Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 4: O sonho do Hideki.

HIDEKI



Naquela noite, a única coisa que pude fazer foi dormir. Logo após tudo o que Yukiro nos falou, eu estava deitado na cama e caí no sono… nesse momento tenho um sonho. 

Uma sala branca que gradualmente se transformava em um lugar onde conheço plenamente, a rua da minha antiga casa. Na minha frente havia uma mulher meio idosa onde chamava de mãe e aquele momento… Aquele maldito momento está salvo na minha cabeça até hoje.

— Filho, irei ver o que está acontecendo na casa, fique aqui do lado de fora, tá?

— Como assim, mãe?

— Ela está bem diferente de quando saímos…

Nessa época, as casas aos redores estavam sendo muito assaltadas, e nessa hora eu pensava ser o momento de nossa também passar por isso, mas a situação era diferente. Minha mãe me manda ficar do lado de fora e eu fico, porém, como toda criança curiosa, chegaria um momento onde eu iria entrar na casa querendo ou não e esse momento chegou, liguei para a polícia e entrei na casa logo em seguida, após pedir ajuda e desligar a chamada.

Luzes acesas, casa completamente diferente, vidros quebrados, e o som de madeira sendo quebrada, era essa a nossa situação. Entrando na casa percebo o caos instaurado naquele momento. Mas isso era o que o “eu” daquela época estava enxergando, nesse pesadelo percebi algo…

Mesmo com a casa totalmente destruída, ainda sim não era isso a minha preocupação, e sim a minha mãe, escuto uns barulhos vindo do segundo andar e é até lá que eu corro. Agora estou navegando pelas piores memórias que eu tenho da minha vida, minha mãe se chama Riko e nós morávamos na parte sul do mundo, onde era dominado pelos asiáticos, e nesse dia nossa casa estava sendo invadida, mas nós não sabíamos quem estava fazendo isso.

Meu coração se sentia estranho a cada passo que eu estava dando naquela casa, era como se estivessem me perseguindo, era como se estivessem negando a minha existência naquele mundo. Subo as escadas e sigo caminho até encontrar a minha mãe, ela estava assustada com algo e nem havia percebido o que era, naquele momento minha mãe olha em meus olhos, mesmo do outro lado do corredor ainda podia sentir o seu medo que rapidamente me falava para se afastar.

Riko tentava se aproximar de mim, mas era impedida por algo estranho. Logo atrás dela surge uma sombra em tamanho de um humano, e isso rapidamente se transforma em uma pessoa, seus ossos, sua pele, sua escuridão… e por mais demorado que seja a minha explicação, tudo isso aconteceu em três segundos.

Com uma espada em mãos, essa pessoa esfaqueia a minha mãe incontáveis vezes, eu estava lá vendo tudo aquilo acontecer na minha frente sem que pudesse fazer algo, uma criança está vendo a sua mãe morrer na sua frente. Seu sangue escorria pelo chão, a parede que era branca lentamente se transformava em vermelha, e isso acontece milhares e milhares de vezes.

Fiquei imóvel, pois sabia que naquele momento a minha única escolha era ficar parado, não tinha como correr, não tinha como olhar para trás, não tinha como fazer nada, meu corpo não estava me obedecendo. Aquela pessoa lentamente se aproxima de mim, tentando falar algo, mas naquele momento eu não estava entendendo nada, pois parecia ser de uma língua totalmente diferente da que estava acostumado, aquela pessoa levanta sua espada em minha direção e não há nada que eu possa fazer.

Tento me levantar para correr, mas o meu corpo não respondia, era o pior momento da minha vida, eu não conseguia gritar, meu coração estava acelerado, o sangue de minha mãe chegava nas minhas pernas que estavam ajoelhadas no chão, se misturava com minhas lágrimas que lentamente estavam caindo de meus olhos.

Minha cabeça estava pensando em milhares de coisas simultaneamente, e nada desses pensamentos tomam controle da minha mente. Sua espada gradualmente se abaixa, chegando perto do meu pescoço que assim já havia desistido de viver, lentamente estava sentindo o calor da espada se aproximando de minha cabeça, mas…

O barulho muito forte de metal batendo me salva. Um homem de cabelos longos havia defendido esse ataque que parecia querer tirar a minha vida, esse homem defende o ataque dessa pessoa, o devolvendo com uma força descomunal, sua lâmina não chegava nas paredes, mas mesmo assim havia cortado quase o segundo andar inteiro da casa.

— Você veio para terminar o seu serviço, *****?

