Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 3 – Arco 2

Capítulo 28: Uma longa viagem.

Maki   

 

Minha história com a Sarah passa na frente dos meus olhos como se fosse apenas uma visão. Depois de muitos anos… tudo finalmente acabou. Não há mais histórias para contar entre eu e ela, mas percebi que… essa falta é enorme. Após a espada da vida se quebrar em milhões de pedaços e tudo voar para os céus, eu me levanto e olho atentamente para trás.

Shiori e Yukiro pareciam confusas, e o Hideki… ele estava com um olhar triste, e quando percebe que estou o olhando, Hideki vira o olhar e arruma a tristeza com um sorriso e me olha novamente.

— Bem… parece que tudo acabou… pra onde vamos agora? — pergunta Yukiro.

— Existe um lugar aqui perto… onde podemos nos abrigar por um tempo. Um reino. — respondo.

Hideki estava quase acabado, parecia estar se segurando muito para continuar de pé e isso me deixou… assustada. Ele continuava de pé mesmo depois de quase ser destruído dentro do seu próprio corpo, Hideki parecia estar triste, mas mesmo assim ele continuava… que poder.

Shiori aceita esse fato e dá um abraço gentil no Hideki.

— Você vai poder descansar… finalmente… — diz Shiori.

Ela segura o rosto do Hideki com as duas mãos e sorri de forma totalmente alegre para o garoto. Aquele sorriso parece aquecer o coração dele, já que o mesmo sorri de forma infantil, e diferente do sorriso que havia me dado… esse parecia… realista.

Esses dois parecem ter nascido para ficarem juntos. Talvez não tenha espaço para completar a minha promessa com a Solveig. Em meio a esses dois… talvez não haja um espaço nem pra mim.

— Onde fica esse tal reino, Maki? — pergunta Shiori.

— 20 quilômetros ao norte, depois ao leste por mais 25 quilômetros. Pararemos no meio do caminho para descansar um pouco… 

— Talvez teremos que parar mais de uma vez no meio do caminho… — diz Hideki.

— Por que? — pergunta Yukiro.

— Eu não descansei nada desde que fugimos da academia de batalha… meu corpo está praticamente desistindo de se levantar. Estou de pé… mas não sei se ando mais de alguns metros.

— Entendo. Então iremos descansar por agora. Só vamos sair desse lugar e ir para um canto mais calmo. — responde Maki.

Shiori ajuda a levar Hideki para fora do lugar abandonado e naquele momento eu vejo uma interação que podia dizer muita coisa.

Ela sorri para o garoto que estava quase desacordado.

— Relaxa, vai ficar tudo bem… obrigada, Hideki!

— De nada… mas… está tudo bem…?

— Sim, sim… Graças a você está tudo bem!

Hideki dá um sorriso infantil, algo que contagia as pessoas à sua volta como uma criança. E nisso ele abraçava a Shiori que aos poucos ficava confusa com o que estava acontecendo.

— Hideki…?

— Que bom que você está bem…

E ele derruba seus braços, como se tivesse desacordado.

Shiori tenta dar uns tapinhas para ver se acorda o garoto, mas nada acontece. Naquele momento ela o coloca nas costas e começa a levá-lo até um lugar mais tranquilo. Andamos em meio a floresta que estava completamente calma, não se escutava barulho dos animais, somente do vento que contagiava a nossa mente e esfriava o nosso corpo.

A solidão era eminente mesmo com poucas pessoas à minha volta, naquele momento o vento estava mais frio… e mais… contagiante. As estrelas no céu passavam uma emoção grande de que somos apenas pulgas em um espaço tão gigante.

Isso me faz pensar…

Se somos tão pequenos, por que lutamos para sermos tão grandes?

O ser humano é mesmo… um animal interessante.

Assim deitamos debaixo de uma árvore. Shiori coloca Hideki com cuidado apoiado nas gigantes raízes dessa linda árvore, assim ela deita do lado dele e respira extremamente fundo.

— E agora… Maki? — pergunta Yukiro.

— Agora iremos descansar, assim que todos acordarem… iremos começar a nossa gigante viagem.

— Isso, descanse bem o corpo de vocês, após isso iremos direto para esse reino que a Maki falou. — diz Shiori.

