Volume 2

Capítulo 3: Mal-entendidos são o Tempero do Amor

Nota do tradutor

Os capítulos 3 e 4 estão da seguinte forma:

Textos com travessão (—) representam diálogos de personagem.

Pensamentos estão entre aspas duplas ("exemplo").

Onomatopeias, habilidades novas e a fala com o leitor no começo do capítulo estão em itálico (exemplo).


Aqui quem fala é o Satou. Pelo visto comédias românticas são cheias de maus entendidos, não importa o país ou a cultura. Mas, na maioria das vezes, eles levam ao fim do relacionamento, por isso prefiro evita-los.

Do lado de fora da janela, já era possível ouvir os sons das pessoas andando e conversando nas ruas. “Já é tão tarde assim? ”

Lutando para resistir à tentação de voltar a dormi, comecei a lembrar dos eventos do dia anterior. Tinha aprendido muita coisa, até descobri como a Arisa virou uma escrava.

Antes dela dormir, perguntei se deveria liberta-la, contudo ela explicou que o Geis que foi colocado nela impedia isso. Aparentemente ser libertada significaria ir contra as regras daquela habilidade o que faria ela começar a sangrar por todo o corpo e acabar morrendo. Aquilo parecia mais uma maldição.

Um local com várias pessoas, como a antiga capital ou a capital real, com certeza teria alguém com uma habilidade capaz de reescrever ou apagar um Geis, então deve ser só uma questão de tempo até conseguirmos a liberdade dela.

Quando descobri, na noite anterior, que a Arisa usou magia para tentar me seduzir, decidi sair de perto dela assim que acordasse. No entanto também me senti mal por ela despois de ouvir tudo e seria muito cruel abandonar uma criança que não tinha nenhuma família, ainda mais uma que veio do meu país de origem.

Poderia acabar me arrependendo dessa decisão no futuro, entretanto, naquele momento, decidi me focar no presente. “Se alguma coisa acontecer, vou só resolver tudo com meu poder de nível 310 ou usando a quantidade absurda de dinheiro que acumulei. ” Quando esses pensamentos arrogantes estavam se formando na minha cabeça, a porta foi aberta, senti como se um balde de agua fria fosse jogado em mim. “Pelo menos bata antes. ”

— Está acordado, senhor Satou? Sua namorada está aqui para vê-lo!

Até mesmo pela manhã, a Martha conseguia agir de maneira animada. Atrás dela, escutei a Zena sussurrar: — N-não sou a namor... — Corando enquanto tentava cobrir a boca da Martha.

— Bom dia. — Cumprimentei o par enquanto me sentava.

O quarto estava meio frio... “É mesmo, ainda estava sem camisa por causa do incidente de ontem.”

Oh, você tem um corpo muito bom!

Martha olhava para meu peito com muito interesse. Zena ficou envergonhada e cobriu o rosto vermelho com as mãos, mas dava para perceber que ela estava me observado pelas aberturas entre os dedos. Tinha pensado que alguém que trabalhava como militar estaria acostumada a ver homens seminus.

— Desculpa. Já vou colocar alguma coisa. — Coloquei as mãos na cama para me levantar.

Gemido.

Senti que toquei em algo quente. Olhei para baixo e vi uma pequena menina com pouca roupa. Minha mão estava encostando no peito dela... “Ah, tinha esquecido que ela acabou dormido aqui mesmo. ”

Quando percebeu que eu estava na cama com uma garotinha, o rosto de Zena rapidamente perdeu toda a cor.

— Mestre... por favor... não faz isso... não sei se vou aguentar... — Como se estivesse tentando piorar a situação, a Lulu escolheu o melhor momento para começar a falar dormindo.

Olhei para a cama dela e vi que estava com as costas viradas para mim, mas ela deve ter se mexido muito enquanto dormia fazendo sua camisa subir um pouco, a bundinha fofa dela estava à vista. “ E ela não está usando uma calcinha...”

E para deixar as coisas ainda mais estranhas, tinha uma mancha vermelha no lençol... “Hein? Ela se machucou? ”

— Q-que, que depravado! Satou, como pode fazer issoooo! — Zena saiu correndo para fora do quarto, colocando as mãos no rosto enquanto chorava.

Martha cocava a cabeça sem saber o que falar. — Desculpa por ter incomodado... Já estou de saída... — Ela fugiu do quarto e fechou a porta o mais rápido possível.

“Nossa, nunca ouvi alguém gritar “depravado” antes. ” Por causa desses pensamentos inúteis, não consegui explicar a situação a tempo.

— Mestre, você teria algum pano limpa? Parece que a Lulu está menstruando.

Tirei uma toalha da minha bolsa e passei para a Arisa sem falar nada.

— Obrigada. Então, não vai atrás dela? Se demorar muito as coisas vão ficar cada vez pior na imaginação dela.

Bem, ela era apenas a minha amiga, não tínhamos nenhuma relação amorosa... Mesmo assim, não quero que uma conhecida pensasse que eu era um pedófilo, era melhor me apressar. Mas sair correndo seminu não seria muito bom, então peguei uma camisa que tinha caído no chão. Não preciso nem dizer que já estava vestindo shorts.

Chequei o radar e vi que a Zena tinha acabado de sair da estalagem e estava indo em direção à avenida central. “Que rápida... deve ser por causa do treinamento militar. ” Se continuasse assim ela deveria passar do lado quarto em alguns segundos.

“Esse poder é bem útil, mas seria perigoso nas mãos de um stalker.” Enquanto esses pensamentos idiotas passavam pela minha cabeça, eu pulei pela janela. Pousei bem na frente dela, impedindo que continuasse correndo. Assustada, Zena tentou passar por mim, entretendo eu segurei ela e dei um giro como um dançarino para dispersar seu momento. 

Skill adquirida: Dançar.

— Zena, foi tudo um mal-entendido.

A menina colocou as mãos no meu peito, tentando escapar. Mas não era o suficiente para me fazer soltá-la. “Ainda não posso deixar ela ir.” Se o fizesse, Zena nunca acreditaria em mim... a imaginação dela iria inventar um monte de coisas e nunca conseguiríamos explicar o que aconteceu de verdade.

— Mas você estava dormindo com aquela garotinha linda.

— Ela deve ter deitado na cama errada enquanto estava sonolenta. — Se esse fosse o caso não teria problema, não é? Bem, eu estava usando só roupa de baixo, mas gostaria de ter mais tempo para explicar detalhadamente o que aconteceu. Eu não era um lolicon1!

