Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 12 – Arco 4

Capítulo 111: A única deusa.

 

Yukiro



Já se fazem dois meses desde que tudo aconteceu, o reino entrou em uma reforma imensa que não é descritível, todos os dias as pessoas trabalhavam pelo menos 16 horas para melhorar o lugar e pelo menos criar um abrigo para todo mundo.

Hideki não é só o rei, mas também o salvador de todo esse povo, ele foi considerado a pessoa que conseguiu expulsar todos os deuses ruins que passaram por aqui a dois meses atrás. Após esse tempo eles construíram um lugar gigante pra ele, eu moro na mesma casa que ele, mas não conversamos por todo esse tempo… na verdade, Hideki não falou com ninguém.

Seu dia a dia se resumia em acordar, se alimentar, treinar, e só assim dormir… no meio disso ele falava com a Shiori, que ainda estava desacordada.

Suas visitas eram intensas e faziam um certo sentido, talvez… se ela estivesse acordada, seria a única pessoa a conversar com ele, mas não consigo fazer muita coisa referente a isso.

Por conta disso, ele se tornou o rei, e por conta da ajuda de Emilly e Any, os três conseguiram fazer o reino se tornar um lugar melhor, a primeira coisa que fizeram foi trocar o nome para Escarlate, logo depois eles foram capazes de fazer o pessoal trabalhar junto a eles para construir casas e comércios, entre outras coisas. O reino aumentou seu tamanho em 25%, e logo com a ajuda do poder de Leon, tudo ficou mais fácil.

Durante aqueles dois meses nada de tão interessante aconteceu, o mundo parece que parou para ver o que estava acontecendo, era como uma guerra fria, as pessoas esperavam algum movimento dos deuses, assim como eles esperavam um movimento do Hideki, que por enquanto… se escondia para treinar.

Na última vez que conversei com ele… seus olhos me falavam que ele precisava treinar, para assim ser capaz de proteger quem ama, ele estava completamente diferente, frio… e solitário, seus olhos já não brilhavam mais.

Ele chegou a entrar em uma discussão com Kay por ele ter mentido que matar o dragão faria a Shiori voltar, acho que nunca vi ele tão bravo em toda a minha vida, logo após isso ele parou de aparecer no reino por algum tempo, e depois… começou a treinar.

Assim se foram os dias daqueles dois meses muito frios.

— E então?...

— Acho que nesse momento só precisamos dar mais tempo pra ele.

Eu conversei com Emilly durante um curto tempo sobre o Hideki, ela tinha um certo receio do que poderia acontecer com ele, suas ações foram estranhas, mas ela talvez não entendesse… talvez nem eu entendesse.

— Se a pessoa que você mais ama simplesmente não acordasse mais, será que você conseguiria seguir tão firme quanto ele? — perguntei.

— Não sei. Talvez nem tentaria.

— Então, chegou um ponto onde ele não sabe mais o que fazer, só precisa de um tempo treinando para conseguir fazer o que quer.

— Mas o povo precisa dele —

— O povo precisa de vocês.

O café que tinha recém sido criado já tinha duas clientes que ficavam lá o dia inteiro, eu e a Emilly. Normalmente ficamos conversando sobre a vida e o reino, além do que aconteceu no passado.

Ela sempre viveu por aqui então não sabe ao certo como é o mundo do lado de fora… me preocupava às vezes.

O reino estava avançando aos poucos, e assim estava se tornando um reino horizontal como vertical, haviam muitos prédios — ainda daquele tempo antigo — mas que seguiam de uma forma bonita e perfeita.

A escolha dessa arte veio do Hideki, que por mais não entender das coisas, queria manter o lugar do jeito que era.

— Trocando de assunto… o primeiro dia do ano está chegando. — disse Emilly.

— E o que tem nele?

— Um evento, dança mascarada, o reino vai fazer isso depois de anos sem fazer, então vai ser uma ótima hora pra ele tentar se libertar a isso.

— Talvez… mas não espero muito.

— Nesse evento o rei dança com a rainha, enquanto isso as pessoas podem mandar desejos aos céus…

— Como?

— Balões de ar quente.

— Entendi… mas não há uma rainha.

De fato, na época que Hideki foi anunciado como rei, as outras duas deixaram seu cargo para não gerar ódio perante a população, não sei o que aconteceu com elas, mas era algo sério quando estavam conversando com Hideki naquela época.

“— Nós deixaremos de ser rainhas.”

“— Ué… vai ser de grande ajuda ter vocês duas por aqui.”

“— Não me entenda mal, Hideki… apenas não está certo para a população a existencia de duas rainhas.”

“— Entendi… bem, tentarei fazer algo a respeito.”

