Volume 2

Capítulo 26: Princípios

Dentro de uma caverna absurdamente grande, um feixe de luz descia sobre Eiden, Kaius e Erik. O imperador estava sem as vestes formais, o torso exposto, tatuagens brilhando num azul fraco.

— Você sentiu isso, Eiden? — Kaius perguntou.

— Tem como não sentir essa flutuação, Kaius?

— Qual é, vocês dois — Erik resmungou — vamos ficar aqui embaixo ou vamos lá ver que porra tá acontecendo?

— Relaxa, Erik. Tá vindo da região onde o garoto tá morando. Deve ser as preparações dele pra missão — respondeu Eiden.

Pela fresta da clareira, Hagenvogel planou e pousou no ombro de Erik, que chutava uma pedra como uma criança birrenta.

— Esse garoto realmente é fora da curva. Se você quer tê-lo como discípulo, vai ter que fazer um esforço do caralho, Erik — disse a ave.

— O que você quer dizer, Vogel? — Erik franziu o cenho.

— O que eu quero dizer — continuou a ave, virando o bico pro general — é que ele conseguiu reproduzir o Zhavarkor. Não sei o quanto aquilo chega perto do original, mas ninguém conseguiu detectar o garoto. Nem eu.

— Você não deveria estar junto, Erik? — Kaius perguntou.

— O Vogel tava lá. Não tinha necessidade da minha presença.

— Justo — comentou Eiden.

Kaius ficou um instante em silêncio.

— As coisas vão mudar…

— E é por isso que a gente tem que se preparar — Eiden completou, sério. — Independente do que o Harkin fizer, uma guerra tá chegando. E, diferente da última, eu não vou perder.

Ao ouvir isso, Kaius jogou a bengala no chão. Uma sombra vermelha, cor de sangue, se espalhou pelo chão. A bengala se desfez e a sombra subiu, cobrindo Kaius por completo. Quando a sombra se dissipou, ele estava com a armadura: negra, com brilhos vermelhos, capa preta — quase demoníaca.

Erik, vendo o exemplo, bateu o pé no chão. O ar se torceu e a armadura de combate dele o revestiu: parecida com a de Kaius, mas totalmente vermelha — a marca de Der’Blutfalke.

Eiden abriu os olhos. Ficaram completamente azuis, raios escapando. As tatuagens no corpo pareciam inflamar.

— O mundo vai ver a gente de novo.

 

Muito longe dali, Harkin estava sentado ouvindo os berros da mãe, possessa com o que ele tinha feito.

— Você tem noção do que criou? — Morgana quase gritava. — Todos os generais, os Thaurion, eu, seu pai… nós equilibramos a balança de poder de alguma forma. Assim como o transmorfo em Nierr’Dhalar. E agora temos o Adrien. Eu sei do seu potencial, Harkin, mas precisamos de limites. LIMITES!

Ele olhava pra frente, meio desinteressado, deixando a voz dela virar eco enquanto avaliava o resto da sala.

“Páris tá puto… bom sinal. Jeanne tá incomodada, mas não vai atravessar a bronca da minha mãe. Kinan deve estar pensando que isso foi uma blasfêmia contra o criador. Markus tá calculando a reação — é o que tá menos puto. E aquela ali? Coronel? General? …não, mana densa demais. Deve ser filhote de algum nobre idiota.”

Ele observou a garota: aparência nova, quase infantil, mas com mana densa o suficiente pra não enganar ninguém.

Kinan assumiu a bronca:

— Jovem mestre… como se já não tivesse pecado o suficiente antes, agora ainda vai mais contra o Criador?

Uma veia saltou na testa de Harkin.

— Pro caralho o seu Criador. Eu não acredito em Savithar nem em qualquer porra que vocês acham real, e tô de saco cheio dessa conversa. Foram vocês que me enfiaram nessa merda falando de “responsabilidade” e “dever com a posição”. Agora aguentem. Ou me matem logo de uma vez. Pouco me importa. Só me digam logo se vão me deixar me isolar ou parem de encher. Eu tenho mais o que fazer.

As palavras dele surpreenderam até os amigos que assistiam no canto. Mas o olhar de Harkin estava tão duro que nem Gabriela nem Serafina se aproximaram.

Quando ele já tava entrando no corredor em direção ao laboratório, a garota sumiu do lugar e reapareceu na frente dele, tentando pegar o braço dele. Só não conseguiu porque o novo Adrien interceptou, segurando o pulso dela.