— E também tinha uma garota de cabelo preto lá!

Grito.

— Aquela era a irmã mais velha que tem um péssimo habito para dormir e ela está naquele período do mês — sussurrei a segunda parte na orelha dela já que estávamos na rua.

Zena finalmente parou de se debater depois de ouvir isso.

— M-mas a Lilio me disse que se um homem compra uma escrava, só pode ser para fazer aquelas coisas...!

Essa Lilio me fudeu. No fundo do meu coração, comecei a amaldiçoar aquela mulher que devia estar patrulhando pela cidade. Ela era uma das guardas de Zena e uma de suas amigas mais próximas. Sei que o objetivo dela era tentar proteger a pureza dessa menina, no entanto eu odiava ser acusado injustamente.

— Isso depende da pessoa. Aquelas duas são só minhas empregadas! A Liza e as outras podem me servir como guardas, já que não conseguem fazer compras sozinhas e cuidar da casa.

— Mas...

“As coisas deveriam ficado mais claras agora, mas porque será que ela se recusa a aceitar? ” Achei que dizer algo como: — Se eu quisesse fazer algo assim teria comprado uma milf gostosa. — Iria apenas deixa-la mais nervosa, então fiquei de boca calada.

— Essa roupa te dá um ar diferente, os babados combinaram muito com você... ficou muito bonita vestida assim. — Pensei que alguns elogios fossem deixá-la mais calma.

Zena sussurrou: — Ah... essa coisa velha... — Um pouco envergonhada, porém parecia que ela ficou feliz em ouvir aquilo.

— É lindo, mas não está muito frio para usar isso?

— Já estou acostumada, então não sinto muita coisa.

“Não é assim que você deveria responder. Deveria abraçar o braço do homem com força e dizer: — Estarei aquecida desde que fiquemos juntos! — Ou algo do tipo! ”

— Parando para pensar, tinha uma barraca perto daqui onde vendiam uns cachecóis lindos. Quer ir dar uma olhada? Tenho certeza de que ficarão lindos em você.

— Serio? Eu adoraria!

“Ótimo! Consegui mudar de assunto! ” No primeiro dia que vim para a Cidade Seiryuu, percebi que Martha sempre parava para dar uma olhada naquela loja.

Depois de ficar quase uma hora experimentando cachecóis, Zena finalmente escolheu um cor de rosa e eu comprei para dar de presente. Ela recusou no começo, mas depois de conversamos um pouco acabou aceitando. Quando saímos do local o humor dela já parecia estar bem melhor.

“Mulheres realmente enrolam quando vão comprar alguma coisa...”

◊◊◊◊◊◊

Quando eu e a Zena retornamos para a pousada, Arisa estava parada perto da recepção acenando para mim. Do lado dela tinha uma entrada para o pátio da estalagem onde as carruagens ficavam.

— Bem-vindo de volta, mestre. Que bom que você conseguiu resolver o mal-entendido — disse Alisa de maneira suave, como se não fosse ela o motivo de todo aquele problema. Dei um peteleco na cabeça dela como vingança. — Aí...

— O que está fazendo aqui fora?

— Fiquei com um pouco de fome, então vim ver se a Liza tinha um pouco para mim.

— Você já comeu?

— Sim, a Lula ainda não terminou. Mas ela não parece ter muita fome para começo de conversa...

Bem, queijo e carne seca não eram comidas muito boas para alguém que não estava passando mal. Dei algumas moedas de cobre para a Alisa e pedi para ir comprar algumas frutas. Enquanto isso, fui trocar de roupa no meu quarto. Zena ficou me esperando no bar do primeiro andar, sugeri que ela provasse o suco de frutas enquanto esperava.

No quarto eu coloquei um pouco de agua do Cantil Mágico na bacia de cobre em cima da mesa e lavei meu rosto. Meu cabelo não estava muito bagunçado, então só dei uma penteada rápida com as mãos. “Uma hora vou ter que pesquisar o que eles usam para cuidar do cabelo nesse mundo. ”

◊◊◊◊◊◊

— Desculpa pela demora, Zena.

— Tudo bem. Fiquei conversando com a Martha enquanto esperava.

— Bem, vou deixar os dois sozinhos agora. — A funcionaria voltou para o trabalho assim que eu cheguei. A Arisa tinha acabado de voltar das compras, pedi para ela chamar a Liza e as outras para.

Lulu estava muito pálida, então achei melhor que voltasse para o quarto. Yuni, a empregada, estava por perto, aproveitei para pedir que levasse um pouco de água para o nosso quarto, dei umas moedas para ela como gorjeta.

Sai da pousada com a Zena, a Arisa e as outras meninas foram juntas.

— Pegue esse dinheiro para comprar algumas roupas e produtos para o dia a dia de todo mundo. Arisa, vou deixar as negociações com você. Liza, conto com você para protege-las de ladrões e sequestradores.

Passei uma pequena bolsa contendo 10 moedas de prata para a Liza. De outra com 2 moedas de prata para a Arisa. Seria perigoso deixar todo o dinheiro com uma pessoa só, então achei melhor fazer aquilo só por precaução.

Arisa me perguntou baixinho se ela poderia usar habilidades ou magia para camuflagem ou observar os arredores. Dei permissão para ela, tinha esquecido de tirar a proibição que eu tinha colocado nela na noite anterior.

— Irie proteger todas, senhor.

— Eu tambéeeeeem!

— Tudo bem, então vocês duas vão ficar do lado da Arisa para protege-la.

— Sim senhor.

— Ok!

Pochi e Tama estavam animadas, estavam tão fofas que não congui deixar de fazer um cafuné nelas. O cabelo delas ficou bem mais suave do que antes... deve ter sido por causa dos banhos que tiveram no castelo.

— É mesmo. Se encontrarem alguém capaz de usar magia de dia a dia, peça para ele para usar a magia de limpeza nas suas roupas. — Dei mais algumas pratas para pagarem pelo o serviço.

— Um momento, mestres. Você se importaria se comprássemos alguns doces se sobrar dinheiro?

— Não tem problema, desde que não custe mais do que uma grande moeda de cobre. Daqui a pouco é hora do almoço, então não comam muita besteira.

As meninas gritaram: — Sim senhor. — Com muita animação e começaram a seguir a Arisa em direção à Avenida Teputa. Pochi e Tama estavam protegendo os lados dela, o que fazia ela parecer a chefe de um grupo de crianças da vizinhança. A Liza parecia uma mãe acompanhando as meninas.

