Volume 1

Capítulo 11: Velhos amigos…

O cavaleiro idoso conduziu-os por um corredor lateral até chegarem a uma pequena sala, onde uma escrivaninha dominava o ambiente. Sãr Ahbran sentou-se em uma extremidade, apontando para Nimbus e Lonios, sugerindo que se acomodassem na outra. Apesar de pequeno, o local estava ricamente decorado, com várias armas e escudos adornando as paredes.

— Parece que o Grande Líder está cada vez mais poderoso.

— Ele conseguiu que os Legisladores lhe concedessem o poder de prender qualquer um, sob o pretexto de que as ideias dessa pessoa são perigosas para a sociedade.

— Mas sem um julgamento?

— Segundo ele, as pessoas não serão presas, mas reeducadas. Na prática, é a mesma coisa que ser preso, mas o povo não sabe disso.

— Mas como isso aconteceu?

— Corrupção. Os Legisladores foram comprados pelo Grande Líder. Você sabe muito bem que, quando se coloca muito poder em mãos de um cargo político como o desses Legisladores, isso atrai apenas a escória da sociedade, ansiosa para tomar esse poder para si.

— Sãr Ahbran, você sabe muito bem qual é a solução para isso. O poder tem que voltar para o povo.

— Lonios, você sabe o que penso sobre um golpe de Estado. Enquanto eu estiver aqui, isso não vai acontecer. Meu compromisso é com a democracia — o olhar do velho cavaleiro tornou-se mais sombrio.

— Sãr Ahbran, isso não é democracia.

— Sou um cavaleiro. Jurei defender o governo a qualquer custo.

— Fique tranquilo, velho amigo. Você sabe muito bem que não estou aqui para me intrometer na soberania de outros países. Estou aqui por outra razão. Só estou lhe apontando uma solução.

Sãr Ahbran respirou fundo, voltando a se acalmar.

— Este é o seu escudeiro? Nunca tive o prazer de conhecê-lo. — Ahbran olhou para Nimbus, avaliando-o.

— Sim, este é meu famoso escudeiro — Lonios deu um tapinha no ombro de Nimbus.

— Vejo pelas suas feições que ele é de Victórius, assim como você. Devo imaginar que encontrou o que procurava? — Ahbran fixou os olhos nos de Nimbus, de um castanho avermelhado.

— De certa forma — Lonios respondeu, lançando um olhar de condenação para o amigo.

Nimbus não compreendeu o que estava acontecendo. Ficou ali, tentando entender o que Lonios estava procurando.

— Eu o venho treinando há muitos anos, e ele é muito talentoso. Aprende rápido, mas, devido às minhas missões, não pude treiná-lo adequadamente na arte do combate. Faz pouco tempo que o trago para minhas missões.

Nimbus percebeu que Lonios mentia descaradamente para Ahbran. “Por que ele é tão misterioso sobre seu passado? E ainda quebrou seu código, faltando com a verdade para um suposto amigo?” pensou.

— Bom, acredito que ele seja de confiança então! Vou lhe contar a história do que está acontecendo aqui.

Lonios fez um gesto afirmativo e Ahbran prosseguiu.

— Como o senhor deve estar ciente, a 52ª Expedição foi um fracasso. Das dez naves que partiram, somente uma fragata retornou — Ahbran falou com uma expressão de tristeza.

— Sim, soube desse desastre — Lonios respondeu.

Nimbus relembrou de pouco mais de um mês, quando presenciou a chegada da nave, mas nunca soubera o motivo de apenas ela ter retornado.

— Sim, um desastre sem precedentes. Nunca na nossa história aconteceu algo assim — Ahbran agora parecia furioso e continuou:

— Acredito que o senhor não saiba o que aconteceu, pois impusemos o maior sigilo sobre os fatos.

— Não soube de nada — respondeu Lonios.

— Depois de alcançar todos os objetivos, resgatar todos os passageiros e fazer todas as paradas nos outros continentes, a frota estava viajando tranquilamente de volta. 

