Volume I – Arco 2
Capítulo 12: Controle
Os joelhos do menino cedem contra o granito do pátio, ao som de sua respiração pesada e gemidos de dor. O silêncio de seus espectadores esconde o desgosto com a performance vista. Contudo, assim que a criança tentava se pôr de pé, uma voz o chamou interrompendo:
— Deixa para lá, Suzaki — disse o imperador, virando-se para sair da sala.
— Talvez fomos apressados demais — um dos observadores disse.
— Satoru conseguiu nessa idade — levantou a voz, Koji.
— Alteza, Satoru conseguiu pela primeira vez dois anos mais velho que o menino hoje.
— Suzaki não deve ser como esse fracassado. É inutíl — abriu a porta, saindo — ele sabe que desperdiçou meu tempo aqui.
O suor escorria pelo o rosto do filho que escutava as queixas do pai, que o castigavam mais do que qualquer ferimento. Com a mente em guerra contra o corpo, ele reunia seu iro mais uma vez.
“I-Imprestável! Anda, faz alguma coisa!”, pensava olhando para a porta aberta por onde seu pai passara. No momento que sentiu sua energia subindo pelo corpo, Suzaki ouviu uma voz que o despertou.
— Suzaki! Estava em algum transe? — disse Onochi, balançando seu ombro.
— Não é nada importante. Por que me chamou? Estou fazendo algo errado? — coçou os olhos, se ajustando à claridade do dia.
— Vamos parar um pouco.
— Por que parar agora?
— Um palpite: os suprimentos na sua bagagem estão acabando, medita desde antes do sol nascer contra minha orientação e agora esse pequeno surto.
— Desculpa — abaixou a cabeça.
— Que se desculpar, rapaz. Só venha de uma vez.
A mesa que Onochi preparou estava próximo do campo que Suzaki meditava, debaixo de uma sombra espaçosa, com vista para as ruínas da cidadela.
— Eu nunca vi algo assim — apontava para um filé suculento.
— É uma raça peculiar de cordeiro, adaptada ao clima daqui. Bem diferente do que se faz onde você morava, eu imagino.
Suzaki deixou sua arma debaixo da mesa e experimentou a carne. De repente, começou a devorá-la com rapidez.
— Gostou né? — gargalhou Onochi — Animais como esses não se adaptam bem em regiões montanhosas como aquelas.
As risadas do Shiro acabaram por fazer-lhe cuspir alguns grãos que comia no chão. Suzaki, que parou de comer assustado com a risada do professor, olhava aquela cena esboçando um leve sorriso.
— Melhor tomar cuidado — ofereceu um pano para Onochi limpar a boca.
— Parece que você tem sim um senso de humor — limpou a sujeira, segurando o riso.
— Não foi minha intenção desrespeitá-lo — recuou Suzaki.
— Bobagem. Eu não mordo, sabia?
Suzaki continuou com um olho na comida e outro em Onochi durante toda a refeição. Quando terminaram, o Shiro foi o primeiro a se levantar espreguiçando os braços.
— Onochi, esse treinamento, a comida, o que espera ganhar com tudo isso?
A postura relaxada do adulto cessa e seus braços caem para baixo da cintura. Cerrando o rosto chegou perto do garoto, que levava a mão direita para a lâmina debaixo da mesa, e colocando a mão em sua cabeça, olhou-o fixamente nos olhos.
— Nem tudo na vida precisa ser feito em troca de algo. Recompensas são importantes, mas o que conta é fazer de coração. Ajudar as pessoas já é o bastante para mim, como era no meu povo — disse abrindo um sorriso.
Sem esboçar reação, o candidato a Heishi Celestial prendeu a respiração por um segundo e expirou tirando as mãos da empunhadura de sua arma.
— Obrigado, senhor Onochi.
Enquanto o Shiro limpava a mesa, o candidato a Heishi Celestial retomou seu treinamento. Seu acompanhante, no entanto, deixou de atender à sua limpeza quando notou a chegada do outro aprendiz.
— Atrasado de novo, Yanaho.
— Tive que ajudar meu pai dessa vez, mas já estou pronto pra outra.
— Uma coisa de cada vez. Ei, Suzaki, para um pouco e presta atenção em mim — chamava o garoto que abria os olhos se levantando — Eu terei que fazer uma viagem para o exterior daqui uns dias.
— O que?!
— Mas o que será do nosso treinamento? — questionou Suzaki.
— É — percebeu Yanaho — E a gente?
— Ora, a minha ideia é levar vocês dois juntos comigo, óbvio, se tiver tudo bem para os dois. Mas preciso testar uma coisa com vocês antes de irmos.