— Elas falam de forma bem informal para escravas, não é?

— Sei que o jeito que faço as coisas pode parecer meio anormal, mas me sinto mais confortável dessa forma.

Tinha certeza que me tornaria o pior tipo de pessoa se eu tratasse meus escravos da maneira que esse mundo acha comum. Me sinto muito feliz com a minha forma de fazer as coisas. O Nidoren me explicou várias coisas sobre a escravidão, no entanto, ainda prefiro continuar agindo assim.

◊◊◊◊◊◊

— Hoje é seu dia de folga?

— Sim, a primeira parte da investigação já foi terminada, então podemos descansar por um dia.

A Zena sorrio ao dizer isso, entretanto, se você me perguntasse, ter apenas um dia folga desde o momento em que saímos do labirinto parecia uma pratica abusiva no trabalho. Aquele devia ser um emprego bem difícil. Ela não parecia se importar, então não falei nada, contudo, esperava que a saúde dela não ficasse ruim por causa disso.

— Você vai voltar para sua unidade amanhã?

— Não, a recém-criada “força especial de exploração do labirinto” irá começar a trabalhar amanhã. Não irie retornar para minha antiga unidade por mais 5 dias.

Zena explicou que haviam dois tipos de grupos de patrulha: aqueles que fazem vigílias mais longas, 2 ou 3 dias, e aqueles que só tem que fazer esse serviço por 1 único dia. Unidades que continham soldados mágicos seriam enviados para as mais longas, então, quando ela voltasse a trabalhar, iria ser mais difícil de nos encontrarmos.

Parando para pensar, a Arisa não queria ir para o labirinto?

— Zena, o labirinto está aberto apenas para os militares, não é?

— Sim, as coisas devem continuar assim por mais alguns meses, no mínimo. Porque a pergunta? Tem alguém que você conhece que ainda não saiu de lá?

— Não, não é isso. Só estava curioso, nada demais. Desculpa por ter te deixar preocupada.

Pelo visto iria demorar um tempo para o desejo de Arisa poder ser realizado. Especialmente se considerarmos a situação das meninas do povo fera, talvez nós devêssemos ir para a Cidade do Labirinto depois de dar mais alguns passeios na Cidade Seiryuu?

Seria um pouco triste ficar sem ver a Zena, entretanto eu tinha certeza de que nos reencontraríamos.

— Satou, você tem algum plano para hoje?

— Sim, planejei dar uma passada no armazém geral e ver se alguém conhece uma pousada que aceita demi-humanos. Não poso deixa a  Liza e as meninas continuarem dormindo nos estábulos, afinal. — Estava tão perdido em meus pensamentos, que acabei respondendo sem perceber.

H-hm, já que é assim, se importa se eu me juntar a você? — Enquanto juntava as mão, Zena olhava para mim esperando a resposta.

— Pode vir se quiser, mas tem certeza que quer desperdiçar seu precioso dia de folga assim?

— Sim!

Não achei que seria divertido me seguir enquanto eu procurava um lugar para dormir... No entanto ela fez um sorriso tão brilhante quando respondeu, que não tinha como recusar. Então a Zena se juntou a mim e fomos para o armazem que ficava perto da praça do portão principal.

◊◊◊◊◊◊

— Oi, tem alguém aí?

Não havia nem uma alma no primeiro andar do armazém geral, então gritei para ver se o dono estava. Graças ao me radar eu sabia que tinha uma pessoa no segundo andar, então tentei chama-la para baixo. Já que consegui a habilidade Amplificação antes, fazer isso não machucava a minha garganta.

Uma voz bem calma falou: — Já estou indo! — Lá de cima e escutei o barulho dos passos descendo a escada.

Bem na frente da porta da loja estava um balcão de madeira, com um sofá e uma escrivaninha atrás. Vários documentos estavam empilhados em cima da escrivaninha, fazendo o lugar parecer um escritório de detetive que aparecia em filmes.

— Desculpa a demora. Meu nome é Nadi, trabalho nesse estabelecimento.

Uma mulher que parecia ter por volta de 20 anos apareceu, seu cabelo vermelho estava enrolado em um coque. Usava uma camisa branca e uma saia2 verde.

— Como posso ajudá-lo?

— Bem, queria ajuda para encontrar uma pousada ou uma casa para alugar...

Expliquei que precisava de um local que permitiria a entrada das minhas escravas demi-humanas e com boa segurança. Um lugar silencioso iria ser legal, contudo isso não era tão importante quanto os dois primeiros pedidos.

— Já que está com demi-humanos, o distrito oeste ou o dos trabalhadores seriam as melhores opções. No entanto a criminalidade é alta perto da pousada, então recomento procure uma casa.

A Nadi não parava de virar as páginas do documento com as informações dos imóveis. Fiquei surpreso por terem esse tipo de registro naquele mundo... porem seria rude falar isso em voz alta.

— O quanto o senhor está disposto a pagar?

— Bem, acho que duas moedas de prata seria o ideal. Se não forem o suficiente, posso pagar até uma moeda de ouro.

— Nesse caso, teremos algumas opções.

Já que a pousada Gatefront era considerado um pouco caro com o preço de uma grande moeda de cobre por noite e como haviam mais pessoas comigo, cheguei ao valor de duas pratas. Pensei que era batente, mas pela reação de Nadi, devia ser o mínimo necessário.

— Acredito que essas 3 locais atendem ao seu pedido, no entanto... — Ela hesitou por um momento antes de explicar.

Pelo visto aquelas 3 casas tinham uma história questionável por trás delas. Achei que seria melhor dar uma olhada nelas antes de decidir.

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A primeira casa era um sobrado com quase 300 metros quadrados de área, um membro de uma guilda criminosa assassinou o antigo dono. A aparência lembrava um pouco a arquitetura ocidental, tinha umas partes feitas de mármore decorando algumas partes da parede externa.

Quando examinei o chão com a função 3D do meu mapa, descobri um buraco enorme em uma área escondida na casa. Deve ter sido por onde o assassino entrou e deixaram daquele jeito desde então.

Os arbustos do jardim escondiam o buraco para quem via de fora, fingi só estar dando uma olhada nas plantas e guiei eles para o local... claro, falei que foi tudo pura coincidência.