Ela sorria e parecia super feliz com o que estava acontecendo, nisso Yukiro deita e dorme com facilidade… mas Shiori… não.

Ela rapidamente fica séria e vem em minha direção. 

— E então. Como foi?

— O que? — pergunto.

— Quem era aquela pessoa que lutou com a gente?

— Sarah… uma amiga de infância que estava morta.

— Estava?

— Sinto que Akumo fez alguma coisa para ela voltar dessa forma.

— E você não sente nada com ela indo embora?

— Podemos falar que na primeira vez, meu coração chorou por muito tempo. E agora… eu só decidi esconder todas essas coisas ruins.

— Esconder as coisas ruins? Por que?

— Se eu não segui em frente… quem vai?

Shiori responde essa pergunta com um rosto surpreso, mas logo em seguida o tampa com seu cabelo, para que eu não possa ver o que está acontecendo. Isso poderia ser interpretado de muitas maneiras, mas eu levei como… não questionar nada sobre isso.

Eu percebi que ela se surpreendeu pois de alguma forma eu toquei em um ponto fraco dela.

— Entendi o que você quis dizer… — diz Shiori.

Shiori dá uns passos pra frente e a única coisa que vejo agora é suas costas, que demonstravam carregar um peso enorme.

— Certo, você não vai dormir? — pergunta Shiori.

— Não. Eu estou acostumada com o tempo de Júpiter.

— O tempo de Júpiter?

— Meu pai e minha mãe mudaram a rotação do planeta para que o dia demorasse muito. Um dia lá é como se fosse mais de 300 dias aqui. De forma resumida… eu durmo uma vez por ano.

— Certo… então fique por aqui.

Shiori começa a andar em meio a floresta, e assim… eu já nem a escuto mais. Me sento ao lado das pessoas que estão dormindo e fico esperando que algo aconteça.

 

5 HORAS DEPOIS.

 

Em meio a esse tempo, eu refletia sobre as coisas que aconteceram, e em meio a isso começo a ouvir um som familiar. O som de uma lâmina tentando cortar o ar.

Me aproximo lentamente de onde isso vem, e lá estava Shiori, treinando com sua espada. Ela estava toda suada e parecia extremamente cansada, mas mesmo assim ela não parava por nada.

— Droga… Droga… eu fui fraca naquela luta… eu poderia ter ajudado o Hideki… mas não consegui fazer nada.

Ela continuava como se sua vida dependesse daquilo. Aquilo me deixava com um sentimento amargo dentro da garganta, e eu não sabia o motivo disso… mas era como se eu estivesse com um sentimento de inveja.

Shiori se preocupava mais com aqueles que estão vivos do que com aqueles que estão mortos… Sarah se foi. Eu sei que eu era a única amiga dela, mas Shiori não teve uma reação ao que aconteceu, era como se ela estivesse… ignorando esse fato. Se realmente foi isso, por que veio me salvar?

Me aproximo dela e assim escuto mais ainda sua respiração eufórica.

Aos poucos ela percebia a minha existência e parava de treinar.

— Maki?

— Oi, Shiori.

— O que está fazendo aqui? Não era pra estar cuidando dos dois?

— Dava pra ouvir seu treinamento de longe, apenas vim ver o que está acontecendo.

— Entendo…

— Shiori.

— Oi?

— Por que você me salvou?

— Mamãe me disse que você sabe a verdade, e que pode me ajudar nas coisas.

— Te ajudar?

— Sim, me ajudar a descobrir toda a verdade que ela não pode me contar.

— Entendo…

No final das contas é como se estivesse me usando ao seu favor. Então realmente… dentro desse grupo não há espaço pra mim. É como se não tivesse escolha a não ser seguir em frente com a promessa que fiz pra Solveig.

Será que ela sabe qual o tipo de sentimento que as palavras causam a uma pessoa? Principalmente quando é algo desse estilo. Será que ela pensa nas consequências que isso pode dar?

— Mas… não é como se eu estivesse apenas te usando. — diz Shiori.

— O que?

— Penso que talvez esteja falando sobre isso consigo mesma. 

— E qual sua conclusão. 

— Obviamente eu irei te ajudar de volta se é algo que consigo. Mas infelizmente não há muita coisa que posso fazer. Queria poder te ajudar agora, pois vi que estava um pouco triste com o que aconteceu com Sarah. Mas não há nada que eu possa fazer… assim como não pude ajudar o Hideki após a morte da mãe dele.

