Volume 1
Capítulo 2: Visita Inesperada
Com o objetivo de me despedir antes que Aira partisse para a capital acabei acordando mais cedo. Procurei dentro e fora de casa, mas não a encontrei.
Ela foi embora sem dizer nada.
A casa estava monótona. Era apenas eu… e mais ninguém.
Uma ideia me veio à mente. Praticar a magia de invocação, caso eu obtivesse êxito em invocar algum espírito iria conseguir elogios de minha Aira.
Peguei o livro Rituais de Invocação e continuei a ler de onde havia parado.
Era importante ter noção de quem queria invocar.
Dei uma pausa na leitura. Me levantei e caminhei até a sala confiante de que conseguiria fazer a invocação.
Comecei a entoar o cântico.
— Venha até mim como meu servo, — com as mãos esticadas para frente continuei — eu te ofereço qualquer tributo que deseje.
Terminado o cântico, uma forte brilho iluminava a sala. Não enxergava nada até a luz dissipar.
Não tinha nada de diferente. Espírito, demônio. Havia fracassado totalmente.
Hã? O que é isso?
Sentia uma exaustão no corpo, não tinha forças pra sequer dar um passo à frente.
— Ei, acorde, ei!
Quem é que está falando tão alto?
Abri os olhos aos poucos, estava olhando para o teto de casa.
— Ah, você acordou. Tudo bem com você?
— Eh… quem é você?
A menina com os olhos próximos do meu rosto encarando, suas roupas estavam um trapo. Seus olhos esverdeados, cabelos ruivos e uma longa cauda deixava perceptível que ela não era humana.
Uma Dengen, era isso que era, uma raça bem parecida com os humanos, o que os diferenciava dos humanos eram partes animalescas que possuíam.
Me levantei devagar, ainda sentindo fadiga por toda parte do meu ser.
— Me chamo Nefti, agora me responda: cê tá bem?!
— Sim, estou. Por quê invadiu minha casa?
— Mandaram passar uma mensagem a uma moça chamada Aira, quando cheguei não a encontrei e você tava caído no chão, aí te arrastei até a cama…
Calado mantive escutando o que ela tinha pra falar.
— Quando toquei, cê tava muito quente e não acordava por mais que gritasse. Achando que seria muito perigoso deixá-lo sozinho, fiquei cuidando até que você melhorasse, aos poucos cê foi melhorando e a temperatura ficou normal, só que de repente começou a se debater. Fiquei muito preocupada e comecei a tentar te acordar novamente.
No fim, se não fosse pela invasora poderia ter morrido.
— Obrigado por ter cuidado de mim, mas o que queria contar para minha irmã?
— Então você é irmão dela?! Desculpe, mas me foi ordenada a passar a mensagem apenas para a moça Aira.
— Minha irmã não tá, ela foi recrutada para servir ao esquadrão de cavaleiros. Não sei quando voltará.
A Dengen parecia triste, mas logo deu tapas em suas bochechas. Não entendi o motivo disso, mesmo assim não falei nada.
— Está bem, irei voltar para casa e passar essa informação pro chefe. Até logo — a garota sai dando um sorriso estampado no rosto.
Ela simplesmente saiu sem dizer mais nada. Fechei a porta e fui olhar a casa procurando a ampulheta temporal, um instrumento mágico que contava as semanas que passava enquanto a areia descia da ampulheta de cima para baixo. Versões mais caras podiam contar meses e até anos.
Caminhei pela casa.
Onde tá essa ampulheta??
Procurava, mas não encontrava por mais que continuasse a procura.
Quando finalmente parei de procurar avistei a ampulheta temporal debaixo da cama.
Olhando a ampulheta contava três semanas.
O mês começou faz pouco tempo, quer dizer que dormi por uma semana inteira!?
Olhando a ampulheta me fez sentir uma fome enorme. Fui até a mesa pegar frutas para comer, enquanto preparava a comida.
Mas quando me deparei com a mesa, comidas prontas e quentes preenchiam a pequena mesa.