A rainha seria a Shiori, Hideki já falou disso algumas vezes, mas ainda sim era errado ele pensar nisso, já que ela provavelmente nem quer ser uma rainha…

A população sabe um pouco do caso de Shiori, já que ela é meio que a forma de vida de Hideki, isso fez com que as pessoas começassem a ter empatia por ele.

— A gente tava pensando nisso, caso ela não acorde… você dançaria com ele.

— Longe disso.

Uma resposta curta e rápida.

— Qual é… nenhuma de nós duas dançaria com ele, além de que… a outra se foi.

— Que insensível.

— Perdão, é difícil pra mim demonstrar sentimentos nesse tempo complicado.

— Não se preocupe, ele tem um plano.

— Como?

— Ele sempre tem.

Me levantei da mesa e dei as costas para a Emilly…

— Não precisa se pressionar tanto… vai dar tudo certo, só precisa confiar um pouco nele.

— … certo.

A conta ficaria por conta da Emilly nesse dia, pois eu tinha esquecido que era minha vez, perdão.

Rapidamente corri para o local de treinamento do Hideki, ele estava todo suado e deitado na grama verde, apenas respirando profundamente, não me aproximei, mas parece que ele tinha me percebido naquele momento.

— Oi… irmã.

— Oh… você percebeu!

Ele rapidamente me olha, e dá um sorriso… aquilo me dava uma certa esperança. Me aproximei e me sentei ao seu lado.

— Veja… não é lindo?

— O que?

Ele aponta para as estrelas, havia uma linha cósmica de uma forma colorida, com muitas estrelas juntas, além de sua bela cor… a luz que entregava ao mundo era maravilhosa.

— Eu estou tendo progresso nesse tempo.

— Percebi, está treinando tanto…

— E você, maninha?

— Tô por ai…

Desde que ele começou o treinamento intenso, não fiz nada além de ficar parada esperando que Deus entregasse poder em minhas mãos, acho que não consigo levantar uma espada direito se não houver uma justificativa muito plausível… Hideki tinha, já eu… não sei.

Havia uma dor em meu peito desde que aconteceu tudo há dois meses atrás. 

“— ME SOLTA SUA HUMANA ESTRANHA, EU TENHO QUE PROTEGER O MEU IRMÃO!”

Desde que vi aquele demônio fazendo de tudo pelo seu irmão mais novo, me perguntei se eu não deveria ser assim também, ele foi capaz de até mesmo trabalhar para o inimigo, simplesmente para salvar aquele que é de sua família… talvez, em meu peito, ele seja o real motivo de me esforçar para lutar.

— Ela… se moveu um pouco… ontem.

— Hm?...

— Seus olhos não se abriram, eles se fecharam mais, e seus braços se levantaram como se fosse abraçar alguém.

— Oh… o que pode ser isso?

— Não sei… sinto que ela esteja tendo um pesadelo tão horrível… que nem consegue acordar. Me pergunto se por mim estar por ali… consiga fazê-la acordar de alguma forma.

— … quem sabe…

— Sabe, maninha… na verdade eu queria desistir. Deixar tudo isso de lado e só esperar ela acordar, dessa forma fugir com todo mundo… e viver uma vida em um lugar pacifico onde ninguém poderia atrapalhar.

Isso era o desejo de todos que entraram nessa briga. Não se sabe onde começou, nem onde estamos no momento, mas todo mundo que entrou era somente para ter um lugar simples e bom para se viver com quem ama, ou até mesmo sozinho.

Eu mesma pensava nesse tipo de coisa, como se fosse a vida de alguém que quero muito proteger.

Desde que Lola se foi, achei que não iria encontrar outra família, ou até mesmo alguém que poderia ser considerada uma… mas cá estou eu, com uma em mãos.

— Por um curto período de tempo pensei que nunca poderia ter paz. — disse Hideki.

— Você se sente em paz?

— Não exatamente, não há ninguém me deixando aflito, é só que… ela não está aqui…

— … eu não existo?

Sinto que pensei alto demais, um silêncio perdurou por todo o lugar por alguns segundos, e logo me levantei, sem olhar em seus olhos pensei que poderia ao menos transmitir a minha mensagem, de que… de alguma forma, eu consegui fazer o que queria.

— Hideki… eu vou indo, tenho que limpar as coisas, amanhã será um dia trabalhoso…

— Certo… te vejo amanhã… maninha.

— …

 

Logo no próximo dia acordei com uma dor no meu peito, meu pesadelo foi terrível essa noite, não chegarei ao ponto de querer comentar.

Nesse dia as pessoas do reino estavam preparadas para começar a festa, eu queria fazer outra coisa, tirar uma dúvida que tinha a muito tempo.

