Magna Ordem Brasileira

Autor(a): Tomas Rohga


Volume 1

Capítulo 12: A Primeira Turma

Enquanto seguia o percurso de Ellin — ainda calada — pelos enormes corredores da sede da Magna Ordem, Thales aproveitou para conferir a janela do sistema, dando de cara com a recompensa da dungeon secreta no formato de um aviso:

 

«!»

O Jogador adquiriu um «Título»

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Senhor da Oitava Fileira

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Descrição: o Jogador será capaz de utilizar duas «Promoções» ao mesmo tempo.

Custo: 9 pontos de «Cansaço»

 

Thales teve que se segurar para não deixar o queixo bater no chão. Uma habilidade como aquela seria extremamente útil!

— Ellin?

— Estamos quase chegando na sala — respondeu ela, sem olhar para trás.

— Precisamos conversar…

— Sobre o quê? — Ela girou nos calcanhares. — Não quis compartilhar algo tão importante comigo. O que precisa dizer agora?

O rapaz coçou atrás da orelha, um tanto encabulado. — Tive meus motivos…

— Quais motivos, Thales? Pensei que confiasse na sua melhor amiga.

— Eu confio… Quero dizer, agora confio.

— Agora? — Ellin inflou as bochechas. — Sabe o que vai acontecer daqui pra frente? A notícia sobre um Peão graduado vai se espalhar e o Império vai ficar uma loucura por causa disso. Como aconteceu? O seu pai sabe sobre isso?

Thales abriu a boca sentindo que devia contar toda a verdade, mas um aviso repentino de Mitty o deteve.

 

«!»

O Jogador não deve revelar que veio de outro mundo.

 

E se eu contar? Perguntou Thales em desafio. Vai me ameaçar com outro Game Over?

Sem esperar pela resposta, suspirou longamente. Não tinha a mínima vontade de testar sua teoria.

— Meu pai não sabe de nada… Aliás, ninguém deveria saber. Não contei pra ninguém.

— Mas o diretor sabia.

Thales deu de ombros.

— Não sei como ele descobriu. A verdade é que tem muita coisa que não consigo entender. Só sei que, quando despertei na Floresta da Caveira, a minha graduação já aparecia como Ouro.

— Será que você…? — Ellin estreitou os olhos. — Não. Não pode ser.

— O que foi?

— Pensei na possibilidade de uma Elevação Divina. Li uma vez a respeito, mas pra mim era conversa.

Thales ergueu uma sobrancelha. — Elevação Divina?

— Não passa de teoria. Ela fala que os deuses podem Elevar um fiel, mas não existe nenhuma prova concreta sobre isso. — O aspecto da garota tornou-se repentinamente mais preocupado. — Nossa… Parando pra pensar, isso pode atrair a atenção da Igreja pra cima de você.

Curioso com a nova informação, o rapaz estava prestes a pedir mais explicações sobre a tal Igreja e os deuses daquele mundo, mas alcançaram a sala de aula naquele exato momento.

— Tome cuidado com as pessoas deste lugar, Thales — avisou Ellin, com o rosto verdadeiramente aflito. Sem olhar para ninguém, ela se adiantou pelo local e se sentou ligeira numa carteira vaga.

Indagando-se de que modo o sistema conseguira a proeza de transformar seu teleporte até a biblioteca numa admissão a uma academia militar, Thales estava incerto se devia mesmo entrar naquela sala.

A possibilidade de adquirir mais informações sobre Cablanc, no entanto, funcionava como um tipo de incentivo, além do mais, havia todos aqueles livros na biblioteca a serem investigados e o fato inexplicável de que Darius, o diretor da Magna Ordem, conhecia o seu nome e sua condição como um Peão de Ouro.

Ele precisava de respostas, então tinha de prosseguir pelas fases do jogo, argumento que o convenceu a finalmente atravessar a porta, sendo recebido pela frieza típica de um estranho invadindo um local particular.

— Com licença — disse o rapaz, timidamente.

— Apenas entre, jovem — disse a mulher à frente da turma. Era loura e forte, com uma grande cicatriz atravessada na bochecha e o semblante um pouco irônico, embora o detalhe pouco atrapalhasse sua beleza. — Eu sou a instrutora Belonna. O diretor me avisou sobre você. Se apresente para a turma e escolha um lugar, sim?