Foi a invasora que fez tudo isso?
Quanto mais pensava , mais a barriga falava com seu ronco alto “Tô com fome!” Corri até a mesa.
— Tá bom, vamos comer.
Os 16 pratos foram sendo esvaziados um após o outro.
— Saciou, barriga?
Ela não reclamou, o que deveria indicar que está cheia.
No dia seguinte decidi descer até o vilarejo para procurar a Dengen e agradecer por tudo que fez.
De repente quando me aproximava da porta escutei rangidos de alguém batendo na porra, caminhei rapidamente.
— Irmã!
Abri apressadamente sem pensar duas vezes. Uma garota com cauda longa e avermelhada, olhos esverdeados e com uma bola entre os braços estava em minha frente. Não era Aira, e sim a Dengen do dia anterior.
— O que veio fazer aqui novamente, invasora?
— Como sua irmã não está, pensei em vir brincar com você — ela falou sorridente erguendo a mão com a esfera sobre ela.
Realmente não queria brincar, precisava continuar os estudos sobre a magia de invocação. Ela continuava com o sorriso estampado em minha frente.
— Que tipo de brincadeira?
Cedi ao pedido da Dengen.
Não parecia que iria embora enquanto não brincássemos. Sem escolha tinha que brincar com a Dengen e dar um tempo nos estudos.
A brincadeira consistia em um jogar a bola para o outro receber sem a derrubar, assim passar rapidamente para o próximo. Em teoria seria bem simples, mas me enganei quando se iniciou.
Os Dengens podiam ser parecidos com os humanos, mas sua força e estamina eram maiores que os humanos. A Dengen ficou lançando a bola, quando eu a recebia, mal tinha tempo para devolver que já recebia novamente.
Passamos bastante tempo fazendo isso. Já estava cansado. Ela percebeu no mesmo momento. A brincadeira acabou alí.
— Estou com fome — falou ela sentando próxima de mim.
— Vamos entrar, acho que tem algo para comer.
Ainda tinha comida guardada. Comemos pães com suco de maçã.
A brincadeira da invasora foi divertida. Tinha que agradecer.
— Obrigado… hm… por ter vindo brincar comigo — falei colocando mais um pedaço de pão na boca.
— Que isso, foi bem divertido, e também não esperava que um humano iria alcançar a minha velocidade.
Já estava entardecendo. A invasora, quer dizer, Nefti ficava triste enquanto se levantava da cadeira.
— Eu tenho que ir agora, então… — ela falou cabisbaixa — posso voltar outro dia?
Eu não tinha quaisquer motivos para recusar, mas queria ter tempo para estudar também. No fim apenas concordei.
— Claro que sim.
Seu semblante deixou de ser tristonho, ela caminhou até a porta desaparecendo de vista.
Ela tinha ido embora. Fechei a porta, tentei pegar o livro para ler algumas páginas, mas não conseguia manter a concentração, estava com sono. Fui dormir cedo neste dia.
No dia seguinte Nefti veio novamente, nós brincávamos até o entardecer e depois ela iria embora. Não era mais apenas utilizando a bola que ela trazia consigo, mas outras que envolviam se esconder ou pegar objetos.
Nefti passou a vir praticamente todos os dias. Não reclamava, mas não tinha qualquer tempo para estudar, as brincadeiras que ela inventava cansava bastante depois que acabamos o dia.
Já faziam seis meses que Aira não retornava, queria saber como ela estava. Já estava ficando preocupado.
— Ei, Neku, quantos anos você tem?
Quem me tirou dos meus pensamentos foi Nefti que estava olhando a estante de livros de casa.
— Que pergunta repentina é essa? — perguntei olhando para ela
— É que já nos conhecemos já faz seis meses, mesmo assim não sei sua idade e para um humano é importante saber sua idade.
— Tenho 13 anos.
— Então sou mais nova que você, tenho 12 — falou Nefti continuando a caminhar pela estante.
