Mosmos Brasileira

Autor(a): Sharikov


Volume -5

Capítulo 2: Tribunal

Alguns anos antes do ocorrido. Continente Estelar, Cidadela Mágica, 4:34 da tarde. Uma jovem maga, algemada, era levada pelas autoridades, passando por dezenas de metros de corredores exageradamente grandes e ornamentados com ouro até julgamento na chamada “Corte dos Anciãos”.

A maga vestia uma túnica de coloração laranja, um chapéu enorme e pontudo, a extremidade do chapéu carregava uma corrente fina que balançava com um pequeno enfeite, uma miniatura de lua crescente que cintilava conforme balançava. Em sua túnica existiam duas listras azuis no corpo que circundavam a túnica, era uma roupa relativamente simples entre os magos, com pouca ou nenhum destaque. Possuía olhos castanhos e um longo cabelo loiro.

A maga andava acompanhada de 5 guardas, dois do lado esquerdo, dois do lado direito e um na frente que a guiava enquanto suas mãos estavam estendidas para frente e algemadas. Ela não aparentava estar triste, desesperada ou com medo, na verdade, ela estava com uma tremenda expressão de desgosto, beirando a raiva, e sequer tentava forçar as algemas, o que ela mais queria mesmo era chegar ao tribunal.

Ao sair do corredor para adentrar a sala de julgamento, era como se o mundo se abrisse, dezenas de jurados ao redor da sala, sentados sobre as enormes tribunas que podiam acomodar diversas pessoas, todas elas ansiosas em testemunhar o julgamento da chamada “prodígio do arcanismo”.

Os guardas saíram de perto da maga, a deixando no meio da sala, em frente à eles, seus juízes, os Cinco Grandes Anciões; Alcebíades, Zacarias, Eustáquio, Antero e Euclide, homens velhos de cabelos extremamente caricatos, que apenas aguardavam que a euforia da multidão passasse para que pudessem começar o julgamento.

Cansado de aguardar o cessar do alvoroço, Alcebíades, o juiz principal, bateu com o seu martelo de ouro no bate-gavel, mas por ser completamente de ouro maciço, quase não fez barulho em comparação com a multidão, e de nada serviu.

A maga acabou se irritando mais ainda com a tamanha ineficiência do maior símbolo de justiça e autoridade da Cidadela Mágica ser incapaz de acalmar uma multidão, e logo abriu a boca para começar a falar, quando a multidão parou de falar quase que imediatamente para prestar atenção.

— É sério…? Um martelo de ouro maciço? Vocês sabem que… meio que isso não faz barulho né? E ainda vai amassar.  — disse a maga, saindo de uma expressão de desgosto e raiva e saindo para apenas uma expressão mais confusa e leve. Alcebíades logo começou a bater o martelo de ouro maciço no bate-gavel, mais uma vez, não fazendo nenhum barulho

— Ordem no Tribunal! Maga Abigail, não… EX-MAGA, porque hoje é o dia que sua licença arcana será completamente REVOGADA! — disse o Ancião do meio, batendo novamente o martelo mudo na mesa, e deixando a plateia completamente atiçada.

— Ahhhh… o quê? Revogado por causa de OPINIÃO? Tem gente que literalmente TREINA magia ROUBANDO pessoas, e eu estou errada por expressar minha opinião? Ahhh para… eu já tô no terceiro ano da Escola de Artes Gerais do Arcanismo… você NÃO SABE O QUE EU PASSEI PRA CHEGAR AQUI. — exclamou Abigail, começando a se exaltar.

— Fale mais baixo, energúmena! 18 livros! “opinando” contra a corrente mágica do Misticismo! DEZOITO! VOCÊ NÃO TEM VERGONHA? Está há mais de 2 anos na escola de arcanismo e já se acha melhor que todo mundo, é?!

O outro juiz da tribuna, Eustáquio,  se mostrou bem surpreso, e questionou o juiz principal.

— 18? Ah juiz Alcebíades, mas são o que? Livros de… 50? 100 páginas? Não parece ser grande coisa para uma maga — disse ele antes de ser rapidamente interrompido por Alcebíades.

— 300 páginas cada!!! Cada livro atacando uma vertente diferente do Misticismo! E as vezes até mais de um! Tem mais coisa contra Misticismo que o próprio Misticismo tem de estudo!!

Ele nem falou nada sobre minha frase dizendo dos mágicos na cidadela que treinam magia roubando as pessoas, que cretino… — pensou a maga, enquanto se preparava a falar mais.

— Talvez seja porque existem… provas? Isso é pseudomagia! só serve para as pessoas fazerem orgias sexuais e usarem drogas com a justificativa de serem “para o funcionamento da magia”, qual é! Uma completa balela! Sem falar que existem realmente lugares na Cidadela que poderiam ser usados para construir coisas como… sei lá, laboratórios, bibliotecas, escolas, mas não! Estão sendo construídas cabanas que são usadas por degenerados que preferem ficar se comendo à fazer algo decente e que preste!