Estranhamente, quando o homem diz o nome da pessoa, era como se eu estivesse ficado surdo, não consigo me lembrar do nome, assim como não consigo me lembrar de sua aparência, era como se tivesse me esquecido de tudo isso… estranhamente toda a cena, lembro de tudo.

Aquele homem que havia me protegido era nada mais nada menos que meu pai, o Riki, seus olhos estavam brilhando além do seu corpo, sua pele branca e brilhosa, porém suas roupas eram o oposto disso, todas pretas e cinzas escuras. Em sua mão esquerda havia uma espada tão grande que se enfiava nas paredes de casa, da mesma forma que, em sua mão direita, tinha uma faca pequena que parecia de cozinha. Seu cabelo era longo e preto como o de uma mulher, liso e chamativo.

Após a conversa dos dois, a luta começa, suas espadas se colidem até quebrar no meio a audição de todas as pessoas em um raio de no mínimo 100 km, penso eu. Eles não se atingiam, apenas defendiam o ataque um do outro como se tudo isso fosse planejado, algo que eu não sabia naquela época era o fato de meu pai lutar dessa forma, não sabia que ele tinha tamanho poder e até hoje eu não sei de onde saiu tudo isso, até então éramos uma família normal que seguia um caminho normal, mas em certo dia, tudo isso muda e pelo que parece nossa família tem muito poder.

A luta era estranha, as espadas se batiam, poderes estranhos onde não consigo ver também se colidiram, e ainda mais… era como se eu estivesse preso naquele momento, em um pequeno corredor eu estava vendo toda a luta e estava preso, meu corpo não estava se mexendo.

Em minha mente se passava apenas uma coisa, “eu tinha que ser útil naquele momento”.

Minha mãe foi morta na minha frente por algo estranho onde também estava na minha frente, mas consegui fazer algo? NÃO, fui um completo inútil onde não consegui fazer nada pela minha mãe, minha cabeça dói, minha mente entra em colisão com meu coração, não há nada que eu possa fazer. Talvez realmente seja melhor sair correndo, disso eu sei, mas por algum motivo, meu coração queria muito ser útil e enfrentar essa coisa estranha.

Me levanto lentamente e assim tento dar um passo para frente, porém meu corpo é travado novamente com uma ordem que meu pai me dá.

— HIDEKI, SAIA DAQUI AGORA!

— MAS, PAI…

— CALE A BOCA E SUMA DAQUI LOGO, DEPOIS DISSO EU IREI TE ALCANÇAR, ENTÃO NÃO PRECISA TER MEDO!

Sua espada havia parado no ar com a da coisa que estava ali, ele me dizia coisas simples e calmas em um momento completamente tenso, por mais que estava gritando.

— Eu… EU POSSO CONFIAR EM VOCÊ? — pergunto.

— Sim. Você pode.

Naquele momento meu corpo deu um passo atrás contra minha vontade, era como se eu apenas estivesse seguindo uma ordem.

— Mas pai… e a mãe?

— Vá logo, em algum momento nos encontraremos e assim seguiremos juntos…

Seus olhos demonstravam algo que eu nunca havia visto em toda a minha vida, meu pai sempre foi uma pessoa calma e que não demonstrava algum sentimento ruim, era sempre algo como um sorriso gigante ou uma paz gigante, mas em seus olhos senti algo estranho, era uma espécie de tristeza com felicidade, não sei ao certo o que era aquilo, mas o que sei é que foi o suficiente para simplesmente fazer meu corpo andar alguns passos para trás.

— Eu… Eu te espero. Por favor, não demore!

Assim…  corro.

Naquele momento eu estava com esperança de que tudo poderia ainda dar certo, por mais difícil que era, vendo essa situação de fora eu realmente senti algo. Existe realmente a possibilidade de você estar me procurando ainda, assim como estou te procurando.

Não sei o que aconteceu depois disso, não sei se você saiu vivo, se você conseguiu fugir, se você derrotou essa coisa, realmente não sei. Queria entender o que estava acontecendo para dar um fim em tudo isso, uma criança sair correndo de casa, chorando e sem caminho para seguir, o que aconteceu antes de tudo isso para chegar a esse ponto.

O que eu poderia fazer nesse momento era simplesmente correr pelas ruas sem rumo algum. Não estava ao certo procurando um abrigo, eu estava querendo que tudo aquilo fosse mentira, estava correndo para perceber que tudo aquilo não passava de apenas um sonho. Cair no chão fazia parte dessa corrida, confundir minha mente fazia parte dessa corrida, afinal, meus pensamentos são uma merda.

— Você entende o que eu quero dizer, né?

— Você sabe muito bem o que eu quero dizer, né?

