Volume 3
Capítulo 117: Renascimento
Havia muitas coisas que Lith ainda queria perguntar a Kalla, como como ela conseguia perceber a comunicação entre os Clackers e como manipulá-los, mas conforme sua sede de sangue diminuía, ele podia sentir que algo estava errado com seu corpo.
A dor de cabeça havia voltado pior do que nunca, e não importava o quanto ele usasse o Revigoramento, sua energia o estava deixando como areia a escorregar entre os dedos, independentemente do quão forte alguém apertasse o punho para a impedir.
Logo, ele não conseguia nem ficar em pé, suas pálpebras estavam se fechando, forçando-o a lutar apenas para manter a consciência.
– [“Você parece estar com febre.”] – Solus o avisou.
– “Impossível. Exceto durante meus primeiros anos de vida, nunca fiquei doente. Nem mesmo uma gripe.” –
Com a respiração acelerada, Lith se deitou no chão da caverna, sentindo a frieza reconfortante das rochas amenizar as ondas de calor que devastavam sua carne.
“Acho que preciso descansar para …”
Ele adormeceu antes mesmo de terminar a frase. Ambos os Byks não tinham ideia do que fazer. Mesmo com seu conhecimento limitado sobre humanos, eles foram capazes de entender que os constantes tremores e gotas de suor do garoto não eram normais.
“Mãe, você conhece alguém capaz de usar magia de luz?” Nok lambeu as bochechas de Lith tentando confortá-lo.
“Fora o Senhor da floresta, não. Talvez o Flagelo esteja apenas exausto …”
Um estalo no corpo do doente interrompeu Kalla. Os Byks esticaram os ouvidos, farejando o convidado. Outro som de estalo ocorreu, desta vez mais alto. Era semelhante a uma lenha nova jogada no fogo, quebrando por causa do calor.
Sons de “snap” e “pop” vinham um após o outro. Se por acaso um terráqueo estivesse lá, pensaria que alguém estava fazendo pipocas. Já do lado de dentro, Solus podia ver seus ossos quebrando e curando continuamente em um ritmo alarmante.
Às vezes era apenas uma fissura, outras o osso inteiro se despedaçava em pequenos fragmentos antes de se juntarem novamente. Quando foi a vez do crânio, Nok saltou para trás de medo.
De repente, um porco-espinho parecia ter escorregado sob o rosto de Lith, as pontas afiadas projetando-se sob sua pele, a qual mal conseguia contê-las.
Cada vez que um osso quebrava, impurezas escorriam deles, encontrando o caminho para sair por qualquer um de seus orifícios. A maior parte fluiu de seus olhos, orelhas e boca, formando uma poça sob sua cabeça.
O fedor era insuportável, Kalla foi forçada a destruir com magia negra a substância parecida com alcatrão, temendo que pudesse prejudicá-los.
“Ele vai se tornar um morto-vivo?” Os eventos que se desenrolaram na frente de Nok lembravam o que acontecera com Raghul apenas algumas horas antes.
“Improvável.” Kalla respondeu. “Eu não sinto uma grande quantidade de energias escuras surgindo.” Mesmo assim, ela fechou Lith na sala secreta, deixando espaço suficiente para o ar fluir, fortalecendo as paredes da caverna em caso de ataque, apenas por segurança.
Graças ao revigoramento, Solus percebeu a energia mundial fluindo dentro do núcleo de Lith. O corpo foi finalmente capaz de suportar seu crescimento, sobrevivendo às mudanças necessárias para exercer o novo poder.
– [“A inconsciência é na verdade uma bênção disfarçada. A dor seria insuportável se Lith ainda estivesse acordado.”] – Solus pensou.
Horas depois, ele finalmente acordou, sentindo-se como o capacho de um supermercado depois da Black Friday. Cada centímetro de seu corpo doía, sua roupa de caçador, já esfarrapada, encharcada de impurezas além de qualquer salvação.
Ele conseguiu anular o cheiro com magia negra, mas remover as manchas destruiria o couro também.
– “O que aconteceu?” – Lith balançou a cabeça, tentando se lembrar onde estava.
– “Boas notícias! Você finalmente superou o gargalo. Seu núcleo de mana está finalmente na metade do ciano. Provavelmente, a tensão constante e os ciclos de cura dos últimos meses deram conta do recado.”- As palavras de Solus faziam pouco sentido para ele.
– “Não é minha primeira vez. Por que desmaiei? E por que me sinto como um caco em vez de revigorado?” –
Era muito complicado de explicar, então Solus apenas mostrou a ele suas memórias.
– “Que porra é essa? Toda essa dor só por um tom de ciano?” –
Uma vez que Lith conseguiu se levantar, até mesmo abrir a porta de pedra com magia da terra provou ser um desafio.
“Levante-se e brilhe, dorminhoco. Você dormiu por três dias. Eu estava começando a ficar preocupado.” Nok trotou até ele, esfregando o focinho com força suficiente para fazê-lo cair.
“Três dias? Desculpe, Nok, tenho que correr!” Lith gritou em desespero. Ele não se importava com as aulas perdidas, mas muito mais com todo o tempo perdido sem fazer nada. Se a visão dele estivesse correta, já não havia nem um segundo de sobra.
Nok riu dele.
“Eu estava brincando, mal é pôr do sol.”
Amaldiçoando os ancestrais do Byk e duvidando da moralidade de suas escolhas de acasalamento, Lith socou a parede próxima com a pouca força que conseguiu reunir.
“Não é engraçado!” ele gritou, atacando novamente.
“Minha família está em perigo, quem sabe o que poderia ter acontecido com eles em três dias? Você me matou de susto!”
“E você também!” Nok deu dois passos cautelosos para trás, mantendo o olhar nele, pronto para fugir.
“Por que você está assustado?”
“Não quero terminar como a parede apenas por uma piada estúpida.”
Lith olhou para seu soco, descobrindo que ele havia criado uma pequena cavidade na parede. Uma teia de aranha de pequenas rachaduras originou-se do ponto de impacto.
– “Que diabos?” – Lith e Solus pensaram, ainda atordoados.
– “Eu não senti nada. Como posso ser tão forte?” –
– “Deve ser por causa do que aconteceu com seu esqueleto. Seu fluxo de mana é completamente diferente de antes.” – Solus apontou.
– “A qualidade da sua mana quase não mudou, mas, agora, mesmo em repouso, a energia que o seu núcleo produz passivamente é capaz de atingir cada centímetro do seu corpo. Eu vi algo assim apenas em bestas mágicas como o Protetor.” –
“O que está acontecendo?” Kalla correu de volta para a caverna após o primeiro som de batida, esperando o pior.
Quando viu os dois filhotes vivos e bem, o Byk suspirou de alívio, mas então um cheiro estranho atingiu seu nariz. Não era bestial nem humano, era algo perdido no meio disso.
“Flagelo, você mudou.” Foi uma declaração, não havia sombra de dúvida em sua voz. “Seu cheiro é ainda menos humano do que antes. É parecido com o que o Senhor da floresta emite.” Seus olhos brilharam com a compreensão da verdadeira natureza de seu convidado.
Antes de partir, Lith perguntou a Kalla como perceber e atrair os Clackers. Infelizmente, o primeiro exigia uma sensibilidade à magia da terra mais elevada — o que o faltava — enquanto o último era muito mais simples.
Quando essas aranhas buscavam alimento, a comunicação entre elas soava exatamente como a batida rítmica do coração humano, só que tinha que ser emitida por magia através do solo.
No caminho de volta, enquanto voava pelo ar, Lith ativou Life Vision, procurando por mais mudanças em suas habilidades. Assim, ele descobriu que a magia agora não mostrava apenas a força vital e a mana simplesmente por meio das cores.
Podia-se ver a energia mundial fluindo das árvores, das folhas e até das pedras. Toda a floresta ao redor dele estava respirando, gerando um vento mana que antes era invisível a ele.
– [“Agora tudo é muito mais semelhante ao meu senso de mana.”] – Solus disse.
– “Sim. De um jeito ainda é pior, e de outro é melhor. Veja só.” –
Lith apontou para uma clareira na floresta. Estava perto do ponto onde ele havia lutado contra os mercenários, mas do céu e com sua aparência normal, normalmente ele não teria conseguido reconhecer o lugar.
Agora, no entanto, ele podia ver tudo. O vento vermelho originou-se dos animais, o verde das plantas, o cinza das pedras e o preto dos mortos.
Lith apenas teve que estender as mãos e sua vontade para sentir as energias podres esperando para serem chamadas.
“Ergam-se! Ergam-se minha legião!”
Ele podia sentir os muitos cadáveres se agitando no subsolo, lutando para escapar.
E então ele os deixou ir. Lith não tinha tempo a perder, havia muitas coisas que precisavam ser feitas antes do anoitecer.