Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume I – Arco 1

Capítulo 1: O Amanhecer do Pôr do Sol Pt.1

Nos primórdios da história humana, numa madrugada fria, o tom mais claro no horizonte do céu por si só denunciava que um novo dia estava próximo. Um grupo de pessoas encapuzadas com vestes brancas e pretas, seguiam em silêncio seus dois líderes que guiavam o grupo exalando auras na cor de seus mantos. 

Em meio a uma trilha seguiam em direção a uma gigantesca parede rochosa. A luz do amanhecer se infiltrava devagar na floresta escura, iluminando o caminho feito por eles enquanto as folhas de outono caiam, e percorriam a trajetória da brisa que os cercavam.

Quando todos ficaram defronte daquele imenso bloqueio, um dos dois líderes abriu um dos braços rapidamente, sinalizando para todos encerrarem os passos. Tirando seu capuz e revelando seu belo rosto feminino.

Era uma mulher alta, possuía longos cabelos negros e lisos com tons roxos nas pontas, acompanhado com um véu. Seus olhos eram tomados pela cor preta, com exceção de sua pupila, que carregava um tom esverdeado. Sua pele branca era revestida por um manto preto.

Tocando a rocha fria a frente, fez com que o domo de rocha se abaixasse, revelando uma passagem para uma caverna escura. O primeiro a entrar era o líder de cabelos e olhos brancos que iluminava o local apenas com sua aura, fazendo com que todos se sentissem seguros. 

Logo eles se deparam com um santuário onde em suas paredes havia gravuras que levavam em direção ao altar, as imagens refletiam passagens históricas até aquele exato momento. A primeira gravura na entrada, carregava centenas de pessoas ajoelhadas perante uma forte luz, como se estivessem rendidas a um deus.

Ao fundo da sala, uma das últimas gravuras mostrava um artefato luminoso em formato triangular. Na subida das escadas em direção ao altar, continha duas grandes velas apagadas, uma em cada lado de um grosso livro de capa preta.

Atrás do altar existia a maior e última gravura que aquele povo referenciava, duas estátuas, uma de cada lado, erguendo e cruzando suas respectivas armas. 

Os líderes caminharam adiante ao altar, enquanto o restante se ajoelhou no espaço entre os bancos e as pequenas escadas.

O líder de manto branco tomou a frente acendendo as velas apenas com suas mãos, retirando seu capuz. De costas para o povo, ergueu o braço direito, tocando numa tabuleta abaixo das estátuas.

— Duas espadas irão se cruzar — Um brilho tímido começou a tomar as espadas das esculturas — … O passado não se arrepende e o presente é constante. Porém… o futuro desvenda a realidade, a qual é acorrentada aos desejos e escolhas que, no que lhe concerne, são escravas do destino. 

Algumas pessoas derramaram lágrimas enquanto observavam tal cena com espanto e admiração. Algumas até mesmo levaram suas mãos para o alto, dizendo:

— Ó, obrigado luz do amanhã! 

— Deixaremos isso eternizado pelo que nos foi ensinado, para que tudo ocorra como está previsto. — dizia o líder em tom alto e forte — E a história terá sua conclusão quando esses dois nomes se encontrarem! — Se virou, encarando a todos com os braços estendidos para o alto. — Este é o início e o fim!

Muitos anos se passaram…

O Alvorecer ressurgiu, e o sol nasceu para brilhar forte no Império Ao. Sua capital nas montanhas preservava um clima ameno. Era uma cidade com construções simples, a humildade de seu povo era contrastada pelo palácio real em seu topo.

Uma melodia surgia do lugar imponente,  como um pássaro que anunciava a chegada de mais um dia. Mesmo que desavisados os moradores já conheciam bem o som, assim como um sujeito de boina que corria em direção a sinfonia. 

Atravessando os corredores complexos do palácio, adentrava o alto de uma sala que tinha sua janela arreganhada, aliviando-se com o que via.

Era um garoto com cabelo amarrado para trás, uma estatura baixa, junto a suas vestes azuis. Tocando sua ocarina, ele era observado pelo homem de roupas mais leves.

O barulho do instrumento cessou, o jovem encarava o objeto celeste que chegava para iluminar mais um dia. Uma brisa soprou as folhas ao redor, balançando seus cabelos e apalpando seu rosto. Passando a distração ele se voltou para onde estava seu observador.