— Afinal, parece que você pode ver meus pensamentos. Eles são confusos, não são?

— Desculpe, eu não sei ao certo o que eu devo pensar.

Nessa hora me deparo comigo mesmo em minha frente, uma criança toda machucada de frente comigo mesmo.

— Me diga, “eu”, o que deveria fazer nesse momento?

— Não sei…

— Você passou pelas mesmas coisas, não é?

— Podemos dizer que sim.

— Queria entender, fiz certo?

— Se de certo modo fiz a mesma coisa que você, sim, você fez certo.

— Se fiz o certo, então por que tudo não acabou ainda?

— Pelo motivo de que você fez o certo.

O local gradualmente se transformava em uma sala branca e apenas sobrava o “eu” e eu.

— Então se eu errar, tudo vai acabar?

— Não, tudo vai continuar.

— E o que preciso fazer para tudo acabar?

— Não sei…

— Você… sou eu que chegou ao fim?

— Sou você que ainda continua passando pelo inferno.

— Será que em algum momento, chegaremos ao fim?

— Se esse momento chegar, eu tenho certeza de que não estarei vivo para ver o final.

— Mas se você não estiver vivo, como veremos o final?

— Haha, tem razão… Me manterei vivo, seguindo para terminar tudo de uma vez.

— Você não pode se esquecer do resto…

— Do resto?

Nesse momento a sala branca se transformava em uma casa gigante, um castelo que não havia nada igual, era a antiga casa de Shiori.

Eu havia passado alguns anos com eles, já que eram as únicas pessoas que descobriram o que aconteceu naquela época, e por conta disso eles me acolheram e fizeram eu viver uma vida para esquecer tudo, mas era impossível. Nunca iria esquecer o que aconteceu naquele dia.

Quero poder ver meu pai, ele morreu? Ele está vivo? Não sei… Mas caminharei a terra inteira para encontrá-lo.

Enquanto vivia com Shiori na mesma casa, descobri querer muitas coisas para a minha vida, e uma delas era proteger Shiori para todo o sempre, quero estar com ela, quero viver com ela, quero ser forte para protegê-la de tudo, não sei ao certo como se chama isso, acho que é… amor? Não sei.

Sabia apenas que era uma das únicas pessoas que me importava naquele momento além da minha mãe e do meu pai. Após uns anos eu havia decidido comigo mesmo que iria sair da casa de Shiori e viver sozinho, desde então comecei a trabalhar em outro lugares, viver em outros lugares, apenas para descobrir um ponto onde poderia me fortalecer para sair por aí no mundo.

Poucas vezes entrava em contato com a Shiori para saber como ela está, e então descobri que ela entraria em uma academia de batalha, logo em seguida algo conectou em minha mente, era como se um switch tivesse ligado, dizendo que deveria ir para o mesmo lugar, e havia combinado com ela que também entraria na academia de batalha e treinaria com ela.

Depois perguntei o motivo dela ter feito isso, e havia entendido ser pelo fato de que sua mãe sumiu e ela está a procura para entender o que estava acontecendo naquele momento… Assim me deparo na mesma sala branca…

“Eu” estava lá.

— Você ainda se lembra?

— Me lembro do quê?

— Da promessa que você fez para ela.

— Ah, lembro sim.

— E o que você vai fazer?

— Provavelmente irei contá-la sobre tudo quando esse pesadelo acabar.

— Entendo…

— Isso pode ser algo complicado…

— Eu sei, afinal de contas eu sou você.

— Sim…

— Você vai continuar com isso?

— Isso o quê?

— Esse medo de tudo ser mentira.

— Não… não irei continuar com isso, não tenho mais o medo de tudo ser mentira.

— Então por que fica visitando essas memórias antigas que já foram quase apagadas da sua cabeça?

— Porque quero lembrar das promessas que fiz.

— E mesmo assim você quebra essas promessas?

— Como assim?

— E se ele já estiver cansado de te procurar, e se ele morreu? E se a nossa mãe morreu? Sua procura será em vão.

— Mas mesmo assim irei buscá-lo.

— Irá buscar?

— Sim, tentei pelo menos… Melhor do que somente desistir e seguir se arrependendo de não ter ido atrás das coisas.

— Ha! Se eu estivesse no comando, tudo isso já teria acabado.

— Se você estivesse no comando, provavelmente tudo teria ido para o mau caminho.

— Você… me enoja.

— O seu “eu” te enoja?

— Ha. Ha! Ha...

— Adeus, “eu”.

— Isso não é um adeus.

— Então seria o quê?

— Um até mais.

— Então até mais.