— Pensei que a academia fosse mais criteriosa. Temos um retardatário? — O comentário partira de um rapaz sentado ao fundo. O longo cabelo escuro era frouxamente amarrado, deixando uma franja lateral cair em torno dos olhos vermelhos e arrogantes.

A mulher sorriu. — A verdade é que temos um Recruta muito especial este ano. Diga o seu nome e a Classe a que pertence, meu jovem.

O completo interesse dos alunos pareceu, enfim, ser capturado; crescendo no formato de cochichos e risadinhas. Em contrapartida, o nervosismo de Ellin era visível de sua carteira.

— Thales Belacruz. — O rapaz engoliu em seco, imaginando o tipo de reação que sua próxima frase causaria: — Sou um Peão.

O silêncio se alastrou pela sala como um maestro cortando a música. De repente, Thales se imaginou ao centro de uma plateia cheia de olhos, encarando-o das mais variadas maneiras: alguns com incredulidade, outros com divertimento, frieza, indiferença e até mesmo raiva…

Sob a mescla de caretas, a instrutora Belonna bateu uma mão na outra, quebrando aquela estranha atmosfera. — Não apenas um Peão, estou certa? Segundo o diretor, você já foi Elevado.

— Isso é absurdo! É impossível! — O ruído do soco na carteira ecoou pela sala. — Que tipo de piada é essa?

O tom de revolta partiu daquele jovem de cabelo escuro, o que fez muitos estudantes se encolheram no lugar, inclusive Ellin. Curioso com o sujeito, Thales o analisou rapidamente com o Malandro, deparando-se com estatísticas bem mais poderosas que as suas — o rapaz estava no Elo 39, pertencia à Classe Rainha e se chamava Kalan Von Drakandor.

Von Drakandor… Achou o sobrenome vagamente familiar, mas Thales não conseguia se lembrar de onde.

— Vamos aguardar a explicação da instrutora — disse uma voz sem emoção.

— Ninguém te chamou pra conversa, d’Artamis.

Apesar da grosseria de Kalan, Thales se lembrava muito bem daquele sobrenome, o que lhe captou a atenção.

A garota — que devia ser aparentada de Arell d’Artamis, o darkizoologista que encontrou no castelo da floresta — tinha traços asiáticos, um cabelo profundamente preto que lhe descia até o meio das costas e um rosto tão belo quanto frio, parecendo pouco abalada com o tom de Kalan.

Entrementes, sua classe também era Rainha e, ao correr as vistas sobre os demais, Thales logo notou que a jovem era a pessoa mais forte daquela sala com exceção da instrutora. Ayane d’Artamis estava com 42 de Elo e a graduação de Ouro, o que fazia dela e de Thales, os únicos que haviam passado pela Elevação.

Novamente, Belonna bateu as mãos, chamando a atenção da sala para si e sorrindo em desafio.

— Pois pode nos dizer, senhor Drakandor, por qual motivo estamos diante de uma situação aparentemente impossível?

Kalan trincou os dentes. Seu olhar estremecia quando começou a explicar; cada palavra expelida parecendo intensificar a sua fúria.

— A Barreira de Elo… — Outro soco na mesa. — Ela impede que Peões atinjam o valor da Elevação. Esses malditos não se graduam para Ouro.

— Está correto, senhor Drakandor — assumiu a instrutora, depois apontou para Thales —, mas este rapaz aqui é bastante real. Por intermédio do diretor Darius, a Magna Ordem treinará um Peão pela primeira vez e, diante de um momento histórico como esse, espero que a Primeira Turma de Recrutas receba seu novo colega com entusiasmo. Algo a dizer antes de se sentar, senhor Belacruz?

— A-acho que não — agradeceu Thales, que avistou um lugar vago próximo a Ellin e a um garoto franzino.

— Eu não aceito isso… — disse Kalan, friamente. — Exijo um duelo com esse maldito!

— Recrutas não podem duelar — rebateu a instrutora, serenamente.

— Sabe com quem está falando, mulher? Sabe quem é meu pai?

— Conheço muito bem o seu pai, senhor Drakandor, mas abaixo destas paredes milenares, todos estão sob as leis da Magna Ordem.

Kalan estremecia de raiva, encarando do sorriso confiante da instrutora para a figura encabulada de Thales.

— Mas já que nenhum de vocês pode resolver as coisas desse modo — prosseguiu Belonna, ainda mais resoluta —, proponho a realização de outra atividade… Um teste, pra ser mais exata. Algum Recruta sabe me explicar o que é o Valor do Peixeiro?