— Bom dia! Imaginei que já estivesse de pé logo cedo — se espantou — Está na hora, Senhor Suzaki. O Imperador espera sua presença no pátio. Procurei você no seu quarto, mas você havia fugido de novo — disse tentando manter o tom de autoridade — Pode manter-se à nossa vista de vez em quando? 

O menino voltou-se para sua arma, uma espada de duas pontas, na qual usava para apoiar suas costas onde estava sentado. Pendurando sua ocarina no punhal, posicionado no centro, equidistante das duas pontas da lâmina, suspirou respondendo:

— Vamos.

Os nobres cumpriam suas rotinas dentro do grande edifício, cada um deles reparava nem que seja por um momento os passos curtos do príncipe acompanhado pelo seu servo. Pelo silêncio entre os dois durante todo o percurso, era possível escutar os cochichos de alguns que apontavam para o jovem. 

— Então... esse é o seu último teste, né? — tentava quebrar o gelo — Bom, não que eu esteja contando ou nada parecido, mas, você vai sair daqui em breve. Sei que isso é seu destino, não me entenda mal. É só que não lembro quando foi a última vez que saiu do castelo e… — se assustava com as próprias palavras.

Suzaki continuava olhando para frente, como se nem prestasse atenção no que tinha sido dito. Sua expressão fria e concentrada não se desviava nem por um segundo da porta do local almejado. 

Chegando, adentraram um pátio, os barulhos dos animais dos militares que ali estavam se cessavam, com todos voltando os olhos para a entrada deles.

— Obrigado, senhor Masao. Me deseja sorte! — disse Suzaki com um aceno.

— Já disse para não me chamar de senhor, até logo! — correspondeu com um leve sorriso. 

Suzaki seguiu na direção de um trono alto, no centro de outras cadeiras menores enfileiradas, lá estava assentando seu pai que sorria depois de ser servido com mais uma uva. 

Soldados abriam caminho para sua passagem com expressões de medo e respeito, se ajoelhando à medida que o garoto passava. Um tapete azul conduzia o jovem em direção ao seu ente. Diante a autoridade máxima, quase como um movimento involuntário, se prostrou.

— Hoje seu desafio será o general das tropas, filho. O Heishi mais desafiador até então. Para tornar-se digno do título de Heishi Celestial e candidato ao trono no futuro, deverá vencê-lo em batalha — disse o Imperador, se levantando e puxando Suzaki do chão para sussurrar — Não me desaponte!

Todos se encaminharam à arena onde ocorreria o duelo. Marcado no chão, os brasões das famílias reais, junto a algumas pequenas crateras e marcas de confrontos passados. Do alto numa sacada estava as autoridades da corte e em volta militares e o povo humilde, que festejavam o grande duelo que ocorreria. 

Entrando no ringue, todos ficaram eufóricos com a elegância do jovem que fincava sua arma ao chão. Sentando com as pernas cruzadas, fechava seus olhos esperando pacientemente. 

De túnicas cerimoniais até roupas militares, todos paravam para o que estavam fazendo, assim que sentiram um tremor. Subitamente o oponente de Suzaki pousava na arena rachando o seu redor com os próprios pés. 

Seu grande porte físico suportava uma armadura diferenciada, de seu cinto ele puxava uma espada prateada que brilhava como se fosse de vidro. 

— É um prazer lutar com o senhor, general Tadashi — disse se levantando — Usarei os ensinamentos que me passou nesse tempo todo. — Curvava sua cabeça. 

— Corta esse ar de arrogância! Foi bom trocar suas fraldas por um tempo, mas não vou pegar leve em seu teste final. Prepare-se para voltar chorando para cama, moleque! — gritou avançando em sua direção. 

Retirando a arma do chão rapidamente, Suzaki esquivava pelos lados, da direita para esquerda, abaixando e dando passos para trás, seus desvios eram precisos porém sem retrucas:

“Preciso ser cauteloso! A espada do general carrega um fluxo de água afiado o suficiente para partir minha arma no meio.”, pensava ao tempo que um brilho azul era contemplado por toda plateia que se encantava.

“Consigo desviar de todos os ataques, mas talvez ele só esteja esperando meu contra-ataque para encontrar a brecha, afinal, um bloqueio mal feito e perco minha arma.”

Com a lentidão dos ataques com a espada, Suzaki utilizou seu punho esquerdo paralisando uma ofensiva, o general utilizou seus pés, afastando o garoto, mas abrindo uma brecha pelo alto. Saltando por cima com a lâmina preparada para uma enterrada. 