Me aproximei da casa em que estava a Shiori e me ajoelhei de frente com um pequeno animal que estava de frente com a porta, a pequena raposa se vira em minha direção e me olha de cima, seus olhos estavam estranhos, como se fossem chorar, mas se fecharam ao se fixarem tanto aos meus olhos.

— Me diga… é você?

O vento passou pelas minhas costas, me gelando um pouco.

— Eu sei que você pode me ouvir e me responder, pode falar… estava me vendo por todos os lados.

A raposa, por estranho que seja, estava me observando o dia inteiro, não só isso… seu olhar gélido era estranho. Parecia que queria me falar alguma coisa. 

Uma voz passa pelos meus ouvidos, era suave e simples, e pedia uma única coisa… 

 

“Desculpa.”

 

Eu sabia que era alguém que eu conhecia, não pela voz, pela sensação, o amor de uma filha… não, além disso, o amor de uma mãe… Riko Hirai… era ela.

— Riko… Hirai.

Os olhos do animal simplesmente se arregalaram, e ela correu.

Eu sabia pois ouvi a conversa que Hideki teve lá embaixo, achava estranho ver uma raposa tão próxima da gente do nada, coisas assim não podem ser levadas na brincadeira como ela estava pensando, não sei o que houve… mas não era hora de pensar. Eu corri atrás da raposa.

Tinha certeza que ela estava escondendo algo, mas pra mim não fazia sentido, afinal… por que faria?

Riko se escondeu no corpo de um animal para ver o progresso dos seus filhos? Ou além disso… ela está viva…

Se ela está viva, o que está acontecendo do outro lado? Corri até encontrá-la em uma montanha, onde lá vimos juntas a grande lua aparecer no horizonte… causando uma visão incrível.

Soltei a espada que estava na minha mão, por puro reflexo.

A voz lentamente passou pelos meus ouvidos:

“Eu queria… protegê-los sem que soubesse que fosse eu, mas a Pérola contou ao Hideki.”

“Além de você ter descoberto.”

— … Riko… o que fez você escolher isso?

“Não sei. Quando aconteceu aquilo na primeira vez… Deus me disse que eu não poderia morrer, pois isso causaria o fim do mundo. Naquele momento eu descobri que eu era a única que verdadeiramente era… uma deusa.”

Uma deusa, né?

“Eu… não conseguia outra forma, pois qualquer coisa olharia na tua cara, e isso me deixaria mal.”

Talvez eu queria perguntar o motivo de tudo isso ter acontecido, e ela ter oficialmente me abandonado.

“...”

E ela entendia isso.

“O que aconteceu naquela noite…”

“Não era o que eu queria, mas era algo que fazia parte… do que o teu pai queria fazer.”

— Por favor… não se trata da minha família. Hideki é meu irmão… Lola é minha mãe e pai.

“...”

“Desculpa.”

Um vento gelado apertou meu coração, e rapidamente sumiu…

“Eu morri. Isso é fato, mas revivi.”

“Deixei você sobre os cuidados de Riki, que te vendeu.”

“Meu erro foi acreditar em uma pessoa que poderia ser um pai dos meus filhos.”

— Eu achei que você concordava com tudo o que ele falava.

“Longe de mim ser assim, eu nego tudo o que ele fez com o Hideki, é por isso que estou aqui. Eu queria de alguma forma fazer vocês mudarem de caminho, tudo começou naquela floresta.”

“Riki não sabia que eu estava por lá, e nem mesmo sabe que estou viva.”

— Então você deveria se demonstrar!

“Não posso… a partir do momento que ele me ver, provavelmente vai fazer muita merda.”

“Eu deixei aquele lugar como se fosse uma casa para todos que eu amo, por isso ele anda muito por lá… pois acha que eu o amo.”

“Mas não é bem assim.”

“Eu queria me desculpar com o meu filho… e com você.”

A raposa se deitou, e observou a gigante lua subir.

“Mas vejo que não há nem espaço pra entrar nesse lugar.”

“Antes que algo terrível aconteça, peço pra que cuide do Hideki, ele está lutando sozinho.”

— Lutando sozinho? Eu literalmente estou aqui!

“Não é disso, ele acha que está sozinho… e você sabe disso.”

— Sim, mas…

Parei de falar, não sabia como responder uma pergunta tão estranha dessas, afinal de contas, por que eu deveria saber? Quer dizer, eu sei… mas… MEU DEUS QUE CONFUSÃO!

Me ajoelhei.

Uma calma música de piano e violino começou a tocar no fundo do meu ouvido, era o festival sendo preparado.

Eu sabia que o Hideki estava tentando lutar sozinho, pois… quando ele envolveu alguém…

Maki acabou morrendo.