Ellin ergueu a mão timidamente. — É o valor numérico mínimo para se adentrar numa dungeon.

— Muito bem, senhorita…?

— Olaster — respondeu a amiga de Thales, cuja face se encontrava perigosamente escarlate.

— Como bem resumido pela Recruta, o Valor do Peixeiro se refere a uma soma numérica que torna possível atravessar os portais de dungeon, domínios normalmente impenetráveis para os humanos. — A instrutora pigarreou. — Isso ocorre devido à magia que protege esses locais, que são sempre comandados por um darkinus poderoso denominado “guardião”. O dito valor? Exatamente vinte pontos, distribuídos através da Classe Rainha, que vale nove pontos; a Torre que vale cinco, o Bispo que vale três, e o Corcel, que também vale três pontos. Essa formação clássica, inclusive, é considerada a mais balanceada para se explorar uma dungeon. — De repente, a mulher se voltou para Thales, mostrando certo pesar no semblante. — Infelizmente, Peões valem apenas um ponto e não entram na soma.

Um coro de risadinhas soou pela sala, mas Kalan não acompanhou o gracejo. Estava sério, como se tentasse dominar a própria raiva. Ele cruzou os braços e disparou impaciente:

— E daí? Tá repetindo conhecimento básico de qualquer aspirante a Cavaleiro Magno.

Com uma veia pulsando na têmpora, Belonna prosseguiu calmamente:

— Daí que a atividade se consistirá do seguinte: tendo em mente o Valor do Peixeiro, vocês formação grupos para adentrarem numa dungeon. A equipe cuja pontuação for a menor ao fim do teste estará prontamente expulsa da Magna Ordem.

O burburinho recomeçou, mas dessa vez o temor e o nervosismo tomaram conta do vozerio. Kalan fitou Thales e sorriu sem mostrar os dentes.

— Assim fica óbvio o resultado…

— Primeira Turma — invocou Belonna. — Agora formem os grupos!

Finalmente acomodado em sua carteira, Thales mergulhou o rosto nas mãos, imaginando quem seria burro o bastante de se juntar a ele. Se era necessário chegar ao valor numérico de vinte para se adentrar numa dungeon e um Peão valia miseravelmente apenas um ponto, ele falharia antes mesmo de começar. Ninguém se arriscaria a colocá-lo em sua equipe diante de uma condição tão absurda quanto expulsão.

— Vamos fazer isso juntos, Thales — disse Ellin, de repente.

O rapaz ergueu os olhos devagar, encarando o semblante decidido da amiga.

— Mas…

— Garoto-Peão. — O chamado partiu de alguém ao pé da carteira de Thales que, diante de todo o desânimo que sentia, mal percebeu o momento em Ayane d’Artamis se materializou ao lado dele. — Me deixe entrar no seu time.

O silêncio retornou à sala e todos se voltaram igualmente assombrados para a jovem Rainha. Ellin ficou muda de perplexidade.

— Largou sua honra para trás, Ayane? — rugiu Kalan, indignado.

A garota piscou algumas vezes; o rosto continuava neutro. — Eu tenho interesse no garoto Peão.

— P-p-pera aí! — A voz de Ellin retornou de súbito. — Que história é essa?

— Besteira! Entre na minha equipe e respeite seu sobrenome.

— Hm — murmurou Ayane, deixando Kalan para lá. Voltou-se outra vez ao rapaz e perguntou: — Posso entrar no seu time ou não?

— Mas é claro… — Thales engasgou. — É claro que pode.

Ellin cruzou os braços e fungou, olhando para o outro lado.

— P-posso entrar também? — perguntou o garoto franzino sentado próximo. Usava óculos de armação redonda sobre a face amorenada, emoldurada por um cabelo curto. — Meu nome é Caleb Ilukke. S-sou Classe Torre.

— Dessa forma, a equipe está com dezoito pontos — observou Ayane, monocórdia. — Chamem mais alguém até o teste.

Sem dizer mais nada, ela simplesmente deu as costas aos demais, retornando em silêncio à sua carteira.

— Quem ela pensa que é? — irritou-se Ellin.

— V-você é um Peão de verdade? — perguntou Caleb, nervoso.

Voltando-se para o garoto franzino e cheio de curiosidade, Thales chegou à conclusão que todos daquela sala deviam se fazer a mesma pergunta.

Ele suspirou. Havia muito a enfrentar antes mesmo da próxima dungeon.

 

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Instrutora Portia Belonna:



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