Volume 3
Capítulo 130: Caos (2)
Apesar da intervenção do professor Marth, a situação degenerou assim que Raaz e Linjos conseguiram se recuperar da cruel surra verbal que acabaram de sofrer.
“Quem é esse lunático delirante e por que ele tem permissão para ter qualquer contato com os alunos? Ele não tem vergonha nem consideração pelos sentimentos dos outros!” Normalmente Raaz teria sido humilde e submisso.
Para alguém que nunca havia deixado a pequena vila de Lutia em mais de trinta anos, a academia White Griffon era intimidante. Raaz estava bem ciente de que mesmo um único tijolo do castelo valia mais dinheiro do que ele poderia ganhar em toda a sua vida.
Raaz ainda não conseguia acreditar que um de seus filhos conseguira ser admitido em um lugar como aquele. Suspeitava que, por trás de toda sua conversa corajosa, Lith estava realmente levando uma vida difícil, rodeado de crianças ricas e mimadas.
Em qualquer outra circunstância, Raaz nunca teria entrado, temendo que apenas sua presença fosse o suficiente para deixar Lith constrangido.
Mas agora, depois que seu filho havia sido gravemente ferido por causa da incompetência dos chamados ‘Professores’, ele não só foi forçado a ouvir os discursos de Linjos sobre o prestígio da academia, mas também teve que sofrer um jovem e bonito filho da put* tentando seduzir sua esposa bem na frente de seus olhos.
Essa foi a proverbial gota d’água. Não se importava mais se o homem à sua frente era o Diretor ou o próprio Rei, Raaz estava determinado a lhe dar um pedaço de sua mente.
Por outro lado, Linjos não queria nada mais do que, junto ao pai do garoto, dilacerar Manohar membro por membro. Aquele homem sempre foi um pesadelo para as relações públicas, seja evitando eventos sociais ou bagunçando as raras vezes que se dignou a comparecer.
E agora, em menos de um dia, Linjos havia sido agredido e humilhado por ele duas vezes, ambas na frente de alunos e funcionários, destruindo qualquer orgulho e dignidade que seu papel deveria ter.
– “Eu gostaria de poder dizer a ele que, se a anterior diretora, a qual recrutou Manohar, já não estivesse morta, eu mesma a mataria… logo depois de atirar Manohar da torre mais alta da academia. Mas quando aceitei esse trabalho, eu sabia que havia um elefante na sala.” –
“Apesar de suas muitas, muitas falhas, posso garantir que o Professor Manohar é aquele tipo de gênio que aparece apenas uma vez em cem anos. Ele é um bem inestimável para a academia e para o Reino — já salvou inúmeras vidas, provavelmente até os filhos das pessoas que salvara.”
Raaz não ficou satisfeito com a resposta, mas Elina apertou sua mão com força, parando-o no meio do caminho.
“Você está com muita dor, querido?” Ela perguntou a Lith, despenteando seu cabelo.
“Não, mãe. Pelo contrário, me sinto atordoado, mas relaxado.” Ele respondeu, bastante surpreso por ter cabelo novamente. Ainda não havia tido a oportunidade de se olhar no espelho.
“Isso é porque nós injetamos várias poções para ajudá-lo a dormir e se recuperar.” Linjos explicou.
Marth voltou, trazendo cinco membros da equipe médica e o braço perdido de Lith. Normalmente, para um caso tão simples, um único professor era o suficiente, mas queriam mostrar a Lith e a seus pais o quanto se importavam.
O braço estava completamente envolto em gaze de linho branco puro, não deixando nem mesmo as pontas dos dedos expostas. Por estar separado de um corpo vivo, não poderia ser curado, então estava destinado a ser ensanguentado e queimado.
Lith imaginou que o cobrir era outra forma de cortesia para com seus pais, já que nenhum curandeiro teria piscado ao vê-lo, seja de nojo ou dó.
No momento em que o braço estava a cinco metros dele, Lith sentiu que algo estranho estava acontecendo. Seu núcleo de mana começou a se agitar dentro dele, tentando liberar mana.
Lith estava cansado demais para resistir sem um bom motivo, então parou de resistir.
– “Solus, você pode me descrever o que está acontecendo? Não consigo ativar a Life Vision sem inundar meus olhos com mana.” –
– [“Gavinhas de energia estão saindo do seu corpo e se conectando ao braço. Está … vivo?”] –
Quando Lith sentiu a coceira das queimaduras, ficou muito surpreso por, sem querer, torcer os dedos da mão esquerda. Felizmente Marth ainda estava andando, então o movimento repentino passou despercebido.