— Ordem no tribunal! — disse Alcebíades, batendo o martelo de ouro maciço na mesa, dessa vez até amassando o martelo. — Maga Abigail, você sabe que, na Cidadela dos Magos não se difa- quero dizer, calunia nenhum tipo de corrente de magia! Devemos estar completamente unidos!

Ele agora ignorou minha frase sobre os pervertidos, ahhhh…, pensou a maga.

— Ok ok, eu posso ter me exaltado quanto à ficar falando de pessoas se comendo, mas de onde veio todo esse moralismo? Não faz nem uma década atrás que a Cidadela perseguia feiticeiros por os considerarem “aberrações magicas”, VOCÊ MESMO já condenou vários à morte! Não estou entendo esse moralismo… ou seria… falso-moralismo…? Quanto estão lhe pagando para dizer isso?

Alcebíades se estressou, e bateu com tanta força o martelo de ouro na mesa, que ele se desmanchou completamente, e em meio à tosses e mãos no coração, começou a berrar:

— VOCÊ- COF COF REALMENTE SE ACHA TÃO INCRÍVEL ASSIM? A CIDADELA FOI CONSTRUÍDA DA PERSEGUIÇÃO DA RELIGIÃO E CIÊNCIA À NÓS, COF COF- ah… meu… meu coração… ahh.. uhhh….

Alcebíades estava com o coração falhando, e foi retirado da sala pelos guardas para ser tratado no médico, mas antes que deixasse a tribuna, puxou a manga de Zacarias, que virou lentamente em sua direção para ouvir as palavras de Alcebíades.

— Ei… garanta que… aquela desgraçada… nunca mais volte para essa Cidadela!! — disse ele antes de se virar novamente para frente e voltar a caminhar lentamente até a saída.

Zacarias pressionou dois dedos contra a testa, suspirou fundo, e se pôs a sentar na cadeira do meio, tomando a direção do julgamento, quando Abigail se pôs a falar.

— Olha, ter um ataque cardíaco não é um argumento, o que é isso? Apelo à Piedade? Nem sequer falou sobre a questão dos feiticeiros.

Zacarias não esboçou nenhuma reação ao ouvir aquilo, sequer olhou para ela, apenas tirou uma caneta do bolso da túnica, e pôs a girar ela em seus dedos, olhando fixamente para a caneta.

— Hmm… é como dizem, o papagaio aprendeu a dizer nomes de falácia e agora conseguiu diploma de argumentador profissional, mas bem, você quer argumentos? Eu lhe dou alguns, Astrologia, já ouviu falar? Magos costumam aprender isso no… quarto ano da escola de Arcanismo? Provavelmente, é o que eu me lembro, e bem… no Misticismo também existe Astrologia, e você atacou essa vertente, então por que? Por que pode existir em Arcanismo e não em Misticismo? Sabe o que eu acho, maga Abigail? É que você é uma daquelas magas elitistas que acreditam na supremacia arcana perante todas as outras formas de magia…

Todos os jurados ficaram boquiabertos, era algo que eles nunca haviam cogitado, e aqueles que estavam neutros agora estavam possivelmente contra Abigail.

Gulp… esse desgraçado… está realmente usando esse tipo de argumento? Ele realmente vai tentar vencer essa discussão na base da calúnia? Eu não creio… pelo menos… pelo menos agora me sinto mais certa do que nunca — pensou a maga.

— Talvez porque Astrologia comprovadamente funciona no Arcanismo e não no Misticismo? Qual o seu problema? São coisas completamente diferentes! — Disse a maga, começando a suar levemente e tremer com suas mãos algemadas e estendidas para frente, enquanto tirava o cabelo da frente dos olhos.

Zacarias, que continuava direcionado à caneta em sua mão, virou os olhos de relance para ver Abigail, e ao vê-la nervosa, seus olhos cintilaram por um momento, era o olhar de alguém que havia presenciado exatamente aquilo que queria, então levantou o braço e estalou os dedos, chamando por um homem de sobretudo.

— Me dê o décimo sexto livro.

Décimo… décimo sexto livro? Como ele sabe especificamente disso? Ele realmente fez questão de ler todos os livros?, questionou Abigail, suando tanto que se quisesse facilmente poderia tirar as algemas através do suor que reduzia a fricção entre suas mãos e as algemas, mas sendo nem perceber de tão nervosa que estava.

O livro fora entregue à Zacarias, que o abriu e folhou até um página extremamente específica, e começou a ler

— “…Parte II: Astrologia Arcana e a Matemágica dos Corpos Celestes. Por outro lado, a Astrologia Arcana estuda a influência (empírica) dos corpos sobre feitiços de origem arcana (e até de outras formas de magia) afeta a frequência das Ondas Arcanas, como as luas de Marte e de Minerva, que quando em sincronia com o Sol, projetam uma melhor capacidade de formas de magia de evocação” — Leu Zacarias, antes de bater as duas aberturas do livro com tanta força que até fez poeira voar

Todos os jurados ficaram extremamente embasbacados com a citação por haver um — um — erro no livro, apesar de relativamente insignificante.

