Volume 7 – Arco 3
Capítulo 68: Descanso.
Hideki
— Como já disse, me chamo Thiago, e eu sou… filho do deus do inferno.
Maki suspira fundo como se não estivesse surpresa com o que está acontecendo, na verdade parece que esperava por isso.
— Filho do deus do inferno….
A ficha não tinha caído pra mim ainda, então não conseguia acreditar em algo tão absurdo, mas na verdade era só olhar direito a pessoa que estava na minha frente, se parecia mais com um demônio do que outra coisa.
— Vocês não parecem… nada impressionados com isso.
— Bem… era de se esperar que tem algo haver com o inferno, até porque você é um demônio… mas não esperava que fosse ser o filho do Gehenna… acho que é assim o nome dele. — diz Any.
— Você conhece o meu pai?
— Não… ele só é alguém bem conhecido na história do meu reino…
— Entendo…
— O que o filho do deus do inferno estaria fazendo ajudando pessoas que estão indo contra os deuses, mesmo que isso inclua o próprio pai? — pergunto.
Queria entender melhor a pessoa que estava na minha frente.
— É uma pergunta e tanto… certo?... Eu digo que também estou indo contra o meu próprio pai, não posso dar detalhes da minha vida, mas… pode ter certeza que estou do lado de vocês.
— Quem é esse pássaro laranja que você falou?
— Solveig.
— O que a tia tem haver com isso?
— Olha, talvez você não saiba, mas como um demônio eu passei grande parte da minha vida no inferno, e lá era onde os deuses faziam suas reuniões… Solveig foi uma pessoa gentil demais em falar comigo e com meu irmão sobre família entre outras coisas assim, ela foi a pessoa que me apresentou vocês.
— E como você entendeu a metáfora… Maki?
— De início eu tinha uma certa dúvida, pássaro laranja era uma das formas que Solveig se apresentava para as outras pessoas.
— Entendi… e o que fez você nos ajudar?
— De início eu queria apenas ajudar alguém, mas ví que era vocês… olha, entenda o meu lado, talvez seja até difícil na verdade, mas com o tempo vai entender. Solveig me falou coisas extremamente importantes… por ser uma pessoa importante pra mim, apenas estou fazendo o que ela me pediu como um último favor.
Último favor… tenho certeza que um dos últimos favores de Solveig tinha haver com Shiori, afinal de contas… é a sua filha.
— Qual foi… o último favor de Solveig.
— Que cuidem e ajudem Shiori a encontrar o caminho certo da vida.
Havia um pingo de certeza que seria algo desse tipo, Solveig sempre foi uma pessoa extremamente preocupada com sua filha, mesmo quando estava distante por motivos necessários. No final das contas ela apenas quer que a sua filha siga um caminho certo e que encontre a tal da felicidade que muitas pessoas falam sobre.
Essa era uma conversa muito necessária para entender o que aconteceu com o mundo.
— Mas… vocês demoraram muito. — diz Thiago.
— Demoramos muito?
— De início apenas estávamos esperando vocês, já que Solveig nos disse que estavam vindo em nossa direção, mas depois que Nina roubou nossas memórias…
— Espera, a Nina roubou as memórias de vocês?
— Sim, e quando ela foi morta… tudo que ela tinha roubado foi devolvido a todos do mundo, devem ter notado que algumas memórias voltaram, mesmo aquelas de quando eram bebês.
— Tem uma certa… razão… — concordou Any.
— Memórias antigas voltaram para o meu corpo, talvez seja por isso que estou tão fria… — disse Maki.
— Você sempre foi fria. — respondeu Any.
— Isso aconteceu por conta da morte de Nina… e isso tem algo haver com a Shiori, o estado que ela se encontra tem tudo haver com a morte dessa deusa.
— Por que? — pergunto.
— Simplesmente porque o corpo dela não aguentou tantas e tantas coisas ao mesmo tempo, fazendo ela desmaiar… isso já aconteceu antes…
— Já?
— Yukiro, você se lembra quando a Nina te contou que Pérola, a deusa da riqueza se escondeu da guerra e dormiu para sempre?
Yukiro, que parecia estar dormindo rapidamente levanta.
— Sim.
