Volume 1 – Arco 2
Capítulo 21: O Ódio de Kasaroth(III)
Ella demonstrava um semblante sereno, mesmo diante daquela situação caótica.
— Ella, corre! — gritou Ethan, tentando retirar Raiden dos destroços que o haviam empalado.
— Lembra do que o papai nos disse? Devemos proteger um ao outro, mesmo que eu morra, não irei decepcioná-lo.
— Merda! Por que você não me escuta pelo menos uma vez na vida?
O desespero de Ethan era evidente em sua voz, ele queria garantir ao menos que sua irmã sobrevivesse.
Ella sorriu para seu irmão.
— Porque a mamãe me disse para sempre fazer o que eu achar correto.
— Acabou os casos de família? — zombou Kasaroth.
Kasaroth apertou sua lança com muita força e a desfez, transformando-a em apenas poeira do Vazio.
— Quer saber, vou tornar essa luta justa. Que vença o melhor lutador. — Kasaroth sorriu e assumiu posição de combate.
— Flamma Incorporatio. — Os punhos de Ella se envolveram em chamas.
Kasaroth avançou contra Ella, desferindo um soco com toda sua força; Ella se defendeu com um golpe igualmente potente.
Os punhos de ambos colidiram, gerando um grande impacto ao redor. A força dos dois era descomunal.
Com seu punho direito, Ella tentou atingir o maxilar de Kasaroth, mas ele se defendeu criando uma couraça do Vazio em seu ombro.
— Você terá que ser mais rápida se quiser acertar minha cabeça.
Kasaroth retribuiu o ataque com outro soco, mas Ella esquivou para o lado e acertou seu flanco direito.
Um soco com o punho direito, outro com o punho esquerdo, todos com uma potência solar.
— Flamma pugni — gritou Ella, e em seguida, os dois socos que desferiu se multiplicaram em mais de cinquenta.
A cada golpe que acertava Kasaroth, ele era empurrado meio centímetro para trás.
Todo o flanco e o abdômen de Kasaroth estavam cobertos por marcas de queimaduras, mas o ataque parecia não ter feito nem cócegas nele.
— É só isso? — Um sorriso maléfico surgiu no rosto dele.
Kasaroth avançou como uma fera para cima de Ella, surpreendendo-a.
A garota tentou esquivar para trás, mas era inútil; Kasaroth agarrou seu braço direito e o pressionou com muita força, imbuindo-o completamente no Vazio.
Ele soltou o braço dela e se afastou, rindo.
— Percebi que você gosta bastante do seu braço direito. O esquerdo tem dedos faltando, não é? — disse Kasaroth, gargalhando. — Inutilizei seu braço com o Vazio, o máximo que você consegue fazer agora é mover alguns dedos. Vamos, dê uma chance para o seu braço esquerdo, se não ele ficará triste!
Ella percebeu que ele não estava mentindo; só conseguia mexer os dedos, toda a mobilidade do braço havia desaparecido. Ele estava rígido, como se fosse um membro morto.
Olhando ao redor, Ella viu que seu irmão tinha retirado Raiden dos destroços e agora estava estancando o sangramento. Aparentemente, a situação deles estava sob controle.
Kasaroth foi surpreendido quando Ella avançou ferozmente contra ele; ele imaginava que, sem seu braço principal, ela recuaria, mas foi justamente o contrário.
Mesmo com somente um braço, ela continuava desferindo ataques com seu punho flamejante. Kasaroth desviava de todos, mas cada ataque de Ella era com o coração, ele podia sentir isso.
Kasaroth concentrou toda sua energia do Vazio em seu punho direito, aumentando o tamanho dele consideravelmente. Ele atacou Ella com toda intensidade, no entanto, ela se defendeu com seu braço esquerdo.
O ataque de Kasaroth obviamente quebrou o braço dela. Ella se conteve para não gritar de dor, pois seu oponente imediatamente a atacou com o outro braço.
Mas era exatamente isso que ela queria. Ella esquivou do ataque de Kasaroth que certamente seria fatal
“Ela usou o braço como isca?!” Kasaroth percebeu imediatamente a estratégia de Ella e já preparou outro ataque.
No entanto, repentinamente, o braço esquerdo de Ella perdeu muita massa, ficando esquelético, não só o braço, mas todo seu corpo.
Em contrapartida, seu braço direito, que estava tomado pelo Vazio, foi revigorado por uma chama solar fulgurosa.
O ataque que Ella estava prestes a usar a trouxe-lhe uma rápida lembrança de sua mãe.