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Não paramos a carruagem quando chegamos na segunda casa... o motivo disso? A rua atrás dela estava cheia de bordeis.  Assim que Nadi falou isso, Zena disse para o homem que dirigia a carruagem passar reto, a voz dela estava séria. Bem, graças a isso consegui ver o rosto dela ficar todo corado, foi bem fofo.

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A terceira casa era uma mansão toda acabada perto da muralha externa da cidade, diziam que fantasmas assombravam ela. De acordo com a história, um nobre morou nela há 100 anos atrás.

Era a maior mansão de estilo ocidental que tinha visto na minha vida, entretanto, nós com certeza não podíamos morar ali. Parte disso era porque eu odiava terror e gore3, mas tinha um motivo mais importante, o porão da casa parecia servir de esconderijo de uma guilda criminosa.

Tinha todo o tipo de criminoso lá dentro. Devem ter sido eles que inventado esse rumor de que essa era uma mansão amaldiçoada para poderem continuar escondidos ali.

Hein...? ”

Tinha alguma coisa estranha no meu radar. Alguns pontos estavam se movendo fora do terreno da casa. Achei isso suspeito, olhei com mais atenção e percebi que havia um túnel que ia para o lado de fora da cidade. Supus que aquilo existia desde o tempo que o nobre era o dono dela. Parecia que estava sendo usado para levam contrabando para dentro das muralhas.

Nadi estava indo para dentro, mas eu a parei. — Tenho uma má sensação sobre esse lugar. Não vamos entrar. Deve estar amaldiçoada.

Zena olhou para mim com surpresa. Bem, uma pessoa que escapou de um labirinto cheio de esqueletos e monstros provavelmente não diria uma coisa dessas.

— Se tiver fantasmas ou qualquer tipo de morto-vivo, você pode pagar ao templo para vir fazer um exorcismo — propôs Nadi.

Essa era a solução que só um mundo de fantasia poderia ter, no entanto, se chamássemos um sacerdote, com certeza os criminosos iriam apenas se esconder.

“Irei escrever uma carte explicando o que sei e vou deixá-la na delegacia ou outro lugar parecido. ”

Tinha certeza de que minha habilidade Manobras Secretas seria muito útil para fazer isso.

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No final, nenhuma das casas que visitamos serviu, então o passeio para encontrar um lugar para alugar acabou.

— Tenho certeza que teriam mais ofertas se alguém se dispôs a pagar 2 pratas triluarmente. Irei checar com outras companhias hoje à tarde, elas devem ter mais opções para trabalharmos.

Nadi parecia disposta a ajudar, então decidimos voltar durante a tarde. Pensei que o aluguel seria 2 moedas de prata por dia, contudo, pelo visto, a medida de tempo padrão nesse caso era triluar, pagar a cada 10 dias. Tinha que começar a prestar mais atenção nessas coisas.

Eu não tinha nada para fazer até a tarde, decidi perguntar para a Zena se tinha algum lugar que queria ir. Pelo visto, o restaurante que ela gostava exigia reservas, então não dava para ir naquele dia. A menina ficou um pouco triste por causa disso, mas a Nadi apareceu para ajudar.

— Um mercado de pulgas abriu ontem na praça aqui perto. Sempre tem alguma coisa com o preço bom lá, então o gerente e eu gostamos de dar uma passada lá e comprar o que tiver um preço bom. — Ela olhou para a Zena e adicionou. — É um lugar legal para um encontro.

O rosto da Zena ficou vermelho. Porém, já que estávamos perto, decidimos dar uma passada lá antes de voltar para a loja. De acordo com a Nadi, o teatro iria apresentar uma história de romance bem famosa chamada “A Tragédia do Marquesado de Muno” no palco externo que foi montado no mercado.

Tinha muita gente por lá, então decidi diminuir o alcance do meu radar para 15 metros ao meu redor. Aquilo deveria ser o suficiente para saber quem estava se aproximando de nós.

— Mestre! Senhor!

— Te encotramooos!

Ambas, Pochi e Tama, chegaram agarrando minha cintura, animadas. Atrás delas estavam a Liza e a Arisa.

Hein? Já terminaram as compras?

— As sacolas estavam ficando pesadas, achamos melhor deixá-las na pousada antes de continuar. Ei, dá uma olhada nisso!

Arisa tirou seu sobretudo e passou para a Liza, depois deu uma voltinha em torno de si mesma. A saia cor de rosa flutuou no ar, mostrando um par de pernas descobertas... mas claro, já que era apenas uma criança, não tinha muito o que mostrar. Aquelas deviam ser as roupas novas que compraram na Avenida Teputa.

As outras também tiraram o sobretudo para mostrar o visual novo. Tama usava um vestido rosa cheio de babados, a Pochi pegou uma camisa branca e uma saia amarela, lembrava o jeito que a Martha se vestia, e a Liza usava uma roupa mais simples com uma calça embaixo da saia, parecia muito um uniforme militar.

Pochi e Tama começaram a girar como a Arisa, no entanto, já que tinha muitas pessoas na praça, a Liza mandou parar.

— Vocês ficaram lindas. — Fiz carrinho sobre o capuz delas enquanto as elogiava, não foi só por educação, achei mesmo um visual muito fofo. — Espera um pouco, isso é uma peruca?

He he he, voce acertou! Comprei para esconder a cor do meu cabelo.

Isso mesmo, a Arisa estava usando uma peruca loira. O cabelo violeta dela era associado a maldições, então usar aquilo poderia evitar alguns problemas.

— Acha que é uma boa ideia?

— Sim, foi ótima. — Já que aquilo iria nos ajudar a evitar alguns problemas, seria um dinheiro bem gasto.

— Mas gostaria de pedir permissão para comprar mais uma coisa...

Arisa pressionou seus peitos inexistente contra meu peito enquanto olhava de forma sedutora para mim.

— Para com isso, só fala o que você quer.

Tirei a menina de perto de mim enquanto falava. O olhar da Zena parecia estar prestes a abrir um buraco no meu corpo e, para piorar, Pochi e Tama começaram a copiá-la.

Depois de falar para a Zena onde nós iriamos, comecei a seguir a Arisa para ver o que ela queria comprar. Chegamos em uma barraquinha ao ar livre que estava vendendo cartas para jogar karuta4.

Com a permissão do jovem vendedor, peguei uma para poder examinar mais de perto. A parte de frente de cada uma tinha desenhos de poços, baldes e etc, e atrás mostrava uma palavra Shigan que correspondia a imagem. Os desenhos eram monocromáticos, contudo, as partes mais importantes tinham destaque, então não era difícil ver os objetos, na maioria dos casos. Eu não fazia ideia do que a carta “água” deveria ser, mas poucas eram assim.