— Que demais! Eu nunca saí nem mesmo da minha vila — respondeu Yanaho empolgado.
— Imagino que pra você não será um problema né viajante? — indagou Onochi se aproximando de Suzaki que permaneceu quieto, respondendo:
— Acho que sim.
— Certo, retomam suas posições.
Consentindo, Yanaho retomou suas tarefas no campo, ao passo que Suzaki voltava a sentar-se, enquanto refletia sobre o anúncio:
“E agora? Se eu fugir levantarei mais suspeitas, bastará apenas o Shiro me descrever para os Kiiro que meu disfarce, e a missão estará em um sério risco, o que eu…”
— Ei, Suzaki — foi interrompido por Onochi — já fez o bastante nesse quesito. Está na hora de te ensinar a técnica. O que você sabe sobre o controle elemental através da energia iro?
— Que podemos controlá-los de acordo com a intimidade que criamos entre nossa energia e o elemento. — respondeu disfarçando sua insegurança.
— Então você já sabe o essencial, controla algum elemento?
— Tentei uma vez. Não foi bem como gostaria — disse Suzaki, segurando o próprio braço.
— Está tudo bem, hoje será diferente porque eu lhe ensinarei o Kazedamu.
Com as mãos unidas, o Shiro fez brotar sua aura branca e, a partir das mãos, um vento intenso soprou contra as árvores do campo, balançando seus galhos.
— De onde surgiu a necessidade da meditação para uma técnica elemental?
— Por que ela vai depender de seu estado mental por ser feita com iro branco. Uma mente instável utilizando certas tecnícas, podem machucar seu usuário.
— O que significaria machucar?
— Um corpo desordenado pode rejeitar o iro em alguns casos. Essa rejeição pode envolver dores superficiais, até ferimentos mais profundos, como se a energia rasgasse o corpo recipiente.
Tomando as mãos para começar o exercício, Suzaki virou-se para as árvores da floresta, distante de Yanaho, antes de fechar os olhos.
— Mantenha a meditação com o selo Shiro — orientou Onochi — Com isso, vai canalizar a energia que existe na cidadela. O iro preto e o branco, podem ser mesclados com as outras cores. Este lugar está recheado com a energia do meu antigo povo. É perfeito para aprender a técnica.
Após repetir o processo de inspiração e expiração, a aura de Suzaki fica mais clara do que em toda sua vida.
— Tente sentir a energia ao seu redor. O ar é um elemento que está ao nosso dispor a todo momento, canalizando a energia branca não é difícil alcançá-lo.
Onochi percebendo o sucesso da canalização da energia, se afastava do garoto.
— Você está quase lá. Como se sente?
— Mais leve.
— Então continue, mantenha a mesma calma e concentração. Abra os olhos e, quando estiver pronto, libere a energia nessa direção.
Suzaki abriu os olhos, mas começou a ficar trêmulo. Sua aura expandiu, resultando numa corrente de ar forte e focalizada que investia contra uma árvore com violência. O impacto a derrubou, assustando alguns pássaros ao redor. Finalmente, o aluno desabava na terra com uma dor forte no abdômen.
— Tudo ficou tão pesado quando tentei liberar o poder.
Chegando mais perto de seu pupilo, Onochi ergueu a manga do garoto mostrando um leve corte no antebraço.
— Sua energia é muito poderosa, principiantes mal conseguem levantar na primeira tentativa e olha já o que conseguiu fazer.
— Mas ainda assim não foi o suficiente.
— Com o tempo vai sentir a leveza, mas precisa encontrar a estabilidade da energia para evitar lesões. Vou deixá-lo em paz para descobrir isso sozinho.
— Desculpe desapontá-lo. Não quero desperdiçar seu tempo.
— Suzaki, te deixo livre porque tenho muito pouco a te ensinar do básico. Você é capaz de avançar com um mínimo de instrução — disse, tapando a boca com uma das mãos para falar mais baixo, enquanto apontava com a outra para Yanaho — Agora, se me der licença, preciso resolver um assunto mais delicado.
Concordando com a cabeça, Suzaki permitia a ida de seu acompanhante com a certeza de que estava sendo apoiado. Restava agora o Shiro orientar seu aluno mais inexperiente.
“Suzaki tem mais medo de fracassar do que o normal. Pode ser a explicação para a instabilidade de sua energia. Quem será que o treinou antes?”, pensou Onochi caminhando até seu próximo aluno.
— Ainda não conseguiu despertar a aura, garoto?