— Aqui está, Ella, o que eu prometi. — Giulia colocou um livro pequeno diante de Ella. — Os ensinamentos esotéricos da família Lancelot.
— Ah, é um livro pequeno, eu achei que seria maior.
— Não julgue um livro pelo tamanho. Aqui está a coletânea de todas as técnicas e encantamento que a minha família criou. Vai levar um tempo até você aprender todos eles, mas vou tentar te ensinar a maioria.
Ella pegou o livro e folheou até achar um encantamento que prendeu completamente sua atenção.
No livro, havia a ilustração de um homem desferindo um soco flamejante; o detalhe mais intrigante era que as chamas na ponta de seus punhos formavam uma caveira.
Abaixo da ilustração, havia uma escritura em vermelho: “Usar somente em caso de vida ou morte. Esse ataque utilizará todas as reservas naturais do corpo do usuário, levando-o a um desmaio súbito. Aquele que for atingido por esse golpe terá sua alma incinerada.”
E abaixo dessa escritura, havia outra, escrita a lápis: “Eu me pergunto em que lugar do Plano Espiritual o Lancelot que criou esse encantamento se encontra, pois tenho certeza que sua alma não foi aceita nem pelo céu nem pelo inferno. — Marcos Lancelot”.
— Castigo di Lancelot. Eu quero aprender esse, mamãe!
Obviamente, Giulia não ensinaria a sua filha um pecado, como eram conhecidos os encantamentos banidos da sociedade.
Mas isso não impediu Ella de aprendê-lo secretamente; ela nunca foi muito de seguir regras.
“É tudo ou nada. Se eu não o matar agora, todos nós morreremos. Mas eu prefiro morrer tentando!” pensou Ella, milissegundos antes de girar seu corpo num ângulo de 180 graus e esbravejar o nome do encantamento, sua última carta na manga.
— Castigo di Lancelot! — Ella gritou com todo seu vigor, um grito que veio da sua alma e foi energizado com seu coração. Ela estava dando tudo de si naquele ataque.
No entanto, quando Ella olhou pra cima, teve a fatídica visão de Sorrel fora do corpo de Kasaroth, prestes a matá-la com uma destruição total.
Acabou. Esse era o seu fim, não havia nada que ela pudesse fazer a respeito. Seu golpe não o atingiria antes das palmas de Sorrel.
— Morra — pronunciou Sorrel, a poucos milímetros de encostar suas palmas e gerar uma explosão catastrófica.
“Acabou. Não consegui pai, me perdoe.” Ella fechou seus olhos e deixou que seu punho seguisse seu trajeto, embora a morte fosse inevitável.
Um vulto preto passou diante de Ella e muito sangue respingou em seu rosto. Seu punho atingiu somente o ar.
Ella rapidamente abriu seus olhos e viu que os dois braços de Sorrel haviam sido decepados. Um homem negro com um guarda-chuva foi o responsável.
O homem e Ella trocaram olhares. Ela pôde ver claramente, era impossível não reconhecer aquele bigode; Marcos surgiu no último instante para salvá-los.
Pelo menos, foi isso que Ella pensou, mas com um impulso do guarda-chuva, Marcos desapareceu do local em segundos.
Sem hesitar, Ella direcionou novamente seu punho contra Kasaroth utilizando suas últimas forças.
Ella rangeu os dentes enquanto o sangue escorria da sua boca.
— Queime no inferno! — gritou Ella, com o ódio impregnado em sua voz.
A caveira flamejante em seus punhos acertou em cheio o maxilar de Kasaroth e, com toda sua força, ela empurrou o corpo dele para baixo, gerando um tornado gigantesco de chamas.
Antes de ser completamente incinerado, Kasaroth, à beira da morte, lançou uma explosão contra o abdômen de Ella, jogando-a violentamente para longe.
Raiden e Ethan viram o corpo de Ella voando para o Norte, rapidamente desaparecendo entre as nuvens.
— Ella! — gritou Ethan, antes de sua irmã sumir de vista.
— Merda... — Raiden se levantou, com a mão no peito e uma dor excruciante.
As chamas do tornado se dissiparam e os dois foram investigar.
O tornado havia criado uma enorme cratera, mas no fundo não havia nenhum vestígio de Kasaroth. Ella havia conseguido protegê-los.
Também não havia nenhum rastro do homem negro que havia salvado Ella. Seria Marcos, o homem que procuravam? Uma pulga atrás da orelha plantou-se na cabeça dos dois.
O céu se fechou e uma forte chuva começou a cair.
— Precisamos ir pro Norte agora! — exigiu Ethan.
— Não dá... precisamos voltar, essa bandagem não vai segurar o sangramento por muito tempo — respondeu Raiden, com dificuldades para falar.
— Mas aquela região está lotada de feras e animais selvagens. Se não formos atrás da Ella, ela vai morrer!
— Ethan, você está com o braço quebrado... e vamos supor, mesmo se estivéssemos em condições... dada a altura de que ela foi lançada, eu duvido que ela sobreviva à queda. Sinto muito. — Raiden se retirou, caminhando até a carruagem.
— Isso não é justo! Só estamos vivos por causa dela, temos que ir atrás dela! — bradou Ethan.
— E você quer desperdiçar sua vida indo morrer no Norte? Vamos... é uma ordem — ordenou Raiden, com semblante sério. — Eu prometo... quando nos recuperarmos, nós a procuramos.
A frustração e a ira estampavam o rosto de Ethan, mas ele cedeu a Raiden. No fundo, sabia que ele tinha razão. Caminhou ao seu lado, ajudando-o a alcançar a carruagem.
Surpreendentemente, os cavalos ainda estavam lá, inquietos, mas permaneciam no local.
— Obrigado por não nos abandonarem, Aquiles e Troia — disse Raiden, enquanto acariciava os dois cavalos, acalmando-os.
— Descansa, deixa que eu os coordeno. — Ethan foi para a boleia e os cavalos logo retornaram a andar novamente.
Após uma viagem exaustiva, Ethan e Raiden chegaram à UCC e foram atendidos pelos médicos da comunidade subitamente. No dia seguinte, Marc os visitou no hospital.
— E a sua irmã, nenhum sinal de onde ela possa estar? — perguntou Marc.
— Ela foi lançada para o Norte — respondeu Ethan, com dificuldade para falar.
— Foi lançada violentamente para o Norte, a cerca de duzentos metros de altura. A única chance de ela ter sobrevivido é se tiver caído em árvores, e mesmo assim, nem mesmo os Goldwings vão para aquele lugar. A chance de ela estar viva é muito baixa — disse Raiden, realista.
— Ela está viva! — gritou Ethan. — Tenho certeza! Marc, por favor, mande alguém para o Norte o mais rápido possível.
Marc permaneceu quieto por alguns instantes.
— Sim, Raiden tem razão. A chance de ela ter sobrevivido é baixíssima, mas eu nunca deixo um de nós perdido. Mesmo que morta, traremos o corpo dela de volta. Irei mandar um dos nossos procurar ela, pode ficar tranquilo, Ethan.
— Quem você vai mandar? — indagou Raiden.
— O Tristan, quem mais eu mandaria? — Marc riu. — Ele é um dos nossos melhores rastreadores.
— O Tristan? — Raiden se exaltou. — Ele é só um garoto! Quer mandá-lo para morrer? Por que não o Owen? Ele é o melhor rastreador da comunidade.
— O Owen odeia os Murphy, ele não procuraria a Ella com a melhor das vontades. Além disso, Tristan tem a mesma idade da Ella, ele já é maior de idade.
Raiden suspirou.
— Só não quero que mais dos nossos morram.
— Relaxa, está tudo sob o meu controle. Alguma vez já decepcionei vocês?
Raiden abaixou a cabeça, aceitando as ordens do seu superior.
— Enfim, descansem. Se Deus quiser, logo mais a grandiosa Ella Murphy estará entre nós novamente — disse Marc, retirando-se da sala.
— Ethan, não quero que pense que eu não me preocupo com sua irmã, mas você é o cara mais realista que conheço. Por que acredita cegamente que ela está viva? — perguntou Raiden.
— Os Murphy não morrem fácil. Parece até que o universo conspira a favor deles. Meu pai, você conhece a história dele, não é? Ele foi a única pessoa na história a sobreviver a um Eclipse.
— Eu sei, mas... — Raiden foi interrompido.
— Pra derrubar minha irmã, tem que ser algo realmente forte. Foi ela quem conseguiu matar Kasaroth, não se esqueça disso.
— Você tem razão. Espero que ela realmente esteja viva — cedeu Raiden, querendo evitar conflitos.
Tudo que podiam fazer naquele momento era aguardar.
Tristan já estava cavalgando em direção ao Norte. Em algumas horas, chegaria ao local onde acreditavam que Ella tinha caído. A esperança de ela estar viva era grande.