Tinha 100 delas em cada conjunto e parecia que cada uma foi feita com muito cuidado. Aquilo podia ser útil para ensinar a Pochi e a Tama a escreverem.

— Essa é uma boa ideia.

— Muito obrigado! Eu mesma pensei nisso, vai ser ótimo para ensinar as crianças.

Pelo visto o vendedor começou desenhando elas em madeira, usando carvão. Pensando que seria um bom produto para vender, procurou um artista e pediu para fazer um conjunto e então procurou uma companhia para vende-las.

Entretanto, ele falou que ninguém queria fazer negócio, não conseguiram chegar a um acordo por conta do custo de produção e de venda. De acordo com o vendedor, cada conjunto custava 4 moedas de prata, no entanto a companhia queria vender por apenas uma.

— Então cada uma delas foi pintada individualmente?

— Bem, foi isso mesmo...

Não seria muito mais simples usar impressão em bloco5? Pensei em falar isso em voz alta, porém, a Arisa puxou minha mão para me parar, olhei para ela e vi que tinha colocado um dedo em seus lábios.

— O que foi?

— Você ia sugerir que começassem a usar impressoras, não é? — sussurrou Arisa.

— E qual é o problema? — perguntei, também sussurrado.

— Também não tinha nenhuma impressora no meu castelo. É perigoso ficar ensinado novas tecnologias para as pessoas, sabia!?

— Esse mundo conhece carimbos, mas não tem impressão em bloco?

— É assim que as coisas são por aqui.

Parando para pensar, até mesmo na Terra, passou mais de mil anos entre a invenção de carimbos e a de impressão em bloco. Devia demorar muito tempo para criar variações de uma tecnologia na antiguidade.

Fiquei meio surpreso com o fato de que as pessoas que reencarnaram ou foram invocadas para este mundo, antes de mim, ainda não tinham espalhado essas informações. Bem, já que a Arisa tinha experienciado as consequências de fazer isso, era melhor escutá-la.

Quando terminamos de falar sobre essas coisas, eu olhei para o comerciante e disse: — Desculpa por isso. Parece que ela ficou incomodada por não entender sobre o que estávamos falando.

Ah, não precisa, fui eu que fique muito animado falando. Poucas pessoas mostram interesse nessas coisas...

Não tinha muita gente interessada naquilo? Mas parecia o tipo de coisa que venderia facilmente.

— A gente queria comprar um conjunto, quanto custa?

Os olhos melancólicos do jovem se iluminaram ao ouvir aquilo e ele disse que iria custar 4 moedas de prata... “Espera um pouco, não era esse o custo de produção? ”

— Tem certeza? Assim você não vai ter nem um lucro, não é?

— Está tudo bem. Já fiquei satisfeito por ter visto alguém que entendeu o valor do meu produto, comprá-lo.

Não podia ignorar a situação que aquela pessoa estava, a ideia era muito boa para ser apenas descartada sem mais nem menos.

— O que planeja fazer para produzir a próxima leva? Parece que estão vendendo rápido, então o único problema é o preço. Acho que seria bom fazer alguns experimentos para ver se é possível abaixá-lo, não é? Talvez consiga achar um material mais barato ou alguma forma de produzir em massa.

Não pude deixar de comentar isso enquanto entregava o pagamento... Dar só uma dica não teria problema, não é? Depois de sairmos, dei uma olhada para trás e consegui ver que a chama dos olhos do jovem vendedor parecia ter reacendido.

◊◊◊◊◊◊

— Precisa de mais alguma coisa? — falei enquanto passava as cartas que comprei para a Arisa.

— Faltam alguns produtos pessoais. Se o orçamento permitir, estaria tudo bem comprar equipamento para costura e um espelho de mão?

— Sem problemas, desde que seja necessário e não extrapole muito, eu não me importo muito. Na verdade, não me importo se o espelho estiver acima do orçamento, pode compra um para nós sem se preocupar.

Ficar usando a água da bacia para ver o reflexo era muito ruim, então já tinha pesado em comprar um antes. Nos espólios que consegui no Vale do Dragão havia um item chamado Espelho Quebrado, contudo, aquilo não era muito útil.

Nos separamos de novos quando voltamos para a menina. Zena e eu fomos em direção ao palco para ver a peça, entretanto a voz da Arisa me parou.

— Mestre, você está indo ver o teatro?

— Esse é o plano.

— Já comprou o ingresso que estão vendendo na entrada do mercado de pulgas?

— Não, ainda não...

Não fazia ideia de que estavam vendendo ingressos lá. A praça estava bem lotada, mas dava para chegar no local se seguíssemos o fluxo de pessoas.

— Lilio falou que só precisava pagar um centavo na entrada...

— Tem essa opção, mas você terá que ficar no fundo, de pé, para assistir. O ingresso custa 2 cobres, dá para conseguir um assento lá dentro se fizer isso.

— Quem quiser sentar tem que pagar 10 vezes mais?

Zena ficou surpresa, porém eu pensei que o preço na entrada era muito barato. Eu não sabia a duração da peça, no entanto não havia dúvidas de que era melhor assistir sentado. Pelo visto a Arisa e as outras também queriam ir, então disse que compraria ingressos para nós 6. Quando ouviu isso, Liza insistiu em ir no meu lugar.

Dei uma bolsa contendo 12 moedas de cobre para ela e o resto de nós foi em direção ao palco, dando uma olhada nos produtos do mercado enquanto caminhávamos.

Acabamos tendo as crianças acompanhando o nosso passeio, me senti mal pela Zena. Tentei me desculpar por aquilo, mas ela parecia estar se divertindo e não parecia incomodada enquanto andava de mãos dadas com a Pochi e a Tama. Mesmo assim, tenho que pedir desculpas mais tarde.

◊◊◊◊◊◊

As barracas do mercado de pulgas eram tinha uma variedade enorme. Em um lugar você podia encontrar acessórios horríveis feitos de ossos, mas outros continham belos anéis de prata para a venda.

— Esse combina muito com o seu cabelo, Zena.

— São bem lindos mesmo...

Zena parecia bem feliz enquanto segurava um deles na orelha e perguntava como ficaram, eu dei um elogio assim que ouvi aquilo. Quando viu aquilo, a Arisa disse que queria alguma coisa também, então compramos alguns laços na barraquinha do lado. Claro, comprei um para cada, incluindo a Lulu, que estava descansando na pousada.