– [“Agora a mana está substituindo o sangue, reativando a fusão de luz remanescente de antes de ser cortado. Por meu criador, está se curando por conta própria!”] –
Solus estava livre para expressar seu choque, mas Lith teve que manter seu comportamento calmo, agindo como se tudo estivesse normal em vez de entrar em pânico. Só para ter certeza de que não havia sido um sonho maluco, Lith tentou dobrar o dedo mínimo esquerdo.
Ele se moveu à vontade.
Lith estendeu sua mão restante para Elina.
“Mãe, estou um pouco assustado agora.” Lith tentou transmitir seus verdadeiros sentimentos, sem levantar suspeitas, enquanto chamava toda a atenção para si mesmo. Concentrava-se no calor de sua mãe e tentava chamar de volta as energias do braço, mas sem sucesso em fazer a última coisa.
Quanto mais perto ficava, mais forte se tornava a conexão.
O processo de ‘recolocação’ ocorreu sem problemas, imediatamente seguido pelo de cura. Lith teve que permanecer quieto, usando do máximo de seu cuidado o tempo todo — um único espasmo trairia seu novo e inoportuno segredo.
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Na noite anterior à sabotagem no salão de treinamento da magia dimensional, algumas centenas de quilômetros ao sul da fronteira do Reino de Griffon, o Alto Conselho das tribos do deserto se reuniu, tentando defender sua causa ao Benfeitor.
O Deserto de Sangue era o maior dos três Grandes Países do continente Garlen, os outros dois sendo o Reino Griffon e o Império Gorgon. Segundo muitos, era também o mais forte e o mais perigoso.
A razão era que, apesar de seu clima severo, o Deserto de Sangue era o mais rico em termos de tesouros místicos e recursos naturais. Enquanto em outros lugares, para encontrar cristais mágicos, era necessário cavar montanhas ou explorar vastas florestas, no Deserto de Sangue seria o suficiente apenas encontrar um oásis.
Os gêiseres de energia mundial, que em todos os outros lugares estavam escondidos e só podiam ser encontrados por pura sorte ou recorrendo a artefatos poderosos — como Solus ou o pincenê de Scorpicore — ali se manifestariam na forma de água, vegetação e vida.
Entre suas dunas, era possível encontrar formações rochosas ricas em um metal raro, o Davross, que após ser fundido e forjado mudava da cor prata para o preto, conforme fosse exposta à luz — no entanto, o mais importante era sua capacidade de cortar ferro tal qual se cortaria uma simples madeira.
Davross era o material mais forte conhecido pelo homem.
Apesar do nome, as areias do Deserto de Sangue não eram vermelhas, mas ouro-amareladas. Derivava das inúmeras vidas perdidas durante as guerras passadas, quando as diferentes tribos do deserto lutavam entre si ou contra os estrangeiros que tentavam roubá-las de suas terras.
A guerra tinha sido uma constante no deserto, porque nenhuma quantidade de cristais de mana ou Davross podiam tornar o clima úmido, matar a sede de homens, gado ou tornar a terra fértil.
Apesar de todas as riquezas que possuía, comida e água sempre foram as únicas moedas que tinham algum valor real no deserto. No passado, as tribos lutariam pelo controle do oásis, seja por vontade própria ou manipuladas pelo povo da planície, que desejava explorar suas necessidades em buscar do monopólio dos recursos.
Mas não mais. Após a chegada do Benfeitor, o deserto foi unificado e a palavra competição foi substituída pela palavra estranha que soava “cooperação”.
Oásis agora eram compartilhados, e cada tribo periodicamente girava de uma zona do deserto a outra, permitindo que todos desfrutassem ciclicamente de tudo o que seu país tinha a oferecer.
Cada um dos líderes da tribo, agora simplesmente chamados de Penas, receberia sabedoria e poder, tornando-se forte nas formas de magia, independentemente do talento com que nasceram. Mas o que agora poderia parecer um país divino tinha um preço.
As leis do Benfeitor eram as únicas, e a punição mais leve por violá-las era a morte. Os Penas governariam acima de seu povo, mas qualquer mudança, pequena ou grande, precisava receber a aprovação do Benfeitor.
Mesmo o Alto Conselho foi reduzido a uma mera formalidade, apenas uma palavra realmente importaria. Essa era a razão pela qual agora realizava-se a reunião apenas após o pôr-do-sol, quando o Benfeitor tinha um temperamento menos impetuoso.
Naquela noite, os Penas reunidos estavam tentando persuadi-lo sobre as muitas vantagens que as tribos do deserto obteriam ao invadir um Reino de Griffon enfraquecido.