Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume II – Arco 5

Capítulo 36: Os Fantasmas de Seth

No arsenal escondido por baixo do Ninho da Coruja, Suzaki e Dai não tiravam seus olhos um do outro. Naquele silêncio podiam ouvir as respirações tensas um do outro. O príncipe recuava em busca de algo para usar nos armários, quando, temendo pelo pior, seu oponente avançou com toda velocidade contra ele.

O príncipe socou o vidro à sua esquerda, pegando o máximo de facas que conseguia juntar com as mãos. Arremessou as lâminas contra o Midori, que fez brotar espinhos de energia da sua espada, que interceptaram os tiros de Suzaki. 

“Com o material da minha espada ele não precisa cortar o ar para criar os espinhos”, pensou.

Dai se aproximava e, com três facas numa das mãos, Suzaki pegou uma lança no armário que quebrou, além de uma bola de pano que guardou no bolso. Suzaki tomou impulso e correndo, fincou a lança no chão, para saltar por cima do inimigo, que cortou o cabo para desestabilizá-lo. No entanto, o príncipe já estava no ar, e lançou suas três lâminas contra Dai. Uma penetrou nas suas costas, enquanto as outras foram interrompidas pelos espinhos.

“Ele é muito rápido”, pensou Dai retirando a faca das costas.

Tentou concluir um simples raciocínio, quando seu inimigo encontrou uma corrente presa a uma bola de ferro num dos armários. Suzaki balançou-a contra Dai, que rodava as duas pontas como uma hélice para se defender. A cada choque entre os metais, o viajante continuava montando mais inércia para golpes mais fortes.

O filho de Hideki desviou da bola, que atravessou o armário atrás dele, se colocando entre as correntes para acertar Suzaki, mas com uma puxada de seu braço oposto, as manilhas voltaram, entrelaçando-se no pescoço do Midori, que rapidamente cortou a corrente com a arma de duas pontas. Aproveitando a brecha, seu rival se aproximou, pegando na empunhadura de sua arma, disputando força com aquele que a tomou.

“Te peguei!”, sorriu Dai, trazendo o príncipe para próximo.

Infundindo sua energia com a arma, espinhos cresceram em direção do dona da arma. Em seu reflexo,  Suzaki se afastou rapidamente sendo atingido por muito pouco.

Foi então que o príncipe saltou para trás, deixando uma bola escura, com um pavio queimando, rolando até o oponente.

— Droga! — gritou Dai, correndo para se proteger, sendo atingido pela falta de tempo.

O impacto o arremessou contra os armários, derrubando-os. Já no chão, o filho de Hideki estendia a mão tentando alcançar a lâmina de duas pontas, que era afastada dele pela bota do no seu dono, o vitorioso do duelo.

Os dois trocaram olhares de cima para baixo, quando o derrotado quebrava o gelo:

— O que está esperando? 

— Você buscou isso — Suzaki pegava sua arma do chão — eu dei todas as chances de uma solução pacífica e ainda assim…

— Neste território quando você desafia alguém, se o desafiador sair derrotado, merece ser morto — inclinou a cabeça para baixo, com a mão no peito — Anda logo!

— Por que participar desse ritual assassino? — apontou sua espada — Entregue Munny. Ainda pode fazer a coisa certa.

— Você não tem jeito mesmo — riu — aquele caçador foi despachado daqui, não sou mais responsável por ele.

— Para onde? — chegou perto, notando o silêncio do sujeito, o pegou pelo colarinho — Me fala!

— A justiça tem que ser feita — virou o rosto — um dia, chegará a sua vez também. E a da sua laia.

— Uma hora seus desafios vão te matar. 

— Que seja! — estapeou Suzaki a tirar as mãos dele, caindo de cabeça para trás — Se eu não presto para vigiar meu povo e vencer os desafios, melhor não estar aqui. Alguém como você que rouba e explora, nunca entenderia.

— É verdade, não entendo, mas quero entender. Então eu tenho um desafio melhor para você: — se aproximou, estendendo a mão —  pare de perseguir a morte. O mundo não é sobre isso. Não tem nada a provar para os outros assim, exceto machucar as pessoas perto de você. Faça sua própria jornada, frente ao que é lhe imposto.

A troca de olhares serena entre os dois, foi interrompida por sons de gritos e gemidos de dor vindos de cima. De repente, um grupo de homens encapuzados invadiram o arsenal subterrâneo. Eles vestiam túnicas pretas e escondiam seus rostos por trás de máscaras de madeira, com dois pares de presas que saltavam da superfície. Um na altura do queixo e outro acima dos olhos, que se escondiam por trás de lentes escuras.

— Suzaki Sora — dizia um deles — venha conosco.

— O que está acontecendo? — dizia Dai se levantando com dificuldade — onde estão meus homens?! 

— Quem são vocês? — Suzaki tomou a frente.

— Vamos compensá-lo por esse engano, príncipe. Por enquanto, venha conosco.

— Me respondam! — gritou Dai — O que vocês fizeram lá em cima?

— Desobediência e rebeldia devem ser rechaçados. Só estamos fazendo nosso trabalho — exibiu sua espada ensanguentada. 

Os outros dois jovens entravam em posição de ataque enquanto os dois garotos sussurravam: 

— Dai, quem são esses?

— Eu… eu acho que… Não, não é possível…

A resposta dele era interrompida pelo rápido avanço de um dos visitantes, que foi bloqueado por Suzaki. 

— Fuja! — o grito do príncipe reverberou pelo arsenal.

Os encapuzados se aglomeraram ao redor de Suzaki, quando, de cima, surgia uma luz verde intensa, abrindo uma fenda escura no teto. O buraco desceu rapidamente na posição deles, como se os engolissem por completo. 

Dai, que presenciou tudo a centímetros daquela luz que acabara de se apagar, estava boquiaberto. Todos ali haviam sumido num piscar de olhos. 

Suzaki desferiu um golpe no vazio, mas notou que a arma sumiu de suas mãos. Olhou ao redor e estava em outro lugar, rodeado por coqueiros altos, que cobriam o céu. Junto dele, encontrou uma carroça junto a um grupo de garotos muito familiar. 

— Mitensai?! — correu em direção ao amigo — O que faz aqui? Onde estamos? O que aconteceu?! — perguntou, mas mal foi ouvido. 

Seu amigo e todos ali olhavam hipnotizados para cima contra a posição de Suzaki. O Midori apontou, trêmulo, para o perigo sentado no topo daquelas árvores.

— Então — uma voz grossa tomava conta do ambiente — você é “Suzaki Sora”.

O príncipe se virava, encontrando dezenas dos mascarados de antes. Todos em volta do homem repousando na copa das árvores. 

Ele tinha uma túnica negra diferente das dos demais, que cobria todo seu corpo, exceto pela face de barba e cabelos verde-floresta, ofuscados somente por seus olhos brilhantes como um par de esmeraldas. 

— Quem são vocês? — perguntou o príncipe. 

— Vocês podem me chamar — Levando a mão para dentro das vestes escuras, pegou um pergaminho jogando em direção dos garotos — de Seth.

Suzaki tomava o objeto arremessado em suas mãos para lê-lo. Era como o que recebera na cela no dia anterior.

— Como você sabe de tudo? — perguntou, erguendo a cabeça. 

— É uma arma grande — indagou o homem, agora de posse das lâminas de Suzaki — para um grande soldado, eu imagino — deslizava sua mão sob o metal, podendo ver seu reflexo — Não devia ser desperdiçada com… futilidades.

Alguns olhavam para o céu e percebiam sua cor laranja. O Sol estava se pondo. Seth parou de admirar a arma e desceu frente a frente com o garoto. Agora de pé, Suzaki podia ver o quanto ele era alto.

— Você quer ela de volta? — Seth balançou a arma como um chocalho — se conseguir tocar em mim, eu te devolvo.

O Midori apoiava o cotovelo em uma das mãos levando a outra à boca, com olhos fixos em Suzaki, que investiu contra ele. Quando saltou para um chute no rosto, uma fenda se abriu entre os dois, levando o viajante para o início de seu trajeto, como se nunca tivesse se movido.

— Eu acredito que você pode fazer melhor do que um movimento desesperado — comentou Seth, mantendo a mesma tranquilidade. 

Mitensai e os outros jovens assistiam atônitos a tudo. Suzaki avançou novamente, quando um portal se abriu entre eles. Agora com os pés no chão, ele girou para o lado, driblando a armadilha. No entanto, quando esticou os braços para alcançar sua arma, que repousava numa das mãos de Seth, seu braço entrou em outra fenda, indo para ao lado de seu rosto. Tentou com o outro braço e terminou estapeando a si mesmo.

— Já devia ter percebido que não pode me acertar com ataques físicos — balançou a cabeça negativamente, descendo a mão cruzando os braços — você nem ao menos conseguiu fazer eu me mexer ainda. 

Então Suzaki tomou distância, unindo as mãos. Deu dois passos e descolou suas palmas, liberando um vendaval que soprou as palmeiras, mas parte entrou em uma das fendas abertas por Seth. Apesar de parte da rajada ter vindo na direção contrária, Suzaki atacou como da primeira vez e com o portal abrindo e fechando nas costas de Seth. Mas ao sair da fenda, Suzaki foi arrastado pelo vento inverso contra seu adversário. A colisão entre os dois parecia iminente, mas ele terminou rolando na grama. Seth não estava mais naquela posição.

Kazedamu? Engenhoso. Entretanto, numa batalha você deve derramar o sangue do inimigo e não o seu — dizia, re-aparecendo no lugar onde estava, com os olhos no braço de Suzaki por onde escorria sangue debaixo da manga da jaqueta.

“Esse cara conhece as técnicas Shiro? Droga, ele parece conhecer de tudo”, pensava ajoelhado, observando Seth andar até ele, com sua espada em mãos. “Quem é ele para mudar de posição tão rápido com o iro? ”.

— Apesar disso, acredito que você mereceu ela — jogou a arma aos pés do jovem, que se levantava — lute com tudo dessa vez.

Suzaki pegava sua arma suspirando fundo. Uma luz azul brotou por dentro de seu corpo, viajando para suas mãos até chegar na sua espada. A energia transbordava daquele metal, escorrendo faíscas de eletricidade para o chão. Ao iniciar seu próximo ataque, o príncipe deu dois cortes que passaram no vazio como os outros e depois atirou sua arma contra o oponente. 

Correndo atrás dela, Suzaki desviou do portal, se aproximando do alvo. Quando esticou sua mão direita, puxou a arma com  linhas de energia, como se ela fosse uma marionete, para frear sua trajetória, Seth criou outra fenda no meio do caminho. No entanto, o príncipe cortou suas rédeas da arma naquele mesmo instante. A lâmina sumia, aparecendo de novo nas mãos do Midori, que a teve tomada pelo príncipe, que agora usou a outra mão esquerda, para convocar sua lâmina, arrancando-a do inimigo.

Daquela distância, a estocada que deveria penetrar em Seth entrou nas suas túnicas para sair em outra fenda, rente ao pescoço de Suzaki.

— Era isso que queria ver — dizia Seth, sorrindo.

A seguir, o Midori deu um passo para trás, removendo a espada de dentro da fenda em suas túnicas, e surgiu por trás do garoto, chutando suas costas com força o bastante para lançá-lo contra um dos coqueiros.

 — Não adianta se conter, uma hora todo esse poder terá que sair. Enquanto prorroga esse amadurecimento, fica mais fraco e indeciso. Se isso fosse uma luta de verdade, eu já teria matado você e seus coleguinhas.

— Como você sabe sobre mim? Conheceu meu pai? — perguntou Suzaki.

— Seu pai? Não. Eu conheço você, Suzaki Sora, e devo dizer que sua reputação te precede. Um causador de confusões nato, para sua sorte eu odeio lutas desnecessárias. 

— Por isso tentou matar o Dai? É tudo uma brincadeira pra você? 

— Digamos que o mundo está cheio de pessoas que se acham mais importantes do que são. Quando uma criança se recusa a ouvir um “não” dos pais e começa atrapalhar a vida dos adultos, ela se torna um problema — soltou um suspiro — Mas matá-lo agora é um esforço em vão. Sinto que ele entendeu a mensagem e já deve estar a caminho do açougue para lidar com os prisioneiros.

Escutando tudo aquilo, Mitensai se aproxima de Suzaki e coloca-o nos ombros.

— Esse cara — sussurrou, olhando para os subordinados de Seth, engolindo seco — é o chefão?

— Não me confunda com os responsáveis pelo desgoverno deste território miserável — respondeu Seth descruzando os braços —  O “chefão” de quem fala é parte da mesma farsa de sempre. Impérios, reinos, gangues… Não há nada mais ridículo — Seth apontou para si mesmo — Eu e meus fantasmas temos outros planos.

— Não entendo como me libertar ajuda vocês — questionou Suzaki, tentando se levantar.

— Como ele costuma dizer mesmo? — massageou sua testa por um momento — Claro, era: “Ele é um menino importante”. 

— Quem disse isso? — perguntou Mitensai.

— Sua prisão foi uma inconveniência. Nosso encontro, uma correção de curso necessária, mas fora de hora — virou de costas ignorando a pergunta de antes — Gostaria que fugisse de acordo com os planos e não que travasse uma luta desnecessária com um dos meus tenentes desgarrados. Mas agora está livre para voltar a seu pai, Suzaki Sora.

