Malkiur Brasileira

Autor(a): Kamonohashi


Volume 1

EU AINDA SOU UM FRACO.

"— Os animais caçam por instinto. Lutam para sobreviver, para proteger seus filhotes, para alimentar-se. É a lei da natureza.

Os humanos… são diferentes. Eles tiram a vida dos seus iguais movidos por ódio, vingança… ou pior: prazer.

Roy limpou o sangue que escorria de suas mãos, ainda sentindo o peso do ato. Ele não queria matar por matar. Seu objetivo sempre foi proteger. Mas agora entendia. Toda proteção tem um preço.

"— Não tenha piedade, pois nenhum inimigo terá de você. Eles não ligam se tem um sonho, ou uma família. Vão pensar apenas em te matar."

As palavras de Johan ecoaram em sua mente, mais pesadas que nunca.

O garoto olhou para o Javali que tinha acabado de matar, era uma fêmea, estava esperando filhotes. Roy a matou apenas para testar sua força.

 Pela primeira vez, percebeu que não havia volta. O caminho que escolheu exigiria mais do que coragem: exigiria sangue.

Roy fechou os olhos por um instante, sentindo a aura verde ainda pulsando em seu corpo.

— ...ser forte… significa sujar as mãos?

Olhou para o céu. A noite já havia caído, revelando um manto de estrelas que parecia observá-lo em silêncio. A pequena fogueira crepitava, assando alguns peixes que ele havia conseguido no rio. Roy se sentou em frente às chamas, tentando ignorar a dor que ainda latejava em seu ombro. O calor do fogo contrastava com o frio que vinha da floresta ao redor.

— Os papéis... — lembrou, retirando os bilhetes amassados do bolso.

Abriu o primeiro novamente. “Vença a floresta.” Aquelas palavras soaram mais como uma sentença do que um simples objetivo.

Ainda havia mais três folhas. Cada uma carregava algo diferente.

O primeiro desenho fez seu corpo enrijecer. Uma criatura humanoide, magra, a pele negra como carvão, e chifres longos e retorcidos como os de um alce. Ao lado da ilustração, uma única palavra: Wendigo.

"Monstro que pode se camuflar na escuridão e em meio às árvores. Para achá-lo, permaneça na escuridão e ele se revelará. Mesmo sendo perigoso, é o mais fraco dos três."

Roy engoliu em seco. Se aquele era o “mais fraco”, o que viriam a ser os outros?

Virou para a segunda folha e sentiu o corpo inteiro gelar. Reconheceu de imediato a fera que havia esmagado a serpente como se fosse um inseto. Um urso negro colossal, de músculos rígidos como pedra. O nome escrito em letras grossas: Beareebal.

"Habita a parte mais fria da floresta, na fronteira de Giden."

Roy sentiu a mão tremer. O bilhete parecia pesado em seus dedos.

O último desenho era o mais estranho de todos. Um corpo de primata, gigantesco, mas com quatro braços desproporcionais. As presas sobressaiam da boca aberta num rugido silencioso. Ao lado, o nome marcado: Kenoo.

"Encontra-se no pico mais alto da floresta. Saberá que é o lugar pelos rastros que ele deixa."

Roy jogou os papéis ao chão, passando as mãos pelo cabelo.

— Hã? Eu vou ter que lutar com esses bichos?! — sua voz saiu trêmula, mais raiva que coragem. — Nem uma dica? Nada?!

Pegou as folhas de volta, virando com pressa na esperança de encontrar qualquer instrução. No verso da de Kenoo, letras menores, quase escondidas, chamaram sua atenção.

"Esses seres não são mais animais comuns. Não eram maus por natureza, mas se perderam com tanto poder. Ao eliminá-los, o ciclo da floresta voltará ao normal. Boa sorte, Roy."

Ele ficou imóvel por alguns segundos, sentindo o peso daquelas palavras. A fogueira estalou. O vento frio atravessou as árvores. Pela primeira vez, Roy percebeu que não estava apenas tentando sobreviver.

Aquilo era um teste?

O garoto bufou, contrariado.

— Não acha que tá botando expectativa demais em mim? — disse com ironia, tentando esconder a ansiedade. — Eu vou é morrer!

O olhar caiu sobre os bilhetes de novo. Será que foi aquela figura misteriosa quem os deixou? E se tudo isso fosse de propósito? Uma missão? Um teste? Libertar a floresta... Essas palavras ecoaram em sua mente como se pesassem mais do que seus próprios ombros feridos.

Olhou para suas mãos. Tremiam levemente. Mesmo agora, com a primeira abertura pulsando dentro de si e a força recém-descoberta queimando em seu peito, ainda sentia medo. Mas, sob aquele medo... havia algo novo. Um desejo ardente de vencer.

— Frou-do?

O coaxar veio antes da resposta. O sapo pousou em sua cabeça como sempre, como se dissesse: não está sozinho.

Roy cerrou os punhos, o calor da decisão subindo pelo corpo. Um sorriso, pequeno mas firme, nasceu em seu rosto.

**

A mais ou menos um ano atrás.

— ZUM! BAM!!

Roy saltava pelo quintal, golpeando o ar, simulando magias poderosas. Imaginava um dragão colossal diante de si, sentia-se um herói.

— Você morrerá, seu verme! — gritou triunfante, finalizando o golpe imaginário.

A vitória durou pouco. Uma esfera de água atingiu suas costas com força, derrubando-o no chão encharcado.

— Boa tarde, Roy. — A voz carregava deboche. — O que está fazendo?

Roy ergueu o olhar e o coração afundou.

— Lucius...

O garoto mais velho, sempre com aquele sorriso de predador, estava acompanhado de outros meninos da mesma idade de Roy. Em segundos, uma roda se formou ao seu redor.

— Achei que estava tentando fazer magia. — Lucius riu, se aproximando um passo. — Um inútil como você tentando fazer magia! Eu fiquei curioso pra ver isso.

As risadas ao redor ecoaram, cada uma cortando como uma lâmina invisível. Roy tentou se erguer, mas as pernas não obedeciam.

Cerrando os punhos, olhou para o valentão nos olhos, a voz tremendo:

— Você...

— Eu? Eu o quê? — Lucius se inclinou, rosto colado ao de Roy, o peso da intimidação esmagando o ar.

O menino hesitou. Se revidasse, sabia o que viria depois. Magias de água de todos os lados, ossos quebrados, a humilhação dobrada. O calor da coragem morreu na garganta.

— Nada...

— Nada mesmo. — Lucius riu, colocando a mão molhada sobre a cabeça do menino. Um jorro de água desceu como uma chuva cruel, encharcando-o dos pés à cabeça. — Não esquece, Roy. Você é só um inútil.

O som das risadas ficou preso na memória. Mesmo agora, anos depois, parecia que ainda ecoavam na escuridão da floresta.

— Olha, trouxa, tá chovendo!

Lucius se afastou rindo com os outros garotos, deixando Roy encharcado, sozinho e humilhado.

O menino apenas observou o grupo se afastar até sumirem. O peito doía de algo pior que a água fria escorrendo por seu corpo. Ele se sentou numa pedra e chorou, abraçando as próprias pernas. Imaginou, como sempre, que se soubesse usar magia, tudo seria diferente.

**

No presente.

O som do punho encontrando a madeira trouxe Roy de volta ao presente. TAC! TAC! TAC!

— Se eles me vissem agora... — rosnou entre os dentes, acertando uma sequência brutal de golpes.

O calor da primeira abertura percorreu os músculos. Um estrondo ecoou quando o tronco cedeu e a árvore inteira tombou, arrancando raízes e levantando poeira.

Roy olhou ao redor. Atrás de si, dezenas de troncos derrubados. Um sorriso orgulhoso nasceu.

— Realmente... a abertura ajuda muito.

Ele cuspiu para o lado, suado, e começou a fazer flexões.

— UM! DOIS! TRÊS!

O esforço queimava os braços, mas agora era uma chama boa, que não vinha do medo.

Algum tempo depois, já à beira do rio, o garoto pensava em voz alta:

— Preciso me testar mais... antes de encontrar esses monstros. — Ele viu sua mão tremendo — Preciso de mais força...

Adentrou a mata. O ar ficou pesado. Ao descer um barranco, deu de cara com uma enorme rocha partida ao meio. A fenda era limpa demais para ser natural.

— Isso não foi um animal qualquer...

O som de galhos se quebrando o tirou do transe. Ele se virou devagar. O ar pareceu sumir dos pulmões.

Raposas. Oito delas. Altas como lobos, a pelagem tingida de sangue seco. Olhos negros o cercaram como lâminas invisíveis.

Roy engoliu em seco e contou em voz baixa:

— Um... dois... três... quatro... oito. Muito bem.

Saltou no lugar, enchendo os pulmões. O coração disparou e o mundo ficou verde. A aura explodiu ao seu redor, espalhando folhas.

As raposas atacaram. Uma pela frente, outra por cima. Mas Roy já não estava lá. Um borrão surgiu pela direita e um chute atravessou o ar, acertando o flanco de uma das criaturas e lançando-a contra as árvores.

As outras avançaram. O garoto desviava como se fosse água.

— Vocês parecem mais lentas.

O sorriso surgiu, até o erro. A dor rasgou a costela e a panturrilha ao mesmo tempo. As presas eram como ferro atravessando carne.

— AHHHH!

A raiva tomou o lugar do medo. Roy agarrou a raposa presa à sua costela e a arremessou contra um tronco com força brutal. O estalo dos ossos foi audível.

A outra não teve tempo de reagir. Com o grito preso na garganta, o garoto cravou a adaga entre os olhos do animal que mordia sua perna. O brilho verde explodiu nas pupilas dele quando a lâmina atravessou o crânio.

O corpo caiu mole. Silêncio.

As outras raposas recuaram. Sentiram. O garoto que parecia presa agora tinha o cheiro de predador. A aura esverO garoto caminhava mancando pela floresta. Na mão direita, a adaga pingava vermelho. Na esquerda, o corpo mole da raposa que havia matado. O som de sua respiração pesada era o único sinal de vida naquele lugar silencioso.

 

**

A pele estava suja, a roupa rasgada e o cabelo desgrenhado balançava com o vento frio. O olhar, porém, estava morto, fixo no chão.

 

“Eu venci... mas por que me sinto assim?”

 

O peito apertou. Não havia o mesmo alívio que quando derrotara o crocodilo. O gosto amargo dessa vitória trouxe à tona algo antigo, enterrado na memória.

 

Um vulto cruzou a frente dele e o fez parar. Do nada, sombras se ergueram ao redor, cercando-o. Não havia agressividade nelas, mas a presença pesava. As vozes vieram como sussurros, mas cortaram como lâminas:

— Inútil...

— Seu lixo. Não fez nada para nos ajudar...

— Verme... sem magia...

As lágrimas caíram antes mesmo que percebesse.

“Eu queria... eu queria ter feito alguma coisa...”

Uma das sombras se formou à frente. O corpo, o tamanho... ele reconheceria em qualquer lugar.

— Velho...

O rosto do avô surgiu das trevas.

— Estou decepcionado com você, Roy.

O mundo desabou. O corpo caiu de joelhos, a raposa e a adaga bateram no chão. O coração disparou. O ar sumiu. A ansiedade tomou forma e o sufocou.

— Me perdoa... Eu fui fraco...

— Não me venha com desculpas.

As palavras atravessaram como ferro quente. O menino apertou o peito, tentando respirar. A sensação de força que tivera antes sumira. O peso de não ter podido salvar ninguém voltou como uma avalanche.

“Não consigo... eu não consigo...”

— Frou-do!

O coaxo cortou a escuridão. Algo úmido bateu na orelha dele. A língua de Frodo. O toque trouxe um lampejo de realidade.

A visão de Roy voltou. O sapo amarelo, pequeno e preocupado, coaxava ao seu lado. O ar voltou a encher os pulmões em soluços.

— Frodo...

— Frou-do? — o som veio baixo, como se perguntasse se o amigo ainda estava ali.

— Estou bem... só... preciso comer. Acho que a carne desse bicho deve ser boa. — tentou sorrir, forçando otimismo. — Tenho que melhorar mais... antes de lutar.

O sapo saltou para o ombro esquerdo. O peso pequeno, porém familiar, trouxe um conforto estranho.

Roy ergueu o olhar para o horizonte. O pôr do sol pintava o céu de laranja e vermelho. Por um instante, o mundo parecia quieto outra vez. 

— Eu... ainda sou fraco...

 

 

 

 

 

 

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