— Ela mentiu pra você. Na verdade Krig, o deus da guerra tinha um certo caso com essa deusa, e para não perdê-la, pediu para Nina armazenar todas as memórias dela em um pote, fazendo a deusa perder o sentido de tudo, mas um erro aconteceu e fez tudo voltar de uma vez, o que aconteceu foi que a deusa dormiu para sempre, e provavelmente deve estar dormindo até agora, ou na verdade… deve estar acordada.
— Como posso saber que não está mentindo? — perguntou Yukiro.
— Bem, acredite se quiser, se em algum momento você dar de cara com ela… entenderá o que estou falando.
— Hm…
— Bem, como isso só aconteceu uma vez, não sei se há uma forma de fazê-la voltar à vida, talvez… não seja algo que possa ser arrumado de fora.
— De fora?
— Sim, algo que tenha que ser feito dentro dela, dentro das memórias, talvez só assim ela voltará ao normal.
— Como você sabe de tudo isso?
— Um passarinho laranja me contou.
A confusão era imensa…
— Eu acho que… todos aqui precisam descansar. — digo.
— Bem, eu também acho, existem quartos nos fundos… ah, e Hideki.
— Hm?
— Quer que eu deixe Shiori no seu quarto?
— Por favor.
— Ok.
Andamos em silêncio até os fundos da casa e escolhemos nossos quartos, Shiori ficou comigo em camas separadas… e me encontro em puro barulho da floresta. Todos tinham ido dormir, menos eu… que estava na janela observando as estrelas do céu noturno.
Um momento de descanso onde posso finalmente pensar em tudo que aconteceu… uma luta que realmente demorou e trouxe apenas uma dificuldade imensa na minha vida, nesse momento estou sem a Shiori… e certamente não sei o que fazer.
Escuto um barulho como se tivesse alguém batendo na porta.
— Quem é?
— Eu!
— Eu?
— Sim, eu!
— Pode entrar…
Thiago entra no quarto e fecha a porta, me observa com um rosto triste e começa a andar em minha direção.
— Você sabe que… isso tudo aconteceu por conta de você ter matado a Nina, certo?
— O que você quer dizer com isso? Está querendo me culpar somente por algo que achei certo?
— Longe disso… talvez seja melhor aproveitar esse tempo de descanso… já que essa luta durou… 3 anos.
— 3 anos? Como assim, foi no total algumas horas.
— Ah, você não sabe disso… naquele lugar o tempo passava mais rápido, a cada uma hora que passava lá dentro, um ano passava aqui fora.
— Então…
— Sim, três anos se passaram, dá pra perceber por essas tranças que nasceram em você.
— Ah… isso aqui…
— Não te interessa saber o que aconteceu nesse mundo enquanto estava fora?
— Honestamente… não.
— Sabia que ia falar isso.
Thiago se junta a mim e começa a olhar o céu também.
— E o que vai fazer daqui em diante?
— Talvez só procurar alguém que consiga acordar a Shiori…
— Entendo… então vou te seguir durante essa viagem, eu e meu irmão!
— Por que? Primeiro você… me ajuda do nada, me acolhe na sua casa… qual é o motivo de tudo isso?
— Porque… Solveig e Riko ficariam felizes se soubessem que está tudo bem com vocês.
— Riko?... Minha mãe?
— Sim, eu falava com ela depois das reuniões que faziam no inferno, lá… a gente simplesmente falava de você, não posso mentir que sentia um pouco de inveja… mas entenda uma coisa, Hideki.
— O que?
— Talvez em meio a esse caminho possamos nos tornar amigos, mas por enquanto estou fazendo isso pela Riko e pela Solveig, nada seria possível sem elas, então agradeça.
— ….
— Você quer… falar sobre alguma coisa?
— No momento nada.
— Nem sobre a sua vida? Afinal de contas… suas memórias voltaram.
— Como assim?
— Depois de Nina morrer as memórias das pessoas voltam ao normal, já que não existe mais a deusa que cuida dessa parte, então tudo volta de onde veio!
— Isso conta para todos os deuses?
— Teoricamente sim, mas por muito tempo essa foi a única deusa a morrer, na verdade… teve mais algumas antes, mas nada mudou, então acho que é algo específico.
— Entendi…
— Aiai, você nem ao menos sabe a verdade agora, suas memórias não voltaram…
— Não…
— Entendi, talvez tenha algo melhor a se fazer.
— Olha, primeiro quero focar na Shiori, depois eu penso no resto.
— E se ela acordar amanhã?
— Melhor ainda.
