Murphy Brasileira

Autor(a): Otavio Ramos


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 50: Por um Triz

Gandía conduziu Ella e Mariah até a entrada de um bunker — duas portas metálicas gigantescas escancaradas, como a boca de uma fera adormecida.

— Aqui estamos. Mas eu não recomendaria vocês entrarem. Você só tem um revólver e a velha tá desarmada.

— Minha rapieira supre qualquer ausência de arma — retrucou Ella, pressionando com força o cano do revólver contra a nuca dele. — Anda, entra.

Ella e Mariah vasculharam a área ao redor antes de descerem as escadas, vendo tudo aparentemente limpo, começaram a descer a escada metálica que ecoava sob seus passos.

O interior era o de um bunker moderno, tecnológico e com uma atmosfera um tanto quanto liminar — corredores brancos, luzes cegantes e um silêncio arrepiante.

— Kross, entramos no bunker. Cadê você? — chamou Ella pelo walkie-talkie.

— Já estou aqui dentro procurando a sala das armas — respondeu John, avançando pelo corredor interminável, com o rosto marcado por sangue fresco.

Mas há pouco tempo atrás, estava em um combate mortal com Brian Foster.

Brian avançou com sua faca ferozmente, desferindo um ataque descendente. Kross desviou habilmente e retaliou mirando em seu braço.

A diferença de velocidade entre os dois era absurda, mas Brian não era qualquer soldado: agarrou o pulso do major antes que o golpe o atingisse e John respondeu com uma cabeçada brutal.

Eles recuaram, encarando-se. Brian partiu para a ofensiva novamente, conectando uma sequência vertiginosa de ataques que John desviava ou repelia com uma precisão quase inumana. No fim, Kross finalizou a sequência de Brian com uma rasteira, derrubando-o.

John tentou apunhalá-lo ali mesmo, mas Brian o chutou no peito — forte o bastante para derrubar John. No mesmo momento, a faca de Brian rompeu o ar com toda sua força. Acertou apenas o chão; John rolou para o lado e se levantou imediatamente.

John contra-atacou Brian com uma estocada veloz, mas numa manobra surpreendente, Brian saltou pelo flanco dele, desviando por pouco. Mas logo ao se recompor, o chute de John o lançou ao chão novamente.

Ambos arfavam. Era um combate formidável.

— Você evoluiu, tenho que admitir — disse John, girando a faca na mão. — Já se cansou?

Brian ergueu-se e encarou seu major. Eles começaram a andar em círculos, cada músculo atento.

John estava atento aos sinais, e no primeiro indício de ataque, ele já havia se esquivado de uma investida mortal.

Vieram mais golpes — rápidos e agressivos — e John bloqueava cada um com o antebraço. Até que, numa jogada inteligente, Brian agarrou o braço de John, torceu-o e forçou sua faca contra seu próprio oblíquo, perfurando-o.

John recuou, ferido. Brian não lhe deu descanso: correu em sua direção e desferiu um ataque direto. Seria fatal.

John segurou a lâmina da sua faca com sua mão.

O metal rasgava sua palma. Enquanto seu sangue escorria pelo cabo da faca, Brian o encarava com um sorriso satisfeito.

Aquela era uma competição de força, uma competição em que John sangrava em desvantagem.

A faca rasgava a mão de John cada vez mais, ao passo que ela estava a milímetros do seu peito. E então Brian sentiu algo.

John num piscar de olhos puxou sua faca do oblíquo e a cravou no peito de Brian.

— Eu... cheguei tão perto... major — murmurou Brian, com a voz falhando.

John puxou a lâmina do peito dele e um jato de sangue jorrou em seu rosto. Brian tombou, imóvel.

— Você lutou até o último segundo... mas chegar perto não é o suficiente — respondeu John, pressionando o oblíquo para conter o sangramento.

— Passamos... por tantas coisas... juntos, major. Mas... todas... essas memórias. — Brian engoliu em seco, já sem forças. — Vão se perder... como lágrimas... na chuva. Te vejo no inferno... major John Kross.

Brian deu seu último suspiro. John o encarou, um peso silencioso e melancólico marcava seu olhar. Ele não era apenas seu subordinado, era um dos únicos amigos que teve durante sua vida inteira.

John repousou sua mão direita sobre seu oblíquo, em instantes, uma luz roxa irradiou sob a pele.

Ele sentiu o frio do Vazio se misturando à própria dor. O ferimento começou a se fechar com uma precisão cirúrgica.

Músculos, vasos sanguíneos e tecidos reconstruídos em segundos, como se jamais tivessem sido rompidos — aquele era o poder cobiçado do Vazio, capaz de elevar a natureza frágil dos humanos ao topo da cadeia alimentar.