Zena parecia triste quando devolveu os brincos para a loja. Eu os compraria na hora se ela tivesse pedido, como a Arisa fez. As meninas pegaram a mão da Zena e a levaram para a barraca ao lado, então aproveitei a oportunidade para pagar pelos brincos enquanto não olhavam. “Vou dar para ela no caminho de casa ou quando aparecer uma oportunidade. ”

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Liza voltou depois de comprar os ingressos, decidi comprar uma borla6 para ela como recompensa pelo trabalho.

Em toda loja que íamos, eu conseguia pagar menos do que a minha habilidade Estimativa calculava. Não tinha certeza se era por causa do Pechinchar e da Negociação ou porque o mercado de pulgas vendia tudo mais barato mesmo.

No caminho para o palco, batedores de carteira e pessoas tentando nos extorquir se aproximaram 2 vezes, porém, graças ao meu radar, eu sempre sabia quando eles estavam perto, então era fácil cuidar deles. Capturei o batedor de carteira e o entreguei para os homens com o rosto sério que foram contratados para fazer a guarda do mercado.

A lei poderia cuidar daquele tipo de criminoso, então era fácil se livrar deles, mas nós tínhamos que lidar pessoalmente com as pessoas que estavam dando em cima da Zena. Quando víamos alguém se aproximando dela, a Liza e eu entravamos no meio e mandávamos os caras embora a força.

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— Linda donzela, sempre ansiei pela oportunidade de admirar teu sorriso, não sob o a débil luz do luar, mas sim sob o ilustre brilho do sol.

Ah, meu amado Zen, este castelo és apenas uma prisão para minha pessoa. Usas tua magia e leve-me embora contigo.

No palco, um homem com um manto de feiticeiro estava cortejando uma atriz de cabelos negros em um vestido. A performance perdeu um pouco do seu impacto por conta da pintura malfeita da lua.

“ Zen, né...?” Desde que conheci a Arisa, fico alerta sempre que encontro um nome que parece japonês. Zen podia ser escrito com o mesmo kanji usado no conceito de “virtude” no budismo, por exemplo.

Não fiquei muito interessado na história dos amantes desafortunados, então não consegui prestar muita atenção na peça, minha cabeça não parava de viajar na maionese. Por outro lado, a Zena e a Arisa parecem ter gostado muito. Estavam levando o corpo para frente em suas cadeiras, completamente focadas. Pelo visto, aquilo era baseado em fatos reais, então a grande quantidade de personagens deixava tudo muito confuso. Deve ter sido difícil para a Pochi e a Tama entenderem, já que as duas estavam dormindo usando minhas pernas como travesseiro.

Liza estava com uma expressão séria, no entanto, ela parecia estar mais focada no aroma de carne grelada que vinha de algum lugar atrás do palco e não no show em si. Os olhos dela ficaram afiados, como os de um anima observando sua presa, quando cheiro da gordura da galinha tinha chegado em nós, então não havia dúvidas de que aquele era o motivo.

Enquanto eu estava me divertindo vendo o rosto adormecido das meninas, a história no palco continuava andando.

— Finalmente lhe encontrei! Como tu, um mero mago plebeu, ousaste raptar minha noiva, Princesa Liltiena? Eu, Marques Muno, serei aquele que irá fazê-lo pagar por esse crime!

Com a ajuda de seus cavaleiros, o marques bombadão tinha conseguido encontrar os heróis da história. O mago estava de pé na borda de um penhasco, balançava seu cajado para tentar proteger sua amada.

Por algum motivo, havia uma mulher com uniforme de empregada atrás deles. “Tenho quase certeza de que essa empregada vai começar algum evento. ”

Quando terminou com o seu discurso embelezado, o ator puxou a cortina do palco, expondo um cenário com um sol brilhante pintado.

Gritos.

Zena e a Arisa deram um pulinho de surpresa em seus assentos, uma segurava o braço da outra. A pintura mostrava uma forca e os corpos daqueles que foram decapitados. Eu achava aquilo um pouco extremo demais, entretanto, julgando pelos gritos da audiência, parecia que poucos pensavam assim. Pelo visto, o povo da cidade não se importava muito com a violência.

— Pai! Mãe! Maldito Marques, tu tiraste até as vidas de meus irmãos e primos...!

 — Acreditas mesmo que tens o direito de ficar furioso? Um mero plebeu rebelando-se contra um marques. És apenas natural que toda a tua família foste decapitada! Sejas grato, pois poupe-lhes de qualquer tortura antes de eliminá-los!

Um rio de lagrimas vermelhas começou a cair pelos olhos do herói. “Como que fizeram isso. ”. A magia do protagonista foi disparada violentamente, varrendo qualquer cavaleiro que encostasse nela para fora do palco.

Claro, não era magica de verdade, apenas algumas imagens recortadas malfeitas e efeitos sonoros ruins, no entanto, a audiência parecia ter adorado aquilo. Já que haviam feiticeiros reais naquele mundo, porque não usaram Magia de Luz ou de Vento para deixar o show mais realista?

— Teus cavaleiros são bem talentosos! Contudo não há mais ninguém para protegê-lo. Irei vingar minha família neste momento!

O protagonista brandiu seu longo cajado. Então, assim como o esperado, a atriz com roupa de empregada começou a se mover, tirou uma adaga da cintura e levantou as mãos lentamente.

— Atrás de você!

— Cuidado!

A plateia gritou para o mago. “Sim, eu entendo esse sentimento.”. Zena não falou nada, mas era possível ver seu foco na história. A mão dela segurava meu braço com tana força que chegava a doer.

Claro, o herói ignorou as palavras da audiência e continuou andando em direção ao marque com a magia em mãos. Aquele foi o momento em que a atriz correu em sua direção e enfiou a adaga nas costas dele.

— Como pode! Tu estavas seguindo as ordens do Marques todo esse tempo?!

— Um mero plebeu não és digno da mão da princesa!

Mesmo com a ferida nas costas, o protagonista ainda condenava as ações da empregada. Quando essa fala terminou, ele caiu de joelhos de forma dramática. A princesa foi em direção ao herói caído, mas já era tarde demais.

— A adaga está revestida com o veneno mortal contido no rabo de um wyvern7. Tu não serás capaz de fazer nada para salvá-o. — A empregada revelou essa informação para a plateia.

A heroína apenas chorava agarrando o corpo do protagonista quase morto.