Espera… isso… isso tá errado, eu NÃO escrevi isso, eu me lembro perfeitamente, me lembro de cada detalhe, alguém… alguém armou pra mim! Mas… mas que seja… não é possível que dos 18 livros que eu fiz, justo isso vá me afe-

O pensamento de Abigail fora interrompido pela batida do martelo de Zacarias na mesa — um martelo que realmente funcionava, diga-se de passagem.

— Está completamente evidente o seu pseudointelectualismo nessa área, seria isso egocentrismo, orgulho ou arrogância? Sem falar que apenas aprendizes que estão no quinto ano da escola de arcanismo podem começar a escrever artigos, e você ainda está no terceiro! — Disse Zacarias, internamente rindo devido ao exagero das pessoas em realmente caírem matando em cima da maga por causa de um único “erro” informativo.

A maga passou de um mero nervosismo para um sorriso maniacamente nervoso, como se seu mundo estivesse colapsando e a única que pudesse fazer fosse… rir.

— ei, ei, EI! Todos me reconhecem como a maga prodígio! Eles… Todos eles me permitiram escrever tais artigos! As escolas! As instituições de pesquisa arcana! Todos eles! E… é aquilo que você leu está errado! Eu literalmente nunca escrevi isso, isso foi COMPLETAMENTE manipulado!!! — Clamou a maga enquanto começava a rir maniacamente, e Zacarias apenas se pôs a continuar sua ofensiva.

— Oh… desvio da culpa, essa sua necessidade de sempre se declarar como a “maga prodígio”, e ainda dizer que isso é falsificado? Um livro de 300 páginas! Isso… isso me parece com claros sinais de sociopatia, ou… ou até pior, mas me absterei de dizer tal conclusão.

Os jurados começaram a ficar mais ouriçados do que nunca, com dezenas de pessoas na plateia falando entre si, dificultando qualquer tentativa de raciocino de Abigail, que apenas fechava os olhos com força e tentava se equilibrar em pé, quase salivando de tanta raiva que estava sentindo da situação.

O sofrimento de Abigail havia sido parcelado em dois após a próxima batida cortante do martelo sobre a mesa, fazendo com que a multidão ficasse calada e Abigail finalmente pudesse abrir seus olhos, mas dessa vez para coisas que ela não gostaria de testemunhar, sua sentença final.

— Você apresenta um perigo substancial à Cidadela, você apresenta comportamento sociopata, egocêntrico e pseudomágico, e sinceramente, não podemos deixar suas raizes malignas crescerem nesse lugar, não depois de tudo que a Cidadela já lutou contra! Você será exilada da Cidadela, todos os seus livros, queimados, e sua vida acadêmica, encerrada! — Declarou Zacarias, batendo com o martelo sobre a mesa pela última vez.

Abigail sabia que ainda estava na razão, mas o que adiantava? De nada adiantava, eles estavam atirando nela a mesma munição que ela havia atirado neles com honestidade, mas se ninguém dali queria vê-la como a certa, de nada aquilo importava, e de tanso pensar no meio dos barulhos insuportáveis da multidão daquela sala, ela caiu de joelhos no chão, olhando fixamente para o chão, com as mãos trêmulas e os olhos lacrimejando.

— VOCÊS NÃO PODEM FAZER ISSO COMIGO! Eu lutei para chegar aqui! Eu lutei muito! EU VIM DE OUTRA REGIÃO! Trabalhei como uma mula para pagar a prova de entrada!

— EU ESTUDEI ATÉ A PRESSÃO SUBIR! — gritou, ofegante. — Eu… eu nem tenho pai… e minha mãe morreu sonhando que eu me formaria na melhor escola de arcanismo do planeta! Eu prometi pra ela! — Gritou ela enquanto chegava a salivar de desespero.

— Eu… eu queimo os livros! Todos eles!! Sem exceção! TODOS! Eu nunca mais dirijo uma palavra à NINGUÉM nessa Cidadela! Eu juro! SÓ ME DEIXE ACABAR O COLÉGIO! E AÍ EU VOU EMBORA E NUNCA MAIS SEQUER PISO AQUI! EU JURO! — Gritou Abigail enquanto começava a se acabar em lágrimas que pingavam em todo o concreto abaixo de seu rosto

— Simplesmente isso não é um argumento plausível contra suas acusações e caráter duvidoso, é mera falácia de apelo à piedade! Guardas! Levem-a daqui é confisquem seu cajado! O caso está encerrado! – Exclamou Zacarias, estalando os dedos e fazendo surgir guardas poderosíssimos da porta aonde Abigail havia sido levada ao julgamento.

Os guardas a pegaram pelos braços e a arrastaram para fora do Tribunal, e quando ela apenas se contorcia e gritava

— VOCÊS NÃO PODEM FAZER ISSO COMIGO! VOCÊS NÃO PODEM CONFISCAR O MEU CAJADO! NÃO PODEM DESTRUIR O MEU FUTURO! O MEU PASSADO! AAAAAAAAAARRRRGHHHHHH!!! — Gritou e se debateu Abigail enquanto era arrastada para longe do tribunal e seus gritos eram silenciados.

Com apenas 19 anos de idade, havia sido proibida de estudar arcanismo na Cidadela pelo resto de sua existência.

 

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