— Ei — Kin levantou-se do chão, para ajudar Mitensai a manter Suzaki de pé — Ao menos tem que nos pagar. Você prometeu e a gente se arriscou por isso.

— Como sempre implorando por migalhas — estalou os dedos, criando uma fenda acima das suas mãos, que cuspiu uma maleta — Tudo bem, faça bom proveito — jogou a maleta no chão.

Noriaki saiu de perto dos órfãos para abrir a maleta, vendo que estava repleta de moedas de ouro e prata.

— Foi errado envolver as crianças. Eu não vou embora assim, ainda tenho algo a resolver — disse Suzaki, se mantendo em pé com as costas apoiadas na árvore.

— Quanta ingratidão — disse Seth. 

— Está arriscando inocentes como animais descartáveis. Isso sim é ingratidão — Suzaki cerrava o punho ensanguentado — Voltarei para casa… Do jeito certo! 

Ouvindo seu amigo, Mitensai esboçou um sorriso discreto, quando olhou para Noriaki e viu sua reação. Imediatamente, o rosto do mais novo se fechou novamente.

— Então nos veremos de novo — retrucou Seth sorrindo. Então, seus homens se uniram a ele, no momento que uma redoma de energia cobriu todos — Passar bem — desapareceram no portal.

Quando perigo passou, os órfãos correram até a maleta, se apossando das moedas para mordê-las e testar sua veracidade. 

— Ele realmente pagou o que prometeu — Kin se impressiona junto aos outros. 

O mais velho dentre eles puxou Suzaki bruscamente pelo ombro dizendo: 

— Olha eu não te conheço, mas tem que ir embora logo. 

— Não precisa fazer isso — comentou Mitensai, se colocando entre os dois.

— Cala boca Mitensai. Isso é demais para gente. Aquele homem podia matar todos nós a hora que bem entendesse! — disse Noriaki, empurrando o amigo para o lado, para agarrar Suzaki.

— Seth, com certeza é mais forte que eu — disse encostando no braço de Noriaki, afastando lentamente — mas algo me diz que ele conseguiu o que queria. Não vai mais incomodar vocês ou a mim.

— Suzaki, o que falta para você seguir viagem? — perguntou Mitensai. 

— Eu preciso salvar Munny, o caçador, da execução.

— Quer salvar um criminoso, não me admira ser um azul — disse Noriaki, indo até a carroça — Eu não vou me arriscar por isso! Vou tirar os órfãos disso. 

— Espera, Suzaki não é como os outros, deve ter um motivo — disse Mitensai se colocando do lado do príncipe. 

Suzaki coloca sua espada no gancho nas suas costas e um rolo de pano de dentro das bolsas amarradas na cintura. 

— Munny foi uma das primeiras pessoas que me ajudou nas viagens — removeu a jaqueta, revelando o braço cortado repleto de sangue — Mas nosso encontro o fez fugir da Floresta Negra, para ser pego pela gangue depois. Ele nem sequer se moveu para fugir comigo mesmo tendo a chance. 

— Ele deve querer morrer. Problema resolvido então — sugeriu Kin. 

— Ninguém fica todos esses anos fugindo da gangue se quisesse morrer — amarrou a tira ao redor do braço com força — acho que Munny só queria viver em paz e eu atrapalhei ele. Não posso ter a morte de alguém na minha conta.

Após estancar o sangramento, Suzaki vestiu sua jaqueta novamente e saiu andando para fora da floresta. Noriaki viu aquilo e decidiu chamar os outros órfãos para a carruagem e começar seu retorno. Mitensai olhou para os dois lados e correu até Suzaki.

— Eu vou com você! — gritou, enquanto acenava para que esperasse — É uma promessa, né? — estendeu seu punho em direção ao amigo com um sorriso. 

— Obrigado — tocou no punho do amigo.

Por trás da dupla, Kin saltava entre eles, enrolando seus braços nos ombros de cada um.

— Então vamos logo — disse ela.

— Kin, já conseguiu seu dinheiro. Você não tem o que ganhar vindo com a gente — questionou Mitensai.

— Você nem sabe onde é o açougue, e não é todo dia que a gente tem uma companhia dessa — disse revirando os olhos na direção de Suzaki — Podem me agradecer depois.

Quando os três se distanciaram do outro grupo, a carruagem conduzida pelo mais velho os interceptou.

— Esperem! Tem algumas coisas que vocês precisam saber antes para sobreviverem — inclinou a cabeça para o carro de passageiros — Entrem. 

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.



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