Neste dia apenas ficávamos conversando. Nefti morava na vila que ficava na floresta de Tharta, nessa vila outras raças além de Dengens viviam. O líder da vila que tinha pedido para ela vir brincar comigo, e não me deixar sozinho até que Aira voltasse. Qualquer problema que tivéssemos poderia falar com o líder.
Quem é esse líder, e por que ele está fazendo isso?, fiquei me questionando.
No outro dia, estranhamente Nefti não queria brincar.
— O que foi, Nefti?!
Ela parecia esconder algo.
— Então… — Nefti ficou em silêncio até que retomou — Você poderia me ensinar a ler?
Era isso que ela tava escondendo e queria falar? Eu ensinar ela a ler.
Apenas concordei, achei até engraçado ela colocar tanta dificuldade para pedir isso, nós éramos amigos. Não tinha qualquer problema pedir favores aos amigos. Foi isso que aprendi por todo esse tempo que estive com Nefti.
Brincávamos menos, retirava parte do tempo para as aulas de Nefti.
Em dias nublados, estudávamos debaixo da árvore próxima de casa.
Mas num mesmo dia nublado, um lobo apareceu. Seu corpo era maior que o meu, uns dois metros, presas em sua boca enormes e expostas.
O lobo corria para atacar Nefti.
O que eu faço? Quando o pensamento veio à mente, meu corpo já tinha se movido.
Empurrei Nefti com rapidez. Não tínhamos como matar aquele lobo. Peguei em sua mão correndo para dentro de casa, fechando a porta.
O lobo persistia a perseguição debatendo contra a porta.
A porta de madeira aos poucos quebrava, deixando o lobo próximo a invadir.
Nefti me abraçou fortemente. Minha mente estava em branco, sem qualquer ideia do que fazer, mal tinha percebido Nefti me abraçando.
O medo tomou conta de mim.
— Eu vou te proteger, Neku!
Nefti se afastou de mim se levantando do chão frio da casa.
— Nefti, o que quer dizer com isso? É um lobo de prata, não seríamos páreos pra ele.
Um silêncio pairou. O lobo tinha parado de bater, não via qualquer parte do corpo do lobo do buraco que tinha se formado na porta.
Ele foi embora?
Quando tentei me levantar, um estrondo. A porta estava quebrada. O lobo estava a passos de nos confrontar.
Auuuuuu!
Com seus uivo, ficamos imóveis de medo que preenchia cada parte do nosso corpo.
O lobo faz sua investida abrindo sua grande boca feroz.
Quando próximo de nós, repentinamente o lobo cai no chão sendo arrastado pela velocidade que corria em cima de Nefti. Em suas costas uma espada.
Sem reação busquei me levantar tirando Nefti de longe do Lobo de Prata.
A pessoa dona da espada aparecia em frente a porta. Seu corpo era envolto de uma armadura reluzente de azul e dourado.
Ela correu rapidamente em nossa direção me abraçando junto de Nefti.
Aira retornou da capital.
Estava feliz por Aira finalmente ter voltado.
— Vocês estão bem? — falou Aira olhando em meus olhos
— S-sim… irmã, estou.
Não vou chorar!
Segurava as lágrimas que aos poucos saíam. Sequei de imediato.
— Sim, obrigada cavaleira — respondeu Nefti nervosa secando seus olhos encharcados.
— Que bom. Desculpe Neku, quase não consigo proteger você.
Aira arrastava o cadáver do lobo para fora junto das partes da porta destruída. Seguindo do preparo do almoço.
Comíamos enquanto Aira apenas observava.
— Acho que é melhor ir para sua casa menina, já está anoitecendo e os monstros estarão mais ativos.
Aira falou tirando o silêncio que estava ao redor.
— Tem razão cavaleira. Tchau, Neku.
Nefti levantou da cadeira sem olhar para mim.
Não sabia porquê, mas sentia que Nefti ficou triste. Além do mais ela não poderia ir sozinha, poderia ser atacada novamente e dessa vez não iria ter ninguém para proteger ela. Tinha que falar para minha irmã acompanhar Nefti.
