Malkiur Brasileira

Volume 1

A LENDA DO HÉROI.

 

— Cof… Muito bem, crianças… Hoje contarei a vocês a lenda do herói.

A voz do velho ecoava suavemente entre as árvores, misturada ao crepitar da fogueira. As crianças se ajeitaram ao redor do calor brando, seus olhos atentos e silenciosos, como se o tempo estivesse esperando a história começar.

 — Dizem que não foi há muito tempo, eu acho… quando o mundo ainda era mais jovem e as cicatrizes da guerra estavam frescas. Ninguém esperava que um garoto de dezesseis anos, magro e calado, viraria cavaleiro mágico. Muito menos um herói.

— Ele entrou para os Leões Dourados — a mais forte das companhias. Não pelo nome ou nobreza… mas porque sua presença era um mistério. E como sempre foi, tememos aquilo que não compreendemos.

O velho tossiu, pigarreando com um ar rabugento. Ouvindo algumas conversas entre as crianças.

— Ei! Silêncio, pirralhos.

Depois voltou ao tom baixo e firme.

— Ele não gostava de falar de suas magias. Lutava como se não houvesse forma… ou como se sua única arma fosse a própria vontade. Vi com meus próprios olhos um dos feitos daquele rapaz. Não era bonito. Não era limpo. Mas era… grandioso.

— Estávamos cercados. Todos exaustos, nossa mana drenada, os olhos pesados demais até para chorar. E então, ele… deu um passo à frente. Apenas um passo. Foi o bastante.

O velho deixou a voz se perder um pouco no vento, como se revivesse tudo ali mesmo.

— O exército de ogros e homens do ditador caiu diante dele. A magia respondia aos seus pensamentos. Era como se o mundo se curvasse à sua imaginação.

 — Aos vinte e cinco anos, ele tornou-se o mais jovem general da história. E, no meio da guerra entre Hiden, Finry e Trieden… foi em Trieden que tudo aconteceu.

— Esse reino, banhado em mana, era liderado por August Pinochet — um homem que dizia não temer nada, pois já havia matado até mesmo os próprios sentimentos. O herói o enfrentou sozinho.

— A luta… dizem que o céu mudou de cor. Que a terra tremeu por dias. Que até os mortos acordaram só para assistir. E quando tudo terminou, o ditador caiu, e a guerra terminou com ele.

Silêncio. A fogueira estalou mais alto. Uma brisa soprou, e o velho abaixou um pouco o olhar.

 — Mas a paz é breve… como a última folha de uma árvore no outono. Apenas cinco anos depois, o mundo tremeu outra vez. Um nome ressurgiu, sussurrado pelos ventos:

As crianças disseram em coro:

— Deimos…

 — Isso mesmo. — disse o velho, com um peso no tom. — O Lorde da Escuridão. Um demônio que odiava tudo que possuía magia. Ele queimou cidades, apagou linhagens, exterminou as fadas e os demi-humanos. E ninguém conseguia detê-lo.

 — Até que o herói… mais uma vez, deu um passo à frente. Mas dessa vez, não voltou.

— Usou sua vida. Sua mana. E toda a essência do reino de Trieden. Selou Deimos. Apagou-se com ele. O lugar onde ambos caíram hoje tem um nome que quase ninguém mais diz em voz alta:

— O Reino Esquecido.

Uma pausa longa tomou conta do círculo. O velho olhou em volta. E então, uma garotinha, em voz suave, perguntou:

— Mas… se ele venceu, por que ainda há guerra?

— Porque o mal raramente morre de uma vez, pequena. — disse o velho, apontando para o céu. — Ainda restam seus ecos, seus filhos… Os chamados Grãos da Verdade. Enquanto eles existirem, a escuridão ainda respira. É por isso que chamamos essa época de A Reconquista.

As crianças pareciam mergulhadas na história. Mas entre elas, um garoto com olhos atentos estava mais desperto que os outros. Era como se o fogo da lenda tivesse acendido algo nele.

— Eu quero ser como ele… — sussurrou.

Mas a chama mal acesa foi logo abafada pelo riso de outros.

— O quê? Ser igual ao herói? Você mal consegue carregar seu próprio balde de água. No máximo, ia carregar a armadura dele.

O garoto apenas abaixou os olhos.