Volume 3
Capítulo 104: Lótus Vermelho (2)
As videiras feridas jorraram um líquido roxo. Lith manteve distância, esquivando-se da substância desconhecida com movimentos mínimos, visando a não perder sua vantagem.
– “Não chiou quando bateu no chão, então não é um ácido. Ainda assim, pode ser venenoso” – pensou.
E após raciocinar, ele estendeu os braços, liberando dois jatos de fogo com as palmas das mãos. Os apêndices reagiram rapidamente, envolvendo a enorme massa da criatura e adquirindo uma cor acinzentada. As chamas não surtiram efeito, deixando apenas uma marca preta, como se tivessem atingido uma pedra.
Lith nunca havia conhecido um monstro planta antes, então ele foi particularmente cauteloso. Mantinha vários feitiços prontos para usar, tecendo um novo assim que outro era consumido.
– “Seja o que for, não parece ser capaz de se mover daquele ponto, fugir não deve ser um problema. Mas a questão é decidir se vale a pena meu tempo ou não. Com a minha sorte, se eu o matar, a flor murchará instantaneamente. –
Então, enviando uma gavinha invisível de mana pura, ele usou magia espiritual para puxar com força o lótus vermelho, com o objetivo de agarrá-lo e fugir – não tinha desejo de travar batalhas inúteis. No entanto, sob a tensão, o caule da flor até dobrou-se diagonalmente, mas se recusou a sair do lugar.
Em reação, o monstro planta gritou novamente, desta vez enfurecido.
– [“Tenha cuidado!]” Solus gritou. “[Está vindo de baixo!]” –
Lith zombou da ingenuidade da criatura, e ativou de novo seu feitiço de voo. Mas quando tentou se levantar do chão, uma grande novidade era que a grama estava prendendo fortemente seus pés, impedindo-o de se mover.
Ao observar com Life Vision mais uma vez, ele descobriu que o pedaço de grama abaixo dele também tinha se tornado azul. De alguma forma, era parte do corpo do monstro, e antes que ele pudesse arrumar uma forma de sair do lugar, várias vinhas emergiram do solo, com suas extremidades semelhantes a lascas cinzas de pedra, as quais tentavam esfaquear seus órgãos vitais.
Sabendo que um ataque estava chegando, Lith usou a fusão terrestre ao extremo, endurecendo seu corpo e usando os braços para aliviar o impacto do ataque.
Porém, apesar de suas braçadeiras de ferro e proteções mágicas, as videiras conseguiram perfurar sua pele, passando a cavar direto em sua carne. Ele gritou de dor, e o ato continuava a acontecer, sem que ele perdesse uma única gota de sangue.
Mas impedindo o pânico de tomar conta de sua consciência, Lith usou seu feitiço Frozen Hearth, transformando tudo ao seu redor em gelo. Fossem cinzas ou verdes, o fogo não havia feito muito dano aos tentáculos, o que o motivou mudar de elemento. E tendo ficado frágeis com o frio repentino, ele conseguiu se libertar tanto das vinhas quanto da grama, voando para trás enquanto tentava entender o que acontecia.
Suas feridas estavam cobertas por uma gosma pegajosa e roxa, seus braços ficando dormentes e uma sensação de formigamento a invadir seu corpo. Depois do que havia acontecido com os Clackers, Lith sempre mantinha um feitiço desintoxicante pronto, usando-o junto com um feitiço de cura para fechar seus ferimentos.
– [“O que diabos está acontecendo? Como ele controla a grama? Não faz sentido.”] –
Tanto a mente dele quanto a de Solus giravam em alta velocidade, buscando, na ausência de uma lógica, uma decisão qualquer que pudesse virar o jogo. Mas enquanto eles ainda estavam atordoados, a grama e as gavinhas descongelaram em um piscar de olhos. Como o fogo, a magia da água parecia ter pouco efeito.
Sem parar, Lith ativou Life Vision novamente, revelando uma faixa azul a se mover como um flash através da vegetação terrestre e seguindo-o com proximidade.