— Eu não sei mais o que fazer. Qual é o sentido de ficar movendo essas madeiras de um lado para o outro? — chutou o tronco de madeira.
— Se está assim, então você me deu uma ideia. Vamos usá-las para outra coisa.
Onochi começou a reorganizar os instrumentos para o treino do camponês, que observava Suzaki desferindo sua nova habilidade em outra árvore próxima.
“Suzaki já até aprendeu isso? E eu não aprendi nada?!”, pensou cerrando os punhos.
— Sua tarefa é simples. Vou arremessar a madeira para o alto, e você faz um corte sútil nela. Vai aprender a manusear sua arma.
— Tá legal, mas e a aura que estava treinando antes?
— Você vai ver. Prepare-se — cortou um pedaço de madeira para arremessar.
Yanaho assumia a postura que seu companheiro de treinamento o ensinara, aguardando o momento de agir.
— Agora! — bradou Onochi, atirando o objeto para cima na direção do garoto.
O projétil fez contato com a lâmina do menino e foi despeçado no mesmo instante. Percebendo o resultado de seu ataque, Yanaho abriu um sorriso em seu rosto.
— Foi fácil. Será que fiquei mais forte?
— Não. Isso está longe de ser um corte sútil. Sua ação foi pura força física, sem influência nenhuma da energia Iro. Estes pedaços são leves e quebradiços perto do metal que te dei, essa era a ideia do treinamento.
— Droga. Por que não disse antes?
— Sem reclamações, apenas concentre-se! — arremessava a próxima madeira, com Yanaho espatifando-a mais uma vez com sua espada.
O tempo passou, Suzaki começava a demonstrar sinais de cansaço, embora seus ferimentos tenham ficado mais leves. Por sua vez, o treinamento de Yanaho prosseguia, porém o jovem mal conseguia erguer a espada por ter ficado horas fazendo a mesma sequência de movimentos. Onochi interrompeu o treinamento, permitindo-o descansar no campo, soltando ar pela boca.
— Agora você pode conseguir, Yanaho, tome um tempo, mas levante-se.
— Você só pode ter ficado maluco. O que mudou nessas últimas horas?
— Sua energia foi estimulada pelo corpo todo. Se você conseguir se concentrar irá sentir ela. Só assim poderá canalizar ela em um único ponto — apontou para o lado esquerdo do peito.
— Mas eu nem consegui cortar a madeira direito — disse Yanaho.
— Esqueça isso. Esse será seu treinamento para depois que despertar a aura. A ideia era só cansá-lo — disse Onochi rindo.
— E esse incentivo agora é só mais uma enrolação?
— Dessa vez prometo que não — disse Onochi segurando o riso — Confie em mim só dessa vez, combinado?
Yanaho se erguia exausto, respirando fundo com os olhos fechados. Podia sentir a energia dentro de si, na medida que o ar invadia e abandonava seus pulmões. Quando levou seu punho até o peito pronto para ativar a aura, hesitou por um instante e notou a energia em seu corpo o deixando. O camponês perdia o controle mais uma vez.
— Não pode duvidar. Você precisa ter certeza!
"Desde o começo eu fui o motivo do meu próprio tropeço. Preocupado mais com os resultados que os outros alcançam.”, refletia olhando para cima, para um céu alaranjado de final de tarde.
— É o momento de nossa ascensão… — lembrou das palavras do pai.
“Sim, eu tenho que ter certeza. Certeza de que eu tenho a vontade necessária para conseguir”, pensou voltando seus olhos para sua mão. Antes mesmo de fazer o selo seus olhos foram tomados por uma luz vermelha, após isso socou seu peito.
— Eu consigo! — a aura saltava de seu corpo com um brilho reluzente, colorindo os arredores de vermelho.
“Sua força de vontade não condiz com sua indisciplina, mas no fundo é um bom garoto.”, pensou Onochi, admirando o progresso de seu aluno.
Suzaki interrompia seu treino ao notar o grito de seu companheiro, somente para se deparar com um brilho vermleho. Em busca de uma reação, ele fitou Onochi, que o correspondeu com um aceno, antes de aplaudir Yanaho.
Após o momento, a aura se apagou e Yanaho terminou desacordado. O sol já se despedia no momento em que Onochi pegava o camponês no colo enquanto Suzaki se aproximava.
— Ele tem coração. Fez por merecer essa conquista e tudo graças a você, senhor.
— Eu irei levá-lo. Terminamos hoje — disse Onochi balançando a cabeça e rindo de felicidade — Pode continuar o treino, mas recomendo descansar. Esses machucados não se recuperam rápido.
— Pode deixar — curvou-se.
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.