John colocou de volta seus óculos escuros.

No presente...

Ella e Mariah estavam encurraladas, escoradas em uma parede quando uma chuva de disparos cortou o corredor. Os militares encontraram a dupla.

— Apenas uma está armada — berrou Gandía para seus parceiros. — A outra...

Antes que pudesse terminar a frase, Ella deu uma coronhada em sua cara.

— Não me obrigue a te matar...

— Vocês são só duas. Nós somos seis — exclamou um dos militares, aproximando-se passo a passo. — Nos passem o Gandía e pouparemos vocês.

— Eles não vão nos poupar — sussurrou Mariah.

— Eu sei...

Ella puxou uma granada de fragmentação do seu bolso.

— Só temos duas. Tem certeza que agora é o melhor momento?

— Se eu ou você dermos a cara pra usar a Vontade, viramos peneira. Não vejo outra opção.

— Deixa comigo. Tenho uma técnica que vai destroçar cada um deles.

— Vai em frente. — Ella entregou a granada à Mariah.

Mariah canalizou sua Vontade na granada e puxou o pino.

Gandía percebeu o que ela faria e podia deixar isso acontecer. Mesmo que custasse levar um tiro.

Ela soltou a alavanca e se preparou para arremessar a granada — Gandía se levantou num impulso, Ella disparou um tiro certeiro em seu abdômen, porém não o impediu de acertar um soco com toda sua força no ombro de Mariah, fazendo a granada escorregar de sua mão.

Três segundos até a granada explodir.

Ella agiu antes mesmo de pensar. Agarrou Gandía pelo pescoço, engatilhou seu revólver contra sua têmpora e disparou em direção ao corredor da direita, arrastando-o como escudo humano. Os militares hesitaram em atirar até ela atravessar até sumir pelo outro lado.

Mariah por outro lado, correu para o corredor oposto. Os militares recuaram para trás imediatamente.

A granada explodiu — o encantamento de Mariah era tão poderoso que a onda de choque percorreu o corredor inteiro. Mesmo a distância, a explosão atingiu Ella. Sua Vontade foi dividida entre os inúmeros estilhaços da granada. Um deles cruzou o ar como um dardo.

Gandía estava frente dela — mas a sorte dessa vez não estava ao seu lado. O fragmento atingiu Ella na testa, perfurando a camada superficial do crânio. Não o suficiente para penetrar seu cérebro, mas o suficiente para ficar preso como um chifre prateado e sangrento.

A explosão também atingiu Gandía, mas teve sua queda amortecida pelo corpo de Ella. Os dois caíram um em cima do outro.

O revólver de Ella caiu bem na frente de Gandía. Atordoado e com a cabeça zunindo, ele se rastejou lentamente até a arma, aproveitando que Ella ainda estava caída e tonta.

Dois disparos ecoaram no bunker. Próximos, mas indecifráveis. Talvez Mariah estivesse morta, talvez fosse outro inimigo. Ou talvez a sorte tivesse mudado de lado.

Mas Ella, Mariah e John não eram os únicos invasores daquele bunker.

Não muito longe dali, uma voz familiar discutia com um militar.

— Já falei que foi um engano, porra! Não estou com eles, pelo contrário, estou atrás do homem que está invadindo o bunker.

O militar empurrou as costas do homem para ele andar pra frente — estava apontando uma pistola para ele.

— E qual é o nome dele? — exigiu o militar, desconfiado.

— John Kross. Escuta aqui, eu sou apenas um mercador. Viajo pelas terras coletando e vendendo recursos. Não sou idiota de invadir uma base militar.

— O que um mercador está fazendo atrás do maior bioterrorista da história? Conta outra. Acelera o passo ou eu vou meter uma bala nas suas costas.

Com seus mais de dois metros de altura, era difícil lidar com um brutamonte daqueles. Ele ficou parado na mesma posição, sem mover um músculo.

— Você escutou o que eu disse? Eu mandei andar! — gritou o soldado, encostando o cano nas costas dele.

O Vendedor se moveu como um relâmpago. Empurrou a arma para cima com seu cotovelo — o militar atirou por reflexo, mas o tiro atingiu o teto. Em milissegundos a pistola já estava na mão do Vendedor.

O Vendedor deu duas coronhadas em seu rosto e atirou em seu queixo. O militar desabou no chão na hora.

— Filho da puta... sujou meu boné de sangue — murmurou ele, pegando sua mochila e guardando sua nova arma.

A explosão que havia estremecido o bunker chamou sua atenção. Ele partiu naquela direção.

Gandía agarrou o revólver de Ella e se levantou trôpego. Com bastante esforço, Ella se ajoelhou, com a mão direita em sua bota.

— Me fale... me fale quem mandou vocês e talvez eu não atire — ameaçou ele, engatilhando o revólver.

— Vai pro inferno — respondeu Ella, com a mão na faca escondida em sua bota.

— Você não vai jogar essa faca em mim antes que eu estoure seus miolos. Desista dessa ideia.

O sangue do ferimento da testa de Ella escorreu até seu olho esquerdo. Estava difícil de enxergar, mas ela estava determinada a lutar até o final.

— Não sei. Pode ser que sim, pode ser que não. Quer descobrir?

Gandía sorriu, cruel.

— É uma pena que você não viverá pra reencontrar seu pai. Mas não se preocupe, não vou contar pra ele sobre as merdas que você fez.

Ele puxou o gatilho e Ella arremessou a faca ao mesmo tempo.

Gandía tomou sem completar o disparo. Um tiro em sua cabeça salvou Ella.

— Ella... já tem um tempo — disse o Vendedor, assoprando a fumaça do cano.

Ele caminhou até ela e estendeu sua mão.

— Você não cansa de aparecer sempre no último momento? — resmungou Ella, agarrando sua mão e se levantando com dificuldade.

— Essa é minha marca registrada, você sabe.

— O que tá fazendo aqui? Estava me seguindo?

— Estava seguindo seu novo amiguinho, John Kross. Sabe, eu me lembro muito bem de ter dito no laboratório o quão perigoso ele era. E cá está você, trabalhando pra ele.

— Não tive outra escolha. E eu não estou trabalhando pra ele. É pra Tatiana.

— Ah claro, então você não trabalha pro Lúcifer, só pro Astaroth — ironizou ele.

Ella desviou o olhar.

— Eu não queria isso, tá legal? Eu só estou fazendo tudo que posso pra encontrar meu pai.

Ele suspirou.

— Eu entendo... situações de merda nos obrigam a ficar do lado de gente merda. Esse ferimento na sua testa, o que é isso? — indagou o Vendedor, tocando com cuidado.

Ella contraiu seu rosto, sentindo dor.

— É a porra de um estilhaço de granada...

— Perfurou só a camada superficial da sua testa. Você teve sorte.

— Sorte? O cuzão que você matou estava na minha frente e mesmo assim o estilhaço veio em mim.

— Então veja pelo lado bom, você teve sorte no azar.

— Você deveria ir embora — pediu Ella, pegando seu revólver do chão. — Se o John te ver junto comigo, vai arranjar problemas pra mim.

— Me leve até ele. Seja lá em qual merda você estiver envolvida, eu te tiro dessa. Eu não posso deixá-lo escapar.

— Agora não é a hora dele morrer — interrompeu Ella. — Uma guarda da Tatiana foi morta e ela sabe que fomos nós. Se o John morrer, eu e a Mariah viraremos alvos dos Puracionistas. Mesmo que eu me refugie na UCC, ela pode não ter a mesma sorte. Eu ainda preciso dela pra me ajudar com o Doutor Yersin.

Ele ficou em silêncio, olhando para o chão enquanto Ella olhava pra ele.

— Então você conseguiu... trouxe ele de volta.

— Eu sei o que está pensando, mas...

— Você irá trazer a mudança para esse mundo — disse ele, tocando o centro do seu peito com o dedo indicador. — Não precisa me explicar nada. Faça o que seu coração mandar. O que os outros pensarem, não importa.

Ella franziu o cenho, surpresa.

— Tome cuidado... com a Tatiana, com o John... e até mesmo com a Mariah — continuou ele. — Você é uma das únicas pessoas com quem eu realmente me importo, não quero te perder.

Ella segurou o braço dele e, por um instante raro, pela primeira vez conseguiu ver um pouco dos seus olhos — castanhos, profundos, sempre escondidos sob a sombra do boné. Durou apenas um segundo, ele logo levantou a cabeça.

— Obrigada por salvar minha vida. Te devo essa.

Ele sorriu e virou as costas, retirando-se.

— Até a próxima, Ella.

Quando ele desapareceu pelo corredor, Ella desembainhou a rapieira e usou a lâmina como espelho. Tocou com extremo cuidado o fragmento de granada preso em sua testa.

— Que dor...

Ela puxou o walkie-talkie do seu bolso — milagrosamente intacto após a explosão.

— Tem alguém me escutando? Fui atingida por um estilhaço de granada. Está preso na minha testa estancando o sangue, mas preciso de um médico logo.

Ninguém respondeu. Aparentemente também estavam em problemas.

Ella decidiu explorar o bunker em busca dos seus aliados, estavam em algum lugar daquele complexo — mas as chances de encontrar inimigos antes deles eram muito maiores.

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