Magic Genesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 2

Capítulo 48: Portões do Passado

O som não era agradável; trazia à tona lembranças dolorosas de quando fora rigidamente restringido, impedido de ver o mundo além das portas. Era um lembrete do seu próprio “cárcere”, do tempo em que nem sequer podia tocar na liberdade que outros julgavam tão natural.

Durante os anos em que ficou recluso no castelo, Eduardh raramente conseguia ouvir os portões se abrindo. Isolado em seus aposentos, raramente tinha contato com o que existia além das muralhas, e ainda menos com a vida que pulsava fora do alcance de sua visão. Os portões eram movimentados com extrema parcimônia, e o som metálico que produziam era algo que ele praticamente desconhecia. Um passado que, de todos ali, apenas ele conhecia.

Ao passar pelos portões, a sensação de derrota o esmagou. O rangido familiar ecoou mais alto do que jamais lembrava, atravessando seu peito como um aviso sombrio. Um arrepio percorreu sua espinha e ele se enrijeceu, segurando o pequeno dragão em seu colo com mais força. Era como se amarras invisíveis o apertassem novamente, mesmo depois de todos os anos longe dali.

O caminho à frente era vasto, como se atravessassem um pequeno reino dentro de Nifhéas. Seus extensos campos e diversas construções imponentes que surgiam aos poucos exibiam o poder, a riqueza e a história da família Fëanor. Cada detalhe parecia calculado para impressionar e, ao mesmo tempo, intimidar.

Eduardh observava tudo em silêncio, tentando absorver a magnitude do território sem se deixar abalar. Mas, à medida que a carruagem avançava, sua atenção começou a se voltar para os reflexos das vidraçarias e dos metais preciosos que captavam a luz do entardecer. Um brilho atravessou a janela e se refletiu na pupila do pequeno dragão em seu colo, devolvendo-lhe a própria imagem fragmentada. Por um instante, Eduardh se viu encarando através dos olhos da criatura, como se estivesse diante de um espelho cruel que refletia tudo o que havia mudado desde que recebera a marca de Fazhar.

“Será a marca? Será que ela está fazendo isso comigo? Mas por quê… o que há de errado em ser um mestiço… tirar de mim o pouco que restou de minha mãe…” Pensamentos carregados de dor e raiva atravessavam sua mente, misturando lembranças e angústia em um nó que parecia impossível de desfazer.

Eduardh sabia que todos esses anos longe não o isentariam das consequências. Mesmo ainda sentado na carruagem, a caminho do castelo, já sentia o peso do julgamento que o aguardava. Seu pai não toleraria desculpas. Nem mesmo algo tão grandioso quanto “salvar o mundo” seria aceito. Uma prova de que, apesar da distância, nunca estivera realmente livre.

O ar dentro da carruagem parecia mais denso, pesado, como se pressentisse o retorno de um herdeiro “proibido”. Cada movimento dos guardas, cada brilho de metal refletindo a luz do entardecer, lembrava-o do poder absoluto que o aguardava adiante.

— Ainda tem mais? — murmurava Vladmyr, insatisfeito, ao perceber que os portões eram apenas uma divisa.

— Deveriam se sentir honrados por cruzarem esse limite — rebateu um dos guardas que os acompanhavam.

Com um olhar firme, Ector fez Vladmyr engolir a resposta antes que saísse. O rapaz conteve a irritação diante da repreensão silenciosa, ciente de que agora lidariam com pessoas que não tolerariam impulsos ou falas desbocadas. O comandante conhecia bem seu oficial e sabia que, nesse, o melhor era ele permanecer nos trilhos.

— Ei, mago? — chamou Ector, com uma voz estranhamente rabugenta, algo totalmente incomum para seu costumeiro tom alegre e descontraído.

Cázhor ergueu uma sobrancelha, indicando aguardar a pergunta.

— A biblioteca que buscamos fica aqui? — perguntou Ector, ainda mantendo o tom sério.

— De acordo com o senhor Har… — Cázhor interrompeu-se, limpando a garganta com um gesto contido — o senhor Fëanor disse, sim.

Agora precisavam ser cautelosos; qualquer deslize poderia ter enormes consequências.

— Ha ha ha... — Ector soltou uma gargalhada alta e sincera, quebrando inesperadamente a tensão. — Ao menos estamos chegando ao nosso objetivo. Estava quase me preocupando de passar por tudo isso e não dar em nada...

A gargalhada inesperada surpreendeu até os guardas, que não esperavam tal atitude. Mesmo em meio a toda pressão, Ector conseguia manter o humor, lembrando a todos que, apesar da situação, seguir em frente era a única opção.

Após um tempo, os cavalos pararam, esbaforidos. Após tantas subidas íngremes, um espaço plano para descanso indicava o fim do percurso. À frente, o castelo se erguia, imponente e majestoso. Torres altas se destacavam contra o céu tingido de púrpura pelo entardecer, muralhas largas de pedra escura refletiam os últimos raios de sol, e o pátio de entrada parecia pequeno diante da magnitude da construção. O lugar exalava poder, riqueza e história, como se engolisse tudo ao redor.

Os cristais de mana começavam a acender aos poucos, pequenas luzes surgiam à medida que o sol se escondia no horizonte, tingindo o céu de tons rubros e púrpuras. A luminosidade refletia nas pedras e metais do castelo, criando sombras que dançavam pelas paredes.

À primeira vista, não era possível discernir se havia mais empregados ou guardas presentes; tudo parecia calmo, silencioso, quase intocado. Ainda assim, a presença de tantas figuras, mesmo discretas, fazia sentido, pois o lugar exigia atenção constante. Uma vigilância silenciosa lembrava a quem chegava estarem entrando em território não apenas grandioso, mas também extremamente controlado. O ar parecia vibrar com a energia acumulada do poder da família Fëanor, e mesmo a brisa carregava uma sensação de expectativa, como se o próprio castelo os observasse, avaliando cada passo do grupo.

— Nos acompanhem, por favor — disse outro guarda, abrindo a porta da carruagem e aguardando o grupo descer.

Cázhor, apoiando-se em seu cajado, foi o primeiro a sair, seguido de Ector e depois Vladmyr, que estendeu a mão para ajudar Lenna a descer. Assim que saiu, Lenna percebeu os olhares recaírem sobre si, da mesma forma que em Ancor. Porém, ali eram diferentes, mais contidos, mais pesados. Não havia necessidade de palavras para compreender o que as expressões diziam. Era uma mistura de polidez forçada com a frieza resignada de quem apenas tolerava sua presença por obrigação.

Vladmyr, que ainda mantinha a mão estendida como se quisesse protegê-la de algo invisível, franziu o cenho diante dos olhares.

— Esses idiotas... nem para disfarçar... — murmurou baixo, para que só Lenna escutasse.

O tom dele era de um incômodo genuíno, protetor. Ali não era um território hostil, mas o peso da desconfiança tornava o ambiente sufocante. Ector lançou-lhe um rápido olhar de advertência, lembrando-o que precisavam manter a postura e não reagir às provocações veladas.

Lenna, apesar de ter prometido a si mesma não se deixar abalar por esse tipo de olhares, ainda sentia uma pontada de desconforto.

Porém, tudo mudou quando a carruagem de