O príncipe na queda notava a arma de Tadashi brilhar em azul, de repente gerando uma barreira d'água  ao seu redor, atingindo a barreira ele a pressionou o suficiente para atravessar. Porém atrás dela o general já estava preparado, os dois metais se chocaram pela primeira vez gerando uma onda de choque em todo o redor. 

— O que foi, garoto? Tá esperando uma permissão para atacar? — disse sorrindo. 

“A energia Iro não pode criar elementos do nada, mas a espada dele não estava molhada antes, de onde veio essa água?”, notava a expressão tranquila de Tadashi. "Calma… paciência, só preciso esperar ele mostrar tudo o que tem e…”

Surpreendido, interrompeu sua reflexão escutando uma corrente vindo de trás. Se virou apenas para encontrar uma onda que o atingiu, arrastando-o em direção ao oponente.

— Que pena. Mal consegui me aquecer! — o general debochou, com sua lâmina brilhando preparava seu golpe.  

Poucos metros na direção do oponente, Suzaki se apegou a sua arma que gerou pequenas faíscas que eletrocutou a água ao redor levantando fumaça branca numa pequena explosão, que engoliu os dois lutadores. Todos que assistiam ficavam perplexos, os sons da batalha haviam cessado logo após o estouro, restando apenas a névoa espessa que subia a arena acima. 

“Fui descuidado, devia ter tirado aquela arma de perto dele primeiro.”, pensou Tadashi, levando uma das mãos ao cinto que carregava uma bolsa molhada. “A água que eu trouxe já acabou, preciso terminar isso logo.” 

Na medida que o gás de poeira se dissipava era possível ver timidamente as duas auras azuis acesas, os humildes moradores que assistiam aplaudiram o fato dos dois combatentes estarem de pé, ao tempo que o Imperador se levantava de seu trono para ver o momento decisivo da luta. 

— Então aí está você — disse o general contemplando a outra luz azul do outro lado da arena. 

Presumindo que Suzaki estava às cegas, avançou em sua direção em alta velocidade, porém a luz azul logo se apagava, aparecendo no mesmo lugar do qual Tadashi partiu. 

Alguns segundos depois a mesma aura reacendeu em outra parte da arena. Depois ela sumiu novamente, surgindo em outro lugar, e assim continuou sucessivamente, envolvendo o oponente de um lado para o outro. O general girava em torno de si mesmo, quando de repente era envolvido por espécies de correntes elétricas geradas pelos trajetos. 

Do lado de fora era possível ver o brilho azul mais intenso e logo depois a fumaça se esvaindo, revelando Tadashi de joelhos no centro da arena. Suzaki permanecia de pé suspirando fundo, andando em sua direção.

— Entendo, combinou seus poderes com a fumaça ao redor — tentava se levantar.

— Quando está numa fumaça, não deveria acusar sua posição ao inimigo. Você tem a vantagem física, porém não adianta nada se não enxerga o que te ataca.

— Acha mesmo que pode me vencer apenas com isso? — Recuperava o fôlego, sorrindo.

O general levava uma mão ao solo controlando a água do subterrâneo que subia pelas rachaduras dos antigos combates da arena. Suzaki escapava do líquido que tentava o envolver, saltando para trás enterrou sua arma no chão tentando eletrocutar a água novamente, fracassando desta vez.

— Estou atento agora — disse o general — seu controle a energia iro não prevalece ao meu, logo não pode me atingir por meio da minha habilidade — se levantava erguendo sua espada prateada — pensei ter te ensinado isso, garoto. 

A água no ringue cercava e se aproximava pouco a pouco de Suzaki que permanecia calmo, esperando até que só restasse espaço para seus pés tocarem o chão, para dizer: 

— Não precisa ser por meio da água. 

Pulou na direção do general, que logo formou uma bolha d'água em sua frente, no qual o príncipe avançou em queda livre com sua espada de duas pontas. Forçando a ponta dela contra a bolha, chegou a furá-la do outro lado, não sendo suficiente para estourá-la. O impacto arremessou Suzaki para longe desarmado, com sua arma presa na bolha.

— Te peguei! — gritou Tadashi, obtendo êxito em desarmar o oponente. 

Seu olhar de satisfação logo mudou para de susto quando viu o jovem correr em sua direção novamente, foi então que sentiu um formigamento, antes que percebesse sua armadura soltava faíscas, lhe desferindo um choque de repente. Com a temperatura aumentando, o general perdia o controle de sua energia, deixando a lâmina do garoto escapar. 