— Eu não faria isso se fosse você — Adrien avisou.

— E você devia soltar minha mão antes que fique sem ela, garoto — ela retrucou, fria. — Você pode ter se fortalecido, mas ainda tá verde e não sabe com quem tá lidando.

— Mariel Valthorne — Adrien respondeu, sem se abalar — e eu sei que ainda não sou páreo. Mas você arriscaria se ferir feio só pra descobrir o quanto eu já cheguei?

Um meio sorriso apareceu na boca de Harkin. Ele olhou pra Mariel, depois pra Jeanne, que ainda processava o que fazer. Sem paciência, falou:

— Soltem os dois. Esse assunto acabou.

— Eu não sei quem você pensa que é, moleque, pra me dar ordens, mas…

— Mas nada — ele cortou. — Eu sou um dos príncipes herdeiros do império. Eu tentei abdicar e não deixaram. E ainda sou herdeiro de Nerio, mesmo contra minha vontade. Então ou me obedece ou causa um incidente. Escolhe.

Uma veia saltou no pescoço da garota. Ela ia liberar mana, mas Jeanne falou primeiro:

— Mariel, deixa. Eu vou me reunir com o pai dele pra discutir a punição dele como herdeiro. Assim é melhor, não é, meu enteado?

Os olhos dela ardiam em fúria, mas ela sabia que passar dali só ia piorar.

— Ah, claro. O todo-poderoso imperador que acha que pode fazer o que quiser, igual todos vocês. Façam o que acharem melhor, tô cagando — Harkin resmungou, dando de costas.

Morgana então saltou na frente dele e lhe deu um tapa que ecoou na casa inteira.

— Seu moleque estúpido! Eu confiei demais em você. Parece que você não entende o que está em jogo!

Ele não disse nada. Só desviou dela e continuou andando. A voz dela tremeu:

— Pois bem, Harkin et Abrasax von Empera. Eu, Morgana et Abrasax, primeira de meu nome e rainha vermelha, escolhida por Savithar, o lorde celeste, pelo poder concedido a mim… te destrono da posição de príncipe herdeiro e te libero das obrigações reais para com Nerio. E confisco qualquer símbolo de autoridade que tenha contigo.

A formalidade da fala fez todo mundo entender que não era chilique — era oficial. Jeanne, que presenciou coroações e execuções por séculos, ficou muda. Aquele era o tipo de sentença que mudava linhagens

Harkin nem piscou. Olhou firme nos olhos da mãe, sacou o medalhão com o brasão da família — o corvo dourado em chamas dentro do sol — e jogou pra ela.

— Se isso é tudo, eu ainda tenho preparativos. Ou o império também vai me libertar do fardo?

Ele olhou pra Jeanne, com uma esperança mínima. Ela só balançou a cabeça.

— Foi o que eu pensei. Com licença.

Adrien foi atrás. Morgana ainda chamou:

— Aonde pensa que vai, Sentinela?

Adrien se virou.

— Com todo respeito, vossa alteza, todos aqui sabem que o Harkin fez o certo. E vocês são orgulhosos demais pra admitir. Então eu escolho seguir o jovem mestre.

— Você é um Sentinela! Obedeça às minhas ordens!

— Bem, senhora… prefiro seguir o jovem mestre. Obrigado.

— OBEDEÇA SUAS ORDENS, SOLDADO! — Páris gritou, já pegando o dispositivo pra ativar comandos forçados.

Adrien olhou pra Harkin. Harkin olhou pra Adrien. Os dois começaram a rir.

— Hahaha! Com todo respeito, senador, eu não tô preso a essas merdas aí, não. Então escolho seguir o jovem mestre. E, fazendo das palavras dele as minhas: se não gostaram, me matem.

Sem falar mais nada, os dois saíram rindo pelo corredor, celebrando o fato de não estarem mais acorrentados.

Os que ficaram… ficaram.

— Porra de irresponsável do caralho — Páris resmungou, andando de um lado pro outro. — É por isso que eu tirei ele do programa. Eu disse que não ia ser sábio, vossa alteza. O jovem mestre é perigoso demais.

— Ia acontecer cedo ou tarde… — Morgana suspirou, se jogando numa cadeira e pegando uma garrafa. Virou de uma vez.

— Majestade, talvez isso não seja… — Markus começou.

— Que se foda. Acabei de deserdar meu primogênito. Ia precisar de uma garrafa do tamanho da mansão pra me deixar alegre. Eu tenho mais de setecentos anos, esqueceu? — ela respondeu, amarga.