— Antes que você vá, diga a verdade para Shiori.

— Eu direi.

— E não se esqueça…

— Não me esquecerei.

— Então… Então viva!

— Viverei.

— Eu voltarei.

— Sim, eu sei disso, e por isso esperarei você.

— …

Seu silêncio era como o meu, sua vida era como a minha, eu não sei quem é você, mas sei quem sou eu.

Assim acordo desse pesadelo, meio assustado.

Na sacada do quarto havia uma pessoa de pé observando todas as estrelas no céu noturno, era a Shiori. Como sempre foi, ela roubava toda a atenção do céu noturno, ela era a maior estrela com o maior brilho. Assim como sempre, ela estava meio distraída, provavelmente pensando no passado, essa é… essa é a garota que roubou meu coração.

Você parece o sol, não, você é até mais viva que o sol, você é… quem brilha mais de todas as estrelas.

— Shiori?

Ela não me atendia.

— Shiori…

— Oh, você acordou?

Sua atenção havia se direcionado a mim, ela arrumava seu cabelo bagunçado e sua roupa toda bagunçada também, e assim seu rosto corava levemente pela vergonha de alguém ter a visto daquela forma.

— Tenho algo para te falar, Shiori.

— Entendo entendo, pode falar!

Ela se aproximava da cama, e colocava um joelho acima do colchão com seu rosto se aproximando do meu, ela estava tão próxima que meu coração lentamente parecia querer sair pela minha garganta.

— V-Você se lembra da nossa promessa?

— A promessa que você ia me falar quando a gente se encontrasse novamente?

— S-Sim…

— Pode falar!

— Eu…

Minha mente trava, não quero falar. É algo que pode ser considerado estranho… na minha mente digo que te amo, no meu coração digo que não devo te contar isso.

Se eu falar que te amo, você responderia da mesma forma? Acho que não. Será que realmente o momento para te falar meus pensamentos é agora? Não sei.

Minha mente está um pouco confusa com tudo isso, meu pesadelo está na minha mente o tempo todo… sou o culpado de tudo, sou o pior de todos.

Tenho direito de amar você? Tenho o direito de dedicar minha vida à você? Minha cabeça está confusa demais agora, no tempo que passa só consigo imaginar uma coisa…

— Shiori… eu quero…

Quero poder ter o direito de te amar.

— Quero te proteger… Shiori.

Sinto que agora não é o momento certo de te falar a verdade por trás dos meus pensamentos… ainda preciso crescer, ainda preciso entender melhor… ainda… preciso falar seriamente comigo mesmo.

Ei "eu", você entende? Não posso contar a verdade para ela.

Mas, quero… quero que você seja a única pessoa capaz de fazer meu coração ficar feliz novamente. A minha vida só depende de você, tudo que penso no final da em você… 

O que quero é entender que sentimento é esse… eu te amo, mas qual o motivo de não conseguir te falar isso?...

Shiori… eu te amo… te amo tanto…

Mas não tenho o direito de te falar isso agora.

— Hahaha… não precisa de tudo isso…

Seu rosto que estava um pouco ansioso para descobrir o que iria acontecer, se transforma em felicidade e um pouco de decepção. Ela me abraça, colocando minha cabeça para ouvir seu coração.

— Você não precisa me proteger, porque no final de tudo… irei te proteger.

Eu… começo aos poucos a derramar lágrimas.

— H-Hideki?

— Eu… tive o mesmo pesadelo… de novo…

— Você se lembrou daquele dia?

— Sim… eu não… eu não quero me lembrar disso…

— Se acalma, se acalma… eu estou aqui agora, você não está sozinho.

— Eu… só queria… eu só queria…

Poder ter o direito de te amar.

— Você não precisa mais ter medo de nada, eu estou aqui com você, não há o que temer.

Queria poder entender por qual motivo segui a minha vida naquele momento. Por que decidi correr naquele dia? Eu poderia apenas deixar tudo acontecer, uma hora ou outra só iria morrer e tudo isso iria acabar.

Mas quando olho para a pessoa que está na minha frente, entendo o motivo… 

— Shiori…

— Oi?

Seu calor parece de uma pessoa que quer muito proteger alguém, seus braços me entrelaçam e com muita dificuldade parecem querer me defender de todas as coisas ruins que podem acontecer.

— O…Obrigado…

— Viu? No final das contas… eu que te protejo.

Uma hora irei entender meus sentimentos, uma hora irei poder te falar a verdade, e quando esse momento chegar, espero que você esteja por aí para escutar tudo.

Shiori… Shiori… 

Eu te amo…



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