Pegando ela ainda no ar descia finalmente para atacar o oponente corpo a corpo. Tentando bloquear desesperadamente com sua espada prateada, a lâmina de duas pontas do garoto fragmentou a arma de Tadashi em diversos estilhaços. 

A luta terminava com o general de joelhos com a arma de Suzaki apontada para seu pescoço, quando se pode ouvir um alvoroço vindo do lado de fora, seguido por um sorriso do Imperador e comemorações por parte da corte. 

— Agora entendi — colocou a mão sob a ponta da lâmina do aluno — você pressionou a minha bolha não para estourá-la, mas sim para encostar com ela em minha armadura — se levantava com a ajuda de Suzaki — usou o metal em torno de mim como corrente e até a fumaça, é um soldado perfeito. Digno de meu respeito.

— Obrigado, general — assentiu com um sorriso discreto.

A conversa entre os dois encerrava com homens se aproximando com roupas cerimoniais e chiques, entre eles o Imperador com cabelos e barba azuis acomodando uma coroa revestida em prata e cristais valiosos, e seu manto de tecido único. 

— E o vencedor mais uma vez é Suzaki Ao! — um deles levantava a mão do garoto.

Meu filho provou ser o mais forte entre os Heishi’s de nosso exército. Triunfou sobre todos até aqui! — dizia o homem de olhos escuros —  Por isso, eu o Imperador, Koji Sora, declaro que sua formatura como militar está completa. Sendo assim o mais novo de toda a história, superando seu irmão!

As palmas e comemorações vindo das arquibancadas, eram altas o bastante para interromper o discurso. Enquanto em volta do cerco, um sujeito encapuzado crescia seus olhos azuis, apertando sua mão direita contra o que restava de seu braço esquerdo — ausente — pensando: 

“Desgraçado!” 

— É com muito orgulho que anuncio sua partida para o mundo lá fora. Como candidato ao trono, ele irá traçar um novo plano Imperial. O Rito de passagem que tem sido divulgado por anos. Ele fará sua peregrinação pelo mundo, e voltará para casa quando for um homem crescido, maduro de corpo e alma. Sua partida será daqui há três dias.

O discurso era finalizado, e o dia, apesar de ter determinado um marco histórico dentro do território, voltava ao cotidiano para grande maioria na plateia. Para o mais novo Heishi, a indiferença era tamanha o suficiente para ser notada por seu pai.

Aproveitando uma breve oportunidade, o menino se recolhia em solidão no seu quarto, e se aprontava para deitar em descanso. Seu sossego era interrompido pelo som da porta abrindo sem qualquer pedido prévio:

— Parabéns, tenho certeza que sua mãe estaria orgulhosa de você. 

— Obrigado, pai.

— Filho, eu sei que pode estar sendo estressante isso tudo tão rápido — cruzou os braços — não peço que goste de todas essas lutas, nem mesmo de mim. Porém você tem responsabilidades para com as tradições. 

— Eu sei — respondia se encolhendo, juntando suas mãos entre os joelhos inclinando a cabeça para baixo. 

Olhe como os outros te enxergam. Eles me tratam como o pai de uma aberração. Claro, eles vibram com suas vitórias, mas e nos corredores? E quando não está se exibindo? Como espera liderar um império que o vê assim?!

— Eu gosto de você sim, pai. Eu só tenho medo do que tem lá fora. Medo de sair daqui — respondeu Suzaki.

— Como você depois de tudo que aprendeu e viu, tem tanto medo? Eles que deviam ter medo de você! — apontou para face do filho — Eu preciso que você... quer dizer, você precisa crescer para herdar o que abandonarei. Você quer que eu seja conhecido como aquele que não deixou herdeiros aptos? Você quer que eu passe pela mesma vergonha que tive com seu irmão, Satoru? Você deve mudar tudo isso Suzaki. É o meu… e o seu destino!

— Eu… — gaguejava sem encontrar palavras.

— Se você gosta e valoriza tudo que eu faço por você, vai dar um jeito em sua reputação. Vai sair daqui e cumprir seu Rito de passagem. Nem mesmo seu irmão se acovardou, ele entendeu os sacrifícios que fiz por ele, e você?

— Tudo bem, eu farei! — se curvou diante seu pai.

— Espero que não me desaponte! — se retirou deixando Suzaki a sós.

“Eu preciso melhorar.”, pensou pressionado, se esticando na cama em alívio, depois guiando seus olhos para ocarina pendurada em sua arma. 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

 

 



Comentários