Ela então guardou sua espada em uma bainha que havia em sua cintura.

— Sabe, Maki. As pessoas pensam que são boas com as palavras, mas no final das contas são essas coisas gentis que te deixam pior ainda, ninguém sabe o que falar no momento certo, por isso muitas pessoas ficam caladas quando algo terrível acontece com alguém próximo. Pois sabem que se falar algo gentil… pode machucar. 

— E como você sabe disso?

— Pois eu já passei por isso. Em um momento difícil não é uma frase como “vai ficar tudo bem” que vai te salvar ou te ajudar. Mas assim como a pessoa que está escutando não sabe o que falar, você também não sabe o que quer escutar vindo dessa pessoa… por isso… a estranheza acontece. Eu queria de alguma forma poder te ajudar, mas não tem como. Não quero só falar coisas como “vai dar tudo certo”, quero fazer algo a mais. 

— Você está certa… eu acho. 

— Claro que estou, pois sou a Shiori!

Ela começa a voltar até o Hideki e a Yukiro, mas antes que ela passe por mim… Shiori fica nas pontas dos pés e assim coloca sua mão no meu ombro.

— Não se sinta excluída, tenho certeza que todos te aceitam no grupo… é só falar mais com eles, o Hideki não é alguém do mau, e a Yukiro não é uma pessoa que irá trazer discórdia a sua vida.

Assim ela continua andando, sem dar brecha para qualquer fala minha.

Assim eu fico um tempo recebendo aquele vento gelado em meu corpo. Me viro e ando em direção ao grupo novamente e lá fico, juntamente com a Shiori, esperando todas as pessoas acordarem.

 

10 HORAS DEPOIS.

 

Hideki acorda, seu corpo ainda estava bastante ferido, mas ele parece se acostumar um pouco com isso. Hideki tentava levantar, mas reclamava das suas dores no corpo inteiro…

— Eu acho que consigo andar… — diz Hideki.

— Ainda bem, nossa viagem é muito longa.

— Sim, eu sei… 

Em meio a essas horas de espera, Shiori tinha dormido e até então não acordou. Ao perceber isso, Hideki se aproxima da garota e aos poucos começa a acariciar o cabelo dela, o que a faz ter um sono mais tranquilo aparentemente…

— Como você está, Maki?

— Estou bem, por que a pergunta?

— Depois dessa luta, depois de matar uma pessoa que você diz ser amiga…

— Sobre isso… tenho que seguir em frente de qualquer forma.

— Acho que não é bem assim…

— O que quer dizer com isso?

— Você está sendo fria demais com a morte de uma amiga. Nem ao menos… prestou algo a ela?

— Tipo o que?

— Sei lá… “descanse em paz”?

— Eu acho que não é algo necessário. Foi assim que aprendi na minha vida.

— Aprendeu? Com quem você aprendeu isso?

— Riki… Hirai.

Hideki não me olhava durante a conversa, na verdade prestava atenção na Shiori, esperando que ela acordasse. Mas no momento que falo esse nome ele para de acariciar Shiori e assim parece ficar espantado com alguma coisa.

— Maki…

— O que?

— Onde você conheceu esse homem…?

— No pico das montanhas mais altas.

— No monte das verdades?

— Sim.

— Como você foi parar lá?

— Não posso te falar isso.

Nisso Shiori e Yukiro acordam… Hideki se espanta um pouco, mas me olha e diz.

— Conversaremos depois.

— Ok.

Shiori estava bem sonolenta, e Yukiro estava bem até demais, as duas se levantam e se espreguiçam.

— Vamos? — diz Shiori.

— Eu acho que agora temos que continuar nosso caminho. — diz Yukiro.

— Estamos bem longe do destino… vai ser uma viagem e tanto. — diz Hideki.

— Acho que sim. Então… vamos?

— Sim! — responderam todos.

Essa conversa que tive com o Hideki foi o suficiente para perceber que tenho uma arma gigante em minhas mãos…

Mas algo que me intriga bastante… quem é o Hideki…? Como ele conhece o Riki?

Será que os dois têm algum tipo de ligação?

Acho que vou descobrir durante essa viagem.



Comentários