Eu entendo que seu coração está quebrado em tantos pedaços que nem mesmo tem como consertar isso, e que a única pessoa capaz de fazer tal coisa é… Shiori.

“Aquela garota irá acordar uma hora ou outra… talvez ele se sinta forte?”

— Sim… ele vai.

Ele se sentirá bem quando Shiori acordar… pois naquele momento tudo será tão belo em seus olhos.

Talvez ele nem se importe com as pessoas à sua volta, talvez tudo seja estranho demais pra ele… Hideki se fechou, nunca mais se abriu. Seu coração não é de ferro, talvez seja de vidro… um que esteja quebrando tanto que seus pequenos pedaços se perderam na escuridão.

“... Ele está com medo…”

— Eu sei…

“... Ele se sente estranho…”

— … Eu… sei.

“E mesmo assim ninguém tenta ajudá-lo?”

— Tentamos.

Da minha melhor forma eu tentei, não há mais lugar pra mim naquele coração frio… Não há uma forma de entrar, nem mesmo de sair.

Talvez eu encontre ele chorando em algum lugar estranho, onde ninguém poderá saber da existência.

Seus olhos talvez estão quebrados.

Talvez ele nem queira ver.

— Por que está treinando tanto?...

O vento frio está… forte.

Mas isso não era o suficiente, muitas palavras descreviam o que eu queria, mas poucas realmente importam ao ponto de correr atrás.

Meu fraco coração sabia que isso era impossível, que talvez não fosse tão fácil assim seguir em frente dessa maneira para ver um mundo perfeito para aqueles que eu amo.

Talvez seja por isso que eu tentei.

“Estamos presos naquele caminho… pois aquela que guia não está acordada.”

— Aquela que guia?

“O nome da garota do sol, aquela que guia é seu significado, dá pra ver que Solveig tentou.”

— Como você…

“Eu sou a única que verdadeiramente é uma deusa, então eu sei de muita coisa que ninguém nem chegou perto de saber, e nem quero que saibam.”

“Eu só espero que vocês consigam ser felizes de alguma forma…”

“Não há muita coisa para uma falecida como eu fazer, não tem como parar uma guerra, muito menos tentar fazer todos desistirem, chegará um momento onde terão que escolher se será você… ou aquela pessoa que ama.”

“E não importa o que aconteça. Todos escolhem aquele que ama.”

Futuro.

O medo.

Aquilo que acontecerá e que não sabemos, mas que se pensar bem, conseguimos chegar a conclusão de que escolhas difíceis virão, e com essas escolhas, capacidades virão.

Não…

A capacidade já está aqui com nós, o medo… ele é o que tem a nossa vida, sem ele… morreríamos fácil, o medo nos deixa vivo pois com ele podemos pensar melhor se aquela escolha vale a pena, aqueles que morreram… talvez sentiram medo.

A raposa se levantou.

“Vou voltar ao meu posto.”

… 

“Mas… eu fico feliz que Lola tenha sido uma boa mãe e pai pra você.”

“Que além de tudo… o seu coração deverá continuar puro.”

Meu coração? Ser puro? A dificuldade que é isso deve ser além de qualquer coisa.

Meu coração não é puro.

Mas ainda assim, sorri de canto… e me levantei. o festival estava para começar daqui algum tempo, não havia muito mais o que fazer.

O rei tinha que dançar com alguém, mas não havia quem pudesse dançar com ele.

A única deusa… né?

Se isso for verdade, então esse mundo estará vivo para sempre…

Penso eu.

 

Naquele momento estava com fome, pensamentos curtos me deixam assim, pois usam muito da minha mente para pensar o mais rápido possível, não que eu possa fazer alguma coisa, mas eu tentaria o máximo possível.

Eu sentia meu coração aquecer intensamente enquanto estava aqui nesse lugar, como se as pessoas estivessem tão felizes que chegava ao ponto de mudar tudo.

Eu sorri… e naquele momento escutei uma contagem regressiva.

— 3!!!

— 2!!

— 1!

— E QUE COMECE O FESTIVAL!!!!

Fogos subiram até os céus, e rapidamente sumiram em meio a tantas cores lindas, mas dava para ver os lindos formatos que tinham.

As pessoas se prepararam para comer, e os outros tocaram músicas calmas…

No meio de tudo aquilo, havia uma pessoa…

Ele usava um terno preto, listrado, com uma gravata azul brilhante.

Ele sorria… intensamente…

Seus olhos estavam na cor vermelha, como se tivesse chorado muito recentemente.

Ao seu lado…

Um vestido vermelho belo, cheio de ondas, com um longo cabelo que estava preso com um coque perfeito.

O sorriso amarelo daquela mulher era de retirar corações.

— Que comece… o festival. — disse Hideki.



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