— Irm-
Fui interrompido no mesmo instante.
— Espere, garota, eu irei levar você. Apareça Yuki.
De repente o ar ao redor ficou mais frio. Uma parte do chão começou a congelar. Daquela parte começa a surgir uma mulher de pele branca como a neve e olhos cintilantes. Ela não tinha pernas, apenas flutuava naquele canto.
— O que quer, Aira? — perguntou a mulher
— Proteja meu irmão até eu voltar! — falou Aira com firmeza em sua voz
— Como quiser…
Minha irmã saiu ao lado de Nefti, enquanto fiquei com a mulher que flutuava sobre o chão.
— O quê é você, senhora?
Estava curioso sobre a mulher que estava comigo. Ela que era uma invocação?
— Sou a invocação criada por sua mãe — respondia ela olhando atentamente para mim.
Então ela realmente era uma invocação. Ela não tinha chifres, asas ou olhos que passavam medo. Não era um demônio e sim um espírito.
Ela foi uma invocação da minha mãe?
Aira nunca falou sobre nossos pais. O espírito Yuki sabia sobre nossa mãe..
— Onde mamãe está? Por quê não está aqui para cuidar de mim e da minha irmã? — falei olhando para o espírito
Antes que ela pudesse me responder, eu comecei a me sentir sonolento de repente.
Quando acordo, o espírito Yuki não estava mais por perto, o ar já estava menos frio e eu estava na cama. Aira já tinha voltado e fazendo a comida. Ela olha para mim e percebe que acordei.
— Desculpa, te acordei não foi? — Aira falou continuando a cortar a carne
— Não, não — balancei a cabeça negando.
Estava preocupado com minha irmã, mas o que mais me deixou pensativo foi sobre os meus pais. Era algo que queria saber.
— Neku, ontem quando levei a garota Dengen para a casa dela, ela pediu desculpas e disse que ficaria um tempo sem vir.
Estava bastante triste escutando. Mas ainda não parecia ter acabado as más notícias.
— Ela está com medo ainda por ontem terem sido atacados, assim que melhorar, ela voltará.
Fiquei mais aliviado, me diverti brincando e ensinando Nefti.
— Irei ficar em casa por algum tempinho — falou Aira sorrindo para mim.
— Sério?
— Sim, durante os meus serviços na capital ganhei a chance de ficar mais tempo com você.
Estava inquieto pensando que ela poderia rejeitar a ideia. Reuni forças e me preparei.
— Irmã, posso pedir algo para você?
Com tudo que aconteceu, Nefti poderia ter morrido se Aira não tivesse chegado a tempo. Tinha que ficar mais forte de alguma forma. Esse era meu objetivo.
— Claro, o que é? — falou ela pegando uma cadeira para se sentar próximo da cama
— Então… é… me treina, por favor.
Consegui falar mesmo travando um pouco. Ela ficou em silêncio colocando sua mão próxima do queixo. Até que voltou a falar.
— Você tem certeza? Se for por causa do incidente com o Lobo de Prata, não precisa se preocupar.
— Irmã, eu sou fraco e se você não tivesse aparecido eu e Nefti teríamos morrido. É melhor aprender a lutar, mesmo que seja um pouco. Por favor, eu quero ficar forte.
Me curvava suplicando pelo treino.
Aira levantou da cadeira.
— Está bem, vou te treinar, mesmo assim saiba que irei pegar pesado, se você não acompanhar irei aceitar como incapaz e não treinarei você até que complete 18 anos.
— Aguentarei qualquer coisa!
Consegui a resposta que desejava, apesar de não saber o que me esperava neste treino, assumi que iria acompanhar o rigoroso treino dela.
— Levante-se, vamos iniciar agora — dizia Aira séria indo até a porta.
Acompanhei para o lado de fora de casa. As árvores próximas já estavam com folhas avermelhadas mostrando que a primavera já se iniciava.