— Foram enfrentados poucos monstros do éter neste ano, e o perigo era relativamente baixo. Mas, de repente, a frota avistou uma nave pirata ao longe. 

— Eles foram rápidos em fugir, e o almirante não estava disposto a enviar uma nave para interceptá-los. 

— Mais alguns dias se passaram e, de repente, uma imensa armada de naves piratas apareceu no horizonte. Foi uma carnificina. A expedição não teve chance, e somente uma das naves conseguiu escapar, justamente a mais rápida.

Quando Nimbus ouviu aquilo, ficou boquiaberto. Ele já havia escutado histórias sobre piratas atacando naves que viajavam sozinhas pelo éter. Esse era um dos principais motivos para as expedições serem organizadas, pois muitas naves juntas afastavam os piratas, e poucos se atreviam a atacar nessas condições. Mas ele nunca imaginara uma frota inteira de piratas.

— Uma Armada Pirata? Isso é possível? — Lonios perguntou, incrédulo.

— Sim, velho amigo, nunca se imaginou que um pirata pudesse reunir mais do que duas ou três naves, mas parece que um conseguiu. Ele está atacando expedições por todo o éter. E há ainda outro agravante para o Grande Líder Gerião estar tão furioso: sua filha caçula estava em uma das naves desaparecidas. Ela havia finalizado os estudos em Victórius e estava voltando para casa — completou Sãr Ahbran.

— Uma das filhas do Grande Líder aprisionada? Isso se torna um assunto de segurança de Estado, não mais uma simples ação de pirataria — Lonios refletiu em voz alta.

— Exatamente, Sãr Lonios. Embora o Grande Líder esteja convencido de que sua filha não esteja mais viva, pois, se estivesse, ele já teria recebido o pedido de resgate. Afinal, já se passaram quase dois meses desde o ocorrido — Ahbran afirmou, com um olhar triste.

— Essa é uma possibilidade, mas não devemos perder a esperança. Ela ainda pode ter sobrevivido — completou Lonios.

— Tomara que você tenha razão, Sãr Lonios, mas o Grande Líder acredita que sua filha já está morta. Além disso, de acordo com ele, ela é a mais jovem de sete irmãos, não estava prometida a nenhum nobre de outro reino e seu posto no partido do Grande Líder era baixo. Então, resgatá-la está fora de cogitação. A missão não é salvar a moça, mas sim algo mais importante para o país.

— É um pouco perturbador saber o que é prioridade para o seu Líder — comentou Lonios.

— Seu Líder também é “Sortudo’’! — Ahbran elevou um pouco o tom de voz.

Lonios olhou para o amigo com uma expressão de repreensão.

— Mas coloque-se no lugar do nosso regente. Há coisas mais importantes do que os membros da sua família. O país precisa dele. O povo de Cenferum é mais importante do que a vida da filha de um burocrata. Se o Grande Líder organizasse uma expedição para salvar a menina e deixasse o povo desamparado, certamente teria uma revolta nas mãos.

— Depois do que vi agora há pouco, acho que ele não se importa com o povo, mas sim com as aparências. E não me chame mais assim. Há muitos anos que a sorte não sorri para mim, Ahbran, você sabe disso — Lonios falou, e o velho cavaleiro apenas o observou, em silêncio.

Sortudo? Por que o cavaleiro chamava seu mestre assim? Após alguns instantes de silêncio, Ahbran retomou a conversa.

— Então acho que posso lhe falar sobre a missão. Algumas especiarias e suprimentos importados, de extrema importância, estão começando a faltar no país. O Grande Líder está planejando uma nova expedição só para buscar esses suprimentos, pois não existem aqui no nosso continente. Precisamos dos serviços de cavaleiros que possam garantir o sucesso dessa missão — Ahbran olhou profundamente nos olhos de Sãr Lonios.

— Entendo o que o senhor está dizendo — Lonios respondeu, retribuindo o olhar do velho com um ar de compreensão, como se algo não dito estivesse subentendido. Depois de alguns segundos de silêncio, Lonios questionou:

— Mas temos somente uma nave. Será uma viagem quase inútil na busca de suprimentos. Não cabe muita coisa em uma só nave. Além disso, a vulnerabilidade a ataques de piratas é perturbadora, sem falar nos monstros do éter. Essa missão seria suicídio nessas condições — Lonios finalizou, colocando novamente a mão no queixo, pensativo.

— Sim, uma expedição com apenas uma nave é suicídio, e a Brand tem pouca capacidade de carga. Mas o que você não sabe é que o Grande Líder destinou cem milhões para a marinha. Estamos há mais de dois anos construindo outra nave.

— Cem milhões? E estão construindo somente uma nave? Com esse valor seria possível construir uma frota inteira no exterior.

— Não seria possível comprar uma frota inteira por esse valor. Há o imposto de importação que temos aqui em Cenferum. No máximo, seriam compradas três naves.

— Imposto? Mas vocês são o governo, podem eliminar esse imposto quando bem entenderem.

— Sabe como são os políticos. Eles não podem ficar sem a parte deles. Além disso, a nave é uma obra ambiciosa: um cruzador maior e mais fortificado do que as fragatas tradicionais, um modelo de 3ª geração, como costumam chamar por aí. Seu porão de carga terá o triplo do tamanho do da Brand. A blindagem será mais resistente, capaz de resistir até à corrosão por curtos períodos, ao emergir fundo no éter. Sem falar que seu poder de fogo será muito maior que o de uma fragata como a Brand. Porém, ela será bem mais lenta do que qualquer outra nave, pode-se dizer que é uma nave da geração 3.5 — o velho sorriu, satisfeito com a explicação.

— Não consigo entender essa sua lealdade a esses burocratas corruptos.

— Você sabe o quanto vale o juramento de um cavaleiro. Voltando ao assunto, a construção de uma nave dessas é realmente demorada e onerosa para o país. Mesmo antes do fracasso da 52ª Expedição, já estávamos trabalhando dobrado para construí-la. 

— Nossa frota de naves estava ficando desatualizada, e acreditamos que, nas próximas semanas, a nave estará pronta para a viagem, mas não totalmente finalizada. Os detalhes menos importantes deixaremos para completar durante a missão — tranquilizou Sãr Ahbran.

— Velho amigo, é por isso que eu evito isso ao máximo. Então, vocês deixarão a nave pronta para navegar e terminarão os detalhes que não influenciam na navegação durante a viagem, é isso? — completou Lonios.

— Isso mesmo, velho amigo. Amanhã mesmo o senhor partirá para Cameron para se reunir aos outros cavaleiros. Mandaremos uma patrulha com o senhor. Ao chegar lá, ficarão acomodados no castelo de veraneio do Grande Líder — disse o homem idoso.

Lonios olhou para Nimbus e sorriu.

— Cameron? Não sabia que era um porto comercial.

— Não é, mas é lá que a nova nave está sendo construída. A nave que restou está sendo deslocada para o local neste momento. E sei que Cameron não é o melhor lugar para começar uma expedição, mas se deslocarmos a nova nave até Aldair, perderemos muito tempo. É mais fácil levar toda a estrutura para Cameron e zarpar dali.

— Não me preocupa sair com a expedição daquele porto, mas a falta de estrutura e a inexperiência da equipe por lá. Será uma verdadeira bagunça quando sairmos.

— Essa também é a minha preocupação, mas não temos seis meses para nos preparar como de costume. Vocês podem ficar no salão dos cavaleiros até amanhã, creio que são acomodações satisfatórias para o senhor e o seu escudeiro. Ultimamente o local tem estado mais vazio do que gostaríamos — admitiu Ahbran.

— Creio que mais do que satisfatório. Eu e Nimbus estivemos dormindo em uma barraca nos últimos meses. Vai ser bom dormir com um teto sobre nossas cabeças.

— Muito bem, eu mesmo os escoltarei até lá. Me acompanhem — disse Ahbran, saindo pela porta e esperando ser seguido por Lonios e Nimbus.



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