— Iriemos nos reencontrar na próxima vida, minha amada...

Oh, Zen!

Aquelas foram as últimas palavras do protagonista.

— Princesa, tu deves retornar ao marques.

— Jamais! Este corpo pertence apenas ao Zen. Não deixarei o marques fazer o que quiser comigo!

Com isso, a heroína pegou a adaga nas costas do protagonista e apunhalou o próprio peito. Houveram gritos de surprese e empatia vindos da plateia ao verem essa cena... a maioria veio das mulheres.

Por causa do som, a Pochi e a Tama acabaram acordando assustadas, disse a elas que era apenas a plateia reagindo a peça. Ambas colocaram a cabeça nas minhas pernas ao ouvir isso. Comecei a fazer carinho atrás das orelhas delas enquanto voltava minha atenção para o show.

Tinham dito que essa era uma tragédia, porém era mais depressivo do que imaginei. Pensei que iria acabar ali, mas o teatro continuou. No fundo daquele penhasco, o cadáver do protagonista voltou a vida e ele foi atrás de sua vingança.

Os membros da família do marques começaram a morrer um a um. A empregada que tinha o apunhalado antes tentou envenená-lo mais uma vez, contudo o mago gritou: — Veneno não tem efeito neste corpo reanimado. — Ele conseguiu se vingar da pessoa que havia o matado. Aquele momento tinha sido preparado de maneira bem inteligente desde a primeira metade da peça, então foi bem interessante de se ver.

Entretanto, aconteceu uma reviravolta bem merda, o mago foi morto sem nenhum motivo por um Cavaleiro Sagrado logo antes de conseguir dar o golpe final no marques. Pelo visto, a audiência também não tinha gostado daquilo, várias pessoas começaram a vaiar, mas algumas o faziam com um sorriso no rosto. Talvez essa parte tenha sido escrita com o objetivo de fazer a plateia xingar aqueles dois.

Hein? Será que ainda não acabou? ”

— Estou satisfeito, meu corpo apodrecerá neste local! No entanto, irei levar esta terra, teu marquesado, junto a mim! Maldito serás tu, Marques Muno!

Uma fumaça negra começou a sair do local que o herói morreu e, quando ela se dispersou, o cenário mudou completamente, parecia uma terra abandonada a anos.

— Cavaleiro Sagrado! Sou incapaz de suportar a visão de meu povo sofrendo por conta dos meus pecados. Por obséquio, faças o que puder para salva-los!

Oh, que nobre ação! Como esperado daquele que herdou o marquesado de Muno, que existe desde o reinado do Rei Yamato.

Senti como se a personalidade do marques tivesse mudado do nada. O Cavaleiro Sagrado também não parava de elogiá-lo. No final, o nobre se sacrificou para proteger a população de seu território, a peça terminou com ele retirando a maldição da terre em troca da própria vida.

◊◊◊◊◊◊

Quando a peça acabou, a Arisa — que tinha visto tudo com muito entusiasmo — disse que estava com sede, então dei um suco de fruta para ela e disse para descansar debaixo de uma arvore.

— Quer um pouco também?

— Obrigada — disse a Zena, pegando a caneca de porcelana e bebendo o liquido.

Ela parecia estar com muita sede. Deu um pouco para a Liza também, que já tinha dado para a Pochi e para a Tama.

Estávamos com um pouco de fome, então decimos comprar um pão numa barraquinha lá perto. O cheiro de molho de soja foi o que me fez escolher aquele lugar. O produto era chamado de pão achatado8 de gabo, pelo visto era feito a partir de um produto daquele mundo chamado fruta de gabo. Era bem barato, 2 pedaços custavam só 1 centavo. Além da versão normal, tinha a versão com cebolas marinadas no shoyu, pedi um desses para cada.

Várias pessoas que tinha acabado de sair da peça pegaram comida lá, então não tinha nenhum pão pronto. A barraquinha do lado estava vendendo panquecas que lembravam okonomiyakis9, pareciam gostosos, então comprei alguns também. Eram chamados crappes, um nome que nunca tinha ouvido antes.

Enquanto esperávamos, uma mulher mais velha segurando um crappe se aproximou de mim. Era a mesma pessoa que estava sentada na minha frente durante a peça.

 — Olha só, se não é o cavalheiro que estava sentado atrás de mim? Você é um estrangeiro, por acaso?

— Sim madame. Meu nome é Satou. Um vendedor ambulante.

— Nossa, como é educado!

Depois de nos apresentarmos, conversamos um pouco enquanto eu esperava os meus crappes ficarem prontos. Ela começou a explicar o motivo do final ser tão estranho.

— Tenho certeza de que achou o final horrível, não é?

— Está falando sobre o Cavaleiro Sagrado apareceu sem motivo nenhum e a personalidade do marques mudar do nada?

— Sim, bem, é porque...

De acordo com a mulher, quando a peça foi escrita a vinte anos atrás, acabou com o mago se vingando do marques e depois sendo derrotado pelo cavaleiro. Entretanto, isso foi mudado por conta das reclamações da nobreza. Além disso, a Princesa Liltiena era filha de plebeus no original e os eventos da obra começaram porque o marques a sequestrou.

“Entendo... Então aquilo parecia tão estranho porque tiveram que mudar a história depois de completa. ”

Quando a comida ficou pronta, eu agradeci a mulher e voltei para o local onde as meninas.

◊◊◊◊◊◊

— O que você comprou?

— Pão achatado coberto de cebola e alguns normais, também peguei lanche chamado de crappe.

Todo mundo ficou parecia faminto, quebrei os pães em pedacinhos e passei para todas. A Zena, com um sorriso seco no rosto, recusou de forma educada enquanto todas provavam um pedaço. “Eca. Que amargo. ”

Era bem estranho, tinha um gosto amargo horrível que me fez sentir nojo a cada mordida. Talvez fosse bom para quem estivesse acostumado, mas eu não conseguia comer. Tive que ativar a habilidade Resistencia a Dor para poder mastigar e engolir tudo. Assim que terminei, fui tomar um gole do suco de frutas.

Quando terminei, comecei a olhar ao meu redor, vi que as meninas do povo fera estavam fazendo caras estranhas, contudo ainda comiam normalmente, enquanto a Arisa pareci que ia chorar a cada mordida.

— Arisa, se for muito nojento, pode cuspir tudo aqui.

— Baleu... não configo comir isfo.