— Tem que pensar um pouco mais em você, em. Ficar dependendo de alguém não é nada saudável.
— NÃO ESTOU DEPENDENTE DE NINGUÉM!
Eu gritei com raiva, pois sabia que ele estava falando a verdade naquele momento, e o que deveria ser feito?...
Entendi melhor que ninguém que estava dependendo demais da Shiori, e na minha cabeça não tinha problema com isso, afinal de contas até mesmo ela estava de boa com toda essa situação, então por que se preocupar tanto assim?
Qual é o problema de depender tanto assim de outra pessoa? Nascemos somente por isso, pra ficar com alguém, então por que é tão ruim isso? Na minha cabeça, perguntas se criavam, mas nenhuma tinha alguma resposta, isso me deixava extremamente bravo.
Queria encontrar as respostas, entender o que há de ruim nesse sentimento…
— Qual é… o meu problema…
Sem nem ao menos perceber o que tinha acontecido, soltei meus sentimentos para um estranho ver. Comecei a chorar.
Naquele momento a raiva dominava meu corpo, pois sabia que a Shiori estar naquele estado era minha culpa, entendi que tudo o que estava dando errado era por minha causa, queria de alguma forma tentar resolver isso, mas como iria? Por onde iria começar? Por qual caminho iria seguir?
Como…
— Entende por que é ruim depender de alguém? Quando essa pessoa não estiver por perto… você não vai saber por onde ir. Hideki, escute o que um estranho tem a dizer… às vezes é bom seguir em frente sozinho! Não estou falando para deixar a Shiori de lado, só estou dizendo para… pensar melhor nas suas escolhas.
Thiago para de olhar para o céu e fixa diretamente nos meus olhos.
— Você precisa ver com seus próprios olhos… o quão maravilhoso o mundo é!
Seus olhos brilhavam… a cor azul deles… era assustadora, como se estivesse tentando me guiar por um lugar estranho, não era possível explicar o sentimento que estava descendo pela minha garganta…
Mas de certa forma, ele não estava errado. Eu precisava entender melhor o que o mundo tem a me oferecer, e simplesmente precisava ver isso com meus próprios olhos. Mesmo com alguém me falando isso, ainda prefiro ver o mundo com a Shiori.
Descobrir as coisas que tem por aqui com ela é melhor do que qualquer coisa. Eu queria levá-la para conhecer tudo nesse mundo, e sei que ela aceitaria, sei disso… mesmo nesse tempo difícil.
Mas agora tudo o que aconteceu… foi por minha causa, não conseguia tirar a culpa dos meus ombros, e mesmo com alguém do meu lado que poderia entender meus problemas… ainda não consigo falar nada, apenas ficar quieto e tentar entender a situação. Como caralhos eu iria resolver tudo isso sozinho?
— Bem, eu vou descansar, tenha bons sonhos, amanhã será um dia cheio… então vai com calma, afinal de contas, você meio que quebrou seu corpo inteiro, então precisa descansar bastante caso queira seguir em frente amanhã.
— Certo… até amanhã, Thiago.
Antes que ele saísse pela porta…
— Ah, obrigado por me ajudar…
— Que é isso… tudo certo, espero que possa desfrutar de qualquer coisa que tenha por aí, qualquer coisa que precisar pode chamar sem exitar!
— Pode deixar…
Assim ele fecha a porta com muito cuidado, e naquele quarto fica somente eu… e a Shiori.
Minha respiração fica pesada, pois entendi que meu corpo não aguentava mais ficar de pé. Me sento na cama e olho Shiori.
— Mesmo que você esteja em um estado onde não podemos conversar… quero que escute as minhas palavras. Em algum lugar aí… talvez esteja escutando tudo, talvez esteja… Eu espero.
Me preparei, respirei fundo e segurei o meu choro.
— Shiori, mesmo que tudo isso seja culpa minha, saiba que irei te salvar, não importa o que aconteça, irei te tirar disso e te pedir em casamento… isso é… uma promessa!
Meu corpo se deita… e um sono pesado vem em minha direção.
Qual será o meu paradeiro? O que virá daqui pra frente? Nem mesmo eu sei… queria saber, queria ver o futuro para saber se tudo no final das contas vai dar certo.
Shiori… Eu irei te salvar, prometo.
Tudo isso… só será possível se eu conseguir seguir em frente.
Então… até mais.
Eu te amo.