– “Solus, de que cor é o núcleo? Não gosto nada disso!” –
-[“Essa coisa não tem núcleo nenhum. É apenas uma massa aleatória de energia, nunca vi nada parecido. Não me lembro de ter lido sobre algo que se assemelha a essa coisa. É monstruoso demais para esquecer.”] –
Um arrepio percorreu a espinha de Lith. Seu primeiro monstro planta não parecia seguir nenhuma das regras mágicas que ele tinha aprendido até agora. Sem núcleo, resistente ao gelo, ao fogo e capaz de controlar a vegetação. As únicas palavras que poderiam descrever seus sentimentos frente a tal criatura eram ‘medo do desconhecido’.
Ele havia passado anos aprendendo magia, procurando os mais fortes núcleos, mas agora, tudo o que ele sabia tinha acabado de cair na sarjeta.
Mesmo voar para trás em um padrão de zigue-zague era inútil, a listra azul continuava atrás dele incansavelmente. Ele não podia correr o risco de bater em uma árvore, então escolheu se moveu para cima e longe do chão.
De um terreno mais alto, ele pôde ver que, na verdade, havia mais de uma linha a percorrer o solo, enquanto a massa de trepadeiras às quais o lótus vermelho estava preso havia se tornado da cor do concreto. De acordo com a Life Vision, apenas a flor permanecia colorida.
Tantas informações, decepções e incongruências faziam a cabeça de Lith girar em estado de choque.
– “Então agora o ‘corpo principal’ está morto e o chão parece uma bola de discoteca? Mas isso significaria que mais do que sua mana, de alguma forma a Life Vision realmente percebe sua consciência… Aquela coisa deve ser capaz de mudar de corpo à vontade. Isso explicaria como ele poderia controlar até mesmo a grama e por que não há vida selvagem … “-
-“[Lith!]”- Solus o interrompeu. -“[As árvores! Cuidado com as árvores!]”- –
Apesar de sua ligação mental ter sido instantânea, quando Solus o avisou, o ataque já estava ocorrendo.
A casca da faia mais próxima havia se desprendido, revelando ser uma massa de videiras enrolada no tronco real da árvore, e agora disparavam em direção ao desavisado Lith. Antes que ele pudesse se virar, elas se enrolaram em seus braços e pernas, batendo-o onde antes estavam fixadas antes de começar a comê-lo vivo.
Uma dor insuportável o atacou de todos os lados, mas ele conseguiu permanecer consciente com pura força de vontade. Suas mãos agarraram as videiras mais próximas enquanto ele ativava um dos feitiços que havia criado depois de aprender magia de nível quatro. Vampiric Touch, uma versão distorcida dos feitiços de cura que Vastor lhe ensinara.
Embora normalmente tais feitiços melhorassem a recuperação de um paciente e lhe dessem energia para sobreviver ao procedimento, o dito Toque Vampírico curaria o mago, drenando a energia da vítima no processo.
Quando o monstro planta percebeu o que estava acontecendo, era tarde demais. As gavinhas haviam se aprofundado muito e, ao contrair os músculos com a ajuda da fusão com a terra, Lith as impediu de escapar.
A energia escura devorou os tentáculos, sugando-os até secarem enquanto restaurava a carne e a vitalidade de Lith. As videiras murcharam em uma velocidade visível a olho nu, até que a casca falsa caiu no chão, revelando que a arvore embaixo dela estava morta há muito tempo.
Porém, a consciência da criatura conseguiu fugir, voltando para o corpo principal.
Lith usou o Revigoramento para se recuperar, afinal, o Vampiric Touch não poderia curar tantas feridas profundas com uma refeição tão desprezível como base. Depois disso, ele atirou várias Plague Arrows contra as outras árvores.
Assim que elas bateram, as cascas falsas caíram, fazendo Lith entender que a floresta luxuriante ao redor do corpo principal da criatura era na realidade um cemitério de plantas.
Mais duas daquelas flechas atingiram o solo, até a grama se contorceu e rangeu antes de morrer.
“Eu não sei o que diabos você é, mas você é muito perigoso para deixar viver. Tudo se tornou parte do seu corpo, e eu não tenho nenhum desejo de descobrir o quão longe seu controle pode ir.”
Manter a Life Vision sempre ativa colocava um grande esforço em seu corpo, mas Lith entendeu que era sua única chance de sobreviver.
Antes de voltar para o chão, ele liberou de seu corpo uma aura escura, a mesma que ele havia usado contra Wither na floresta de Trawn. A energia da escuridão atacou indiscriminadamente tudo em um raio de dez metros dele.
A grama secou, as trepadeiras escondidas no subsolo morreram, deixando apenas terra nua ao redor de si. Só então ele começou a tecer seu feitiço de escuridão mais forte, Death Zone.
Uma névoa negra e espessa apareceu na frente dele, parecendo uma pequena nuvem de tempestade, apenas vinte metros de comprimento e largura, cerca de três metros de altura.
Depois de conjurá-la, Lith precisou apenas de um pensamento para enviá-la ao corpo principal da criatura.
Como todos os feitiços da escuridão, a Death Zone se movia lentamente, mas seu poder destrutivo era incomparável, a arma perfeita contra um inimigo que não conseguia fugir.
A nuvem destruía tudo em seu caminho, enquanto o guincho da criatura mudava de raiva para medo, e de medo para pavor. Ela tentou atacar Lith para impedir o ataque, mas entre Life Vision e a aura negra, nenhum de seus esforços chegou perto sequer.
Ele podia ver cada um deles em câmera lenta, não apenas por causa de seus sentidos aguçados, mas também porque a magia negra enfraqueceria e corromperia tudo que entrasse em seu alcance.
Quando a Death Zone atingiu seu alvo, a criatura chamou para si toda a consciência dispersa, em uma última tentativa desesperada de sobrevivência. No entanto, tanto Lith como seu feitiço eram implacáveis, frustrando todos os seus ataques.
Qualquer que fosse a massa que o monstro conseguisse formar, só se tornaria alimento para a energia escura.
“Por favor pare!” A criatura falou.
Mas Lith permaneceu imperturbável, mantendo sua guarda e deixando a Death Zone fazer seu trabalho.
“Eu sou igual a você.”
“Não, você não é. Está prestes a morrer.”
O corpo principal estava encolhendo e, sem a energia necessária para sustentar aquela forma enorme, acabava se revertendo para uma planta bem menor. Um arbusto, um feixe, e enfim, uma hera.
– [“Lith, agora que toda a energia está finalmente em um lugar, posso finalmente ver seu núcleo. É …”]-
-“Preto.”- Lith completou o pensamento por ela. -“É outra Abominação. Eu entendi quando vi como todas as formas de vida estavam mortas. Esta parece ter conseguido se estabilizar.”-
“Eu só queria viver. Eu …”
Lith não a deixou continuar o discurso, atirando Plague Arrows como uma metralhadora.
– “Duas coisas que aprendi com filmes de terror.”- Ele explicou a Solus. -“Primeiro, nunca dê a mínima para a história de fundo de um monstro. Não importa o quão soluçando esteja, isso não o impediria de comê-la assim que você virasse as costas para ele. Segundo, no momento em que estiver caído, mate-o até que ele realmente esteja morto. ” –
Com um último uivo estridente, a planta da Abominação morreu, e de repente, todo o espaço ao redor de Lith se transformou em um deserto. A grama, antes verde, passou a virar cinzas, e as cascas falsas apodreceram, deixando apenas árvores velhas e sem vida para trás.
Tudo em um raio de cinquenta metros era idêntico ao de onde ele lutou contra Wither na floresta Trawn, com apenas uma exceção.
O lótus vermelho permanecia deitado no chão, brilhando como se nada tivesse acontecido.