam o rapaz nas profundezas.
Ele navegava escondido na água, prendendo seu fôlego. Seu oponente dava passos, orientado pelo ondular da água em cada movimento submerso, até que ele ergueu o braço.
Com as próprias mãos ele fez um buraco na madeira, mas só havia água escura. de repente Dai foi atirado por uma abertura logo atrás. Sua mão ensanguentada segurou o tornozelo de Akira, mas sua força foi insuficiente para puxá-lo. Em vez disso, o próprio Chefão o puxou para fora.
— Ingênuo, te peguei!
Dai cerrou o punho revestido de raízes e socou o peito de Akira. Contudo o ataque sequer arranhou a pele do Chefão.
Akira soltou uma risada, preparando-se para acertá-lo com o golpe final, quando as vinhas no braço estendido de Dai saltaram para seu corpo. Os ramos se espalharam por todo o corpo do Regente, descendo até raízes que cercavam a plataforma, chegando até tudo que havia nas profundezas. Toda aquela força puxando o corpo de Akira para a água.
Libertando-se das mãos que o prendiam, Dai cuspia sangue, tendo sua visão turva, observou Akira lutar por sua vida, puxando as vinhas na direção oposta. As tábuas cediam ao seu peso, estremecendo a plataforma.
— Não vai conseguir se soltar, essas raízes além de serem as mais profundas estão amarradas nos destroços do fundo deste lago. A destruição que você causou vai ser a mesma coisa que vai te afundar.
— Seu moleque! — seu pé rompia uma tábua, caindo na água.
— Sempre soube que não podia te ganhar na força — se levantava, cambaleando — mas tive uma ideia melhor, você confiou na sua força de tal forma que nem notou que estava mais fraco por conta do veneno.
— Acha que isso vai mudar nossos destinos? — ainda sorria tentando ir na direção do garoto.
— Nada está decidido até agirmos. E eu vou começar decidindo o destino de Midori, te devolvendo para as profundezas.
O desafiante dava um passo trêmulo e sutil para trás, sendo observado por seus amigos que o chamavam. Assim que desviou sua visão enfraquecida, a madeira se espatifou por completo. Prestes a afundar, Akira livrou um de seus braços e saltou para frente, agarrando a perna de Dai. Ambos foram engolidos pelo lago escuro.
— Dai! — gritou Mitensai e Noriaki.