Jeanne se levantou e chamou os outros:

— Gostando ou não, ele tá meio certo. Respira um pouco, Morg. A gente precisa pensar em como reagir quando a missão dele terminar. E não escreve nada oficial sobre linhagem.

— Recomendo o mesmo, senhora — Kinan concordou.

— E deixar as ações dele impunes? — Páris retrucou. — Aí sim ele fica irredutível.

— Eu odeio concordar com o almofadinha, mas talvez ele esteja certo — Mariel falou.

— Não deixa sua raiva te cegar, Mariel. Tem muita coisa em jogo — Markus a cortou.

— Markus está certo — Morgana assentiu. — Vamos. Se eu ficar aqui, vou explodir essa casa. Ou vou atrás dele. E vai ser pior.

Quando saíram, os funcionários chegaram pra arrumar a bagunça. Ninguém perguntou nada. Só trabalharam.

 

Os dias seguintes foram de silêncio e aço. Nenhum pedido de perdão, nenhuma visita. Apenas trabalho, o tempo passou como uma brisa. As duas semanas de preparação voaram. Harkin melhorava o Vogel, construía armas de uso rápido e descartável — coisas pra criar distração, fuga ou vantagem momentânea. Treino atrás de treino com a tripulação escolhida a dedo por Markus: gente da 2ª Divisão dele, da 3ª de Erik e da 9ª de Corvath.

Espiões, mestres de voo e marinheiros compunham a equipe. No total, 32 tripulantes, mais Harkin, Adrien, Kinan e Russell — um coronel da segunda divisão indicado por Markus.

Quando todo mundo menos esperava, o prazo tinha acabado. Na borda da Acrópole, o Vogel brilhava já pronto, com a tripulação dentro — menos Harkin e Adrien, que se despediam.

Gabriela chorava abraçada no namorado, que estava com uma nova armadura — semelhante à antiga, mas preta, recortada, com pontas demoníacas.

— Eu te amo. Você tem que voltar — ela disse, chorando.

Serafina passava a mão no rosto de Harkin, morrendo de medo de ser a última vez.

— Eu sei que já te conheci faltando um pedaço — ela riu entre lágrimas — mas não faz isso comigo, tá? Você tem que voltar, nem que seja pra gente fazer braço e perna do zero.

Ele a abraçou, beijou a testa, passou a mão no cabelo castanho dela. A armadura dele chacoalhou — diferente da de Adrien, a dele parecia um sobretudo com placas negras e, nas costas, um grande símbolo de eclipse roxo: a lua cobrindo o sol. Uma afronta clara à mãe e ao deus dela.

Ele tirou um envelope de dentro da armadura e entregou pra Sera.

— Esse aqui você só abre em circunstâncias específicas. Então não pira com isso agora. Eu vou voltar rápido. Eu te amo, minha chef.

Outro beijo, agora mais demorado. Pietro e os outros até se espantaram quando uma lágrima escorreu do olho do príncipe. Ele fingiu que nada tinha acontecido e se virou pra Sputnik, Pietro e Okini:

— Cuidem dela. Se não, quando eu voltar, eu pego vocês. E você — apontou pra Jeff — cuida da minha irmã. Além de presidente da Touriga, ela é oficialmente a herdeira de Nerio agora.

Ele olhou pra Morgana — um lembrete do que tinha sido acordado.

— Quanto aos outros… vejo vocês depois. E quando o velho voltar, a gente conversa.

De costas, foi até a entrada do Vogel. Adrien falou:

— A gente precisa ir.

— Relaxa. Tem eu, você e o Kinan. No mínimo, a gente volta vivo.

Rindo, os dois entraram. As portas se fecharam. O Vogel acendeu, linhas de mana correndo entre as placas negras. Um zunido forte, como um furacão, veio de baixo, e a nave levantou. Fez uma manobra pra trás e sumiu nos céus.

— Que as luas te acompanhem, meu amor. E que Empera ilumine seu caminho — Serafina disse

Ao ouvirem isso, todos fizeram um gesto religioso — até quem não era. Como Eiden dizia: “Se for pra abençoar, vale de todo lado.”

O reflexo roxo do Vogel passou pelo rosto de Morgana. Ela desviou o olhar, mas o brilho ficou preso no fundo dos olhos um a um, seguindo Jeanne, foram saindo da borda e tentando voltar ao cotidiano.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora