Murphy Brasileira

Autor(a): Otavio Ramos


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 9: O Coliseu dos Mortos

Adentrando o coliseu, foram calorosamente recebidas por uma criatura do Vazio muito animada.

Seu rosto era de tonalidade roxo escuro, com um óculos de lentes redondas grandes e azuis, exibindo também, um belo topete.

Ele carregava uma espécie de microfone em sua mão, era diferente dos vistos usualmente.

— Uma nova visitante? Seja muitíssima bem-vinda! E Kiyoko, que bom te ver novamente! — exclamou ele, radiante.

— Er… obrigada, eu acho — respondeu Ella, hesitante. — Queremos participar do torneio para ir à superfície, como fazemos?

— Basta inscrever seus nomes na lista de participantes pro próximo torneio. Vire à direita e fale com a Beatrice, a Rainha das Armas! — Pulou ele, ainda mais animado.

— Certo… — Ella estranhou sua animosidade. Retirou-se com Kiyoko pelo corredor à direita.

— Ele te conhece?

— Sim, eu já participei de outros torneios, foi assim que conheci o Vendedor Viajante, mas nunca chegamos a lutar um contra o outro.

— Ele falou para colocarmos nossos nomes, mas se fizermos isso, quer dizer que lutaremos uma contra a outra, não é?

— Relaxa, as lutas aqui ocorrem por torneios. Basta assinar seu nome e eu converso com a organizadora para nos colocar em torneios diferentes — respondeu Kiyoko, dirigindo-se ao balcão.

Ambas se dirigiram ao balcão para inscreverem seus nomes na lista de competidores para o próximo torneio prestes a ocorrer.

O coliseu funcionava de forma simples: oito seres vivos, humanos ou não, batalhavam em duelos mortais até chegarem à luta final.

O prêmio variava conforme a raça do vencedor. Para humanos, uma vitória no placar de lutadores e claro, o prêmio principal e opcional, a passagem para a superfície. Para criaturas do Vazio, Kiyoko explicou para Ella.

— Quanto mais alto o ranking deles no placar, maior a chance de eles serem notados pelo Chaos e se tornarem novos Emissários. O lado ruim é que isso também se aplica aos humanos, caso se corrompam em busca de mais poder.

— Entendi, estou começando a enxergar a real utilidade desse coliseu. A propósito, você sabe quem é o ranking um do coliseu?

— Boa noite garotas, vão se inscrever para o torneio? — interrompeu Beatrice, estendendo uma prancheta e caneta em direção a elas.

A caneta tinha uma ponta extremamente afiada, sua base era composta inteiramente de matéria do Vazio e em seu topo, havia uma miniatura de caveira.

A tinta que escorria da ponta era vermelha, lembrando sangue humano. Quanto a prancheta, assemelhava-se a uma plaqueta rudimentar imbuída no Vazio.

Escrever nela era como assinar um pacto com o Vazio. Ella não sabia se estava disposta a fazer isso.

Beatrice parecia humana, mas os vários chifres que saíam de sua cabeça revelavam o Vazio em seu corpo.

O que mais chamava atenção em seu rosto, eram seus olhos esbeltos, cuja escleras eram de tonalidade roxo escuro e íris vermelhas. Seu olhar carregava uma história profunda, atiçando a curiosidade de Ella.

— Escreva seu nome abaixo do meu — pediu Kiyoko, escrevendo seu nome na prancheta.

— Mas voltando ao que estávamos falando, se eu te contar quem é o ranking um você não vai acreditar. — Kiyoko riu, se apoiando na parede ao lado.

— Quem é? — perguntou Ella, relutante, prestes a escrever seu nome na plaqueta.

Ao segurar a caneta, Ella pôde sentir o frio excruciante que a energia do Vazio conduzia. Com pontadas em seu peito, escreveu seu nome inteiro na plaqueta.

Seu nome magicamente subiu para o segundo lugar da lista.

- Kiyoko Miyazaki

- Ella Murphy

- Kos

- Jyuraguh

- …

Seu nome estava abaixo de Kiyoko, mas acima de todos. Essa colocação repentina… isso perturbou Ella intensamente.

— É o próprio Vendedor Viajante! — exclamou Kiyoko, entusiasmada. — Quando eu vi que era ele, nem eu acreditei.

— Não acredito! — Ella riu, tentando esconder seu desconforto. — Ele já me contou que ganhou vários torneios no coliseu, mas não imaginava que chegaria a ser o melhor daqui. Espera, então quer dizer que você sabe o nome real dele, não é?

— Ele usa um codinome. Duvido muito que o nome dele seja Inocêncio Culpado. Quer dizer, que tipo de pais dariam esse nome a um filho?

— Com certeza é uma piada. É bem a cara dele. — Gargalhou Ella, se afastando do balcão ao terminar de escrever seu nome.

— Pois é — concordou Kiyoko. — Ella, me espere naquela saleta à esquerda. Vou conversar com a Beatrice para ela te colocar no torneio seguinte. Eu vou lutar depois de você, assim não lutaremos uma contra a outra.

Ella assentiu com a cabeça e seguiu adiante.

Os corredores circulares do local eram espaçosos e bem projetados, sua arquitetura era perfeita demais para ter sido manufaturada por criaturas do Vazio.

Certamente foi planejada e construída por humanos.

Enquanto deslizava a mão pelas paredes, se deslumbrou com a qualidade dos tijolos cinza chumbo, notavelmente resistentes, semelhante aos usados nas muralhas de sua comunidade.

Um lampejo de nostalgia percorreu por sua cabeça.

Distraída, esbarrou em um homem e para a sua surpresa, era a última pessoa que ela desejava encontrar.

— Cuidado por onde anda, mocinha — disse Quinn, com uma voz grave e sedutora.

— Ah não... d-d-desculpa — gaguejou Ella, recuando.

A presença de Quinn era imponente e assustadora, era muito mais alto e forte do que ela imaginava. Ao contrário do Vendedor, seu poder se manifestava por todo seu corpo. Ella podia sentir a intensidade de suas habilidades.

Sobretudo, sua feição de palhaço a perturbava profundamente.

— Não precisa ficar com medo, gatinha, eu não vou te morder. Só se você pedir. — Quinn riu.

— Vejo que você teve o desprazer de conhecer o Quinn — disse Kiyoko, se aproximando de Ella.

— Kiyoko! O que te levou a assumir essa forma? Está tentando me impressionar?

— Hahaha, engraçadinho. Vamos Ella, esse cara é maluco — respondeu Kiyoko, rindo sarcasticamente e puxando o braço de Ella.

Kiyoko a puxou apressadamente, mas antes que Ella se afastasse totalmente, Quinn segurou seu braço e sussurrou em seu ouvido.

— Você sabe que está andando ao lado de uma Emissária, não é?

Ella instantaneamente empalideceu.

Um sorriso de deboche surgiu no rosto de Quinn, como o de um verdadeiro psicopata.

— Larga o braço dela, seu tarado! Se não vai ver o que vou fazer com você — gritou Kiyoko.

— Cuidado com quem anda ao seu lado. Não confie nem em sua sombra, minha princesa — disse Quinn, soltando o braço de Ella e passando o polegar e indicador sobre seu queixo.

A última coisa que Ella esperava era isso. Que grande reviravolta!

— Eu odeio esse palhaço, fala sério, qual é o problema dele? — murmurou Kiyoko, puxando Ella para longe dele.

Ella permaneceu pálida e tensa. Inúmeros pensamentos passavam pela sua mente, mas o principal era “Kiyoko é uma Emissária, mas como?”

O Vazio segue um ciclo de vida curto e simples.

São geradas, caçam e morrem. As desgraças que causaram no mundo gerarão consequentemente outras criaturas, as quais caçarão e morrerão.

No Vazio nada chega ao fim, tudo é reaproveitado de alguma maneira. Todos nascem da Madre e todos voltam a ela.

Esse ciclo se repete há séculos, mas algumas criaturas quebram esse ciclo.

Algumas possuem tamanha força que simplesmente não morrem. Continuam vagando pelo mundo dissipando o caos.

Suas existências não são meramente esquecidas, são revividas por um despertar oferecido por Chaos. Assim nascem os Emissários.

Frutos da maldade em sua pior forma, os Emissários são os braços direitos de Chaos. São a personificação da desgraça e do sofrimento causados pelos humanos.

Lendas contam que eles surgiram em meados de 2810, com a ascensão da CCV e o reconhecimento como militares.

No entanto, diversos caçadores traíram a pátria e se tornaram Emissários. A ganância por um poder superior, uma revolta contra a humanidade ou a maldade humana em sua essência mais pura são alguns dos diversos fatores que os levaram a corrupção.

Conforme mais forte a humanidade ficava perante o Vazio, mais forte era o contra-ataque dele.

Mesmo após a queda da sociedade, os Emissários ainda estavam em vigor, servindo a Chaos rigorosamente. Seria possível que Kiyoko fosse uma deles?

Ella não sabia se deveria acreditar em um palhaço insano, mas não via motivos para ele mentir.

O fato de Kiyoko não ter nenhuma característica típica do Vazio a fazia acreditar que de fato era uma humana.

— Pode ficar sentada aqui. Quando chamarem seu nome, entre por aquele portão e lute com todas as suas forças, entendeu? Sem piedade dos seus inimigos. — Kiyoko apontou para uma estação de bancos onde estavam sentados os próximos lutadores. — Eu vou para o outro lado.

— T-tá bom… mas por que você vai pro outro lado? — perguntou Ella, inquieta, enquanto suas pernas balançavam incessantemente.

— Quando terminar o torneio atual, você e os outros sete lutadores irão lutar, esses que estão aqui perto. Depois deles, será a minha vez e de outros sete. Não subestime o Vazio, por mais que sejam monstros, são bem organizados, hehe — respondeu Kiyoko, com um sorriso despretensioso em seu rosto.

Ella acenou com a cabeça e Kiyoko contornou o corredor do coliseu.

Agora estava sozinha, cercada por criaturas do Vazio e por humanos estranhos que exibiam uma força surpreendente.

“Vamos Ella, pense. Se Quinn estiver certo, Kiyoko é uma Emissária. Isso me leva a duas opções: fugir ou enfrentá-la. Mas como eu poderia fugir? O coliseu está repleto de guardas, espalhados por toda parte. Eles não me deixariam abandonar o torneio. Não adianta, quanto mais eu penso nisso, mais percebo que é inevitável nossa luta“, refletiu Ella, enquanto encarava um dos guardas do coliseu.

A verdade só se revelará nos próximos minutos, mas até lá, a mente de Ella permanecia conturbada.

Apesar de ter derrotado Deathbringer com uma relativa facilidade, ela tinha noção da existência de uma hierarquia no bando. A incerteza pairava sobre ela enquanto aguardava.

Quem sabe quão poderosa Kiyoko poderia ser?



Comentários