Dei um pano para ela e a Arisa rapidamente se livrou do produto que estava dentro de sua boca. Parando para pensa, a Zena tinha comentado uma vez que as frutas gabo eram nojentas. O cheiro de molho de soja deve ter me feito baixar a guarda.

Pelo menos os crappes eram gostosos. Pareciam okonomiyakis finos e duros, no entanto, já que era feito com shoyu ao invés de molho tonkatsu10, o sabor era bem diferente.

Nos sentamos em baixo da sombra de uma arvore e começamos a jogar conversa fora enquanto comíamos.

— Mesmo sabendo o que aconteceria, no final, quando vi aquelas partes trágicas que aparecendo uma atrás da outra, eu fiquei emocionada! — exclamou Arisa.

— Tenho que admitir, chorei na parte que a Princesa Liltiena se suicidou para se juntar ao seu amado na morte. — Zena coçou os olhos, que ainda estavam um pouco vermelhos.

— Sério? Se fosse eu, teria pegado a adaga e me vingado do marques lá mesmo! Não podemos fazer nada se estivermos mortos — falou Arisa, com as bochechas cheias de comida.

— É crocante e gostoso, senhor!

— Deliciosooo!

—Me pergunto o que usaram para fazer o molho... Sinto um leve gosto de carne misturado no meio.

O trio do povo fera estava mais interessado em conversar sobre os crappes do que sobre a peça.

— Mas você concorda que o culpado é o marques por tentar separar o casal, não é?

— Bem, já que a Princesa Liltiena foi aquela que traiu seu noivo com um amante, acho que podemos dizer que foi ela que começou a tragédia...

A Arisa e a Zena pensavam de forma diferente e as vozes delas estavam ficando cada vez mais altas. Para a Arisa “amor era o mais importante”, enquanto a Zena insistia que “era natural que um nobre se casasse pelo bem da família”.

— Bem, se esse é mesmo o caso, você não deveria estar feliz com o noivo que sua família arranjou ao invés de ficar em cima mestre?

— E-eu não tenho um noivo... — Zena vacilou quando ouviu aquelas palavras.

A propósito, nós não éramos “namorados” e não estou afim de tê-la como interesse amoroso por mais uns 4 ou 5 anos.

— Você não entrou no exército para evitar um noivado? Tenho certeza de que os reinos desta área irão deixá-la ocupada por um bom tempo, acho que vai demorar pelo menos 5 anos para você poder se aposentar.

Pelo visto, a Arisa era muito bem informada.

— A aposentadoria tem alguma coisa a ver com o noivado? — perguntei. — Aqueles que não são combatentes ainda podem se casar, não é?

— Assim que as mulheres se casam por aqui, são obrigadas a se juntar a nova casa logo após a cerimônia.

Então era assim, então ela não podia se casar enquanto estivesse servindo o exército, teriam que esperar até que a data da aposentadoria dela para começar com esse tipo de conversa. As coisas devem ser um pouco diferentes para nobres de ranque alto, porém a Zena devia ser de uma família com um status menor, então algo assim não aconteceria tão cedo.

— Uma mulher tem que estar disposta a jogar tudo fora pela pessoa amada ou ela nunca irá se apaixonar de verdade!

— Mas, ignorar a vontade do líder da família...

— Se continuar sendo tão passiva, alguém irá aparecer e roubar a pessoa que você ama!

Arisa estava ficando muito animada, então achei melhor parar aquela conversa dando um tapinha na cabeça dela.

— Você ‘tá falando demais.

Eu conseguia entender o ponto da Arisa, no entanto, não era certo ficar forçando valores japoneses em uma pessoa que viviam em um lugar com a cultura completamente diferente.

Pedi desculpas para a Zena, que estava quase chorando e fiz a Arisa se curvar junto comigo. Ela não parecia muito feliz com aquilo, mas, depois de pensar um pouco, disse — Desculpa.

“Parece que essa menina pode escutar os outros as vezes. ”

Habilidade Obtida: Mediação.

Título Obtido: Mediador.

A Pochi e a Tama pareciam um pouco incomodadas, talvez tenham pensado que estávamos brigando.

— Querem mais crappes? Ou será que é melhor pegar alguns espetinhos? — perguntei.

— Espetinhooos?

— Os crappes estavam gostosos, mas espetinhos parecem ser uma ideia melhor senhor!

— Devo ir comprar alguns, mestre?

Disse aquilo apenas para tentar melhorar o clima, contudo as meninas do povo fera ficaram felizes bem rápido. Liza, em particular, estava pronta para sair correndo para pegar a comida.

“Você não ‘tá animada demais? ”

Dei algumas moedas para a Liza e disse para comprar um para cada. Arisa foi junto a ela gritando: — Deixa a negociação comigo!

— A gente vai tambéeeem?

— Estamos indo junto senhor!

A Tama e a Pochi saíram correndo atrás delas também.

Depois de ter um pouco de dificuldade mastigando a carne dura e seca. A Zena parecia mais calma, mas achei que as palavras da Alisa tinham abalado ela um pouco.


Notas:

1 – O termo “Lolicon” é a abreviatura de Lolita complex termo usado no Japão para crimes envolvendo pedofilia, simplificando, pessoas que gostam de garotinhas.

2 – O correto e jumper skirt, mas não encontrei o nome disso em português. Imagem.

3 – Gore é algo nojento, podre, que causa ânsia, geralmente usado para se referir a cenas muito sangrentas.

4 – É um jogo de cartas japonês, onde o objetivo é definir rapidamente qual carta, dentro de muitas, é aquela que é a certa e então pegá-la antes de seu oponente.

5 – O nome no brasil é impressão xilográfica: A impressão em xilogravura ou impressão em bloco é uma técnica de impressão de texto, imagens ou padrões amplamente utilizada em todo o Leste Asiático e originária da China na antiguidade como método de impressão em têxteis e posteriormente em papel.

6 – Enfeite feito com fita, franja, bordados cuja base possui franjas dependuradas. Imagem.

7 – Wyvern é representado como uma criatura com um corpo reptiliano, alado, uma cauda e duas patas.

8 – Um pão achatado é um pão feito com farinha, água e sal, e então bem enrolado em uma massa achatada. Muitos pães achatados são ázimos, embora alguns sejam fermentados, como pizza e pão sírio.

9 – Okonomiyaki é um tipo de panqueca frita japonesa com vários ingredientes.

10 – Molho tonkatsu é um molho típico da culinária do Japão, os ingredientes principais são, molho Worcestershire, ketchup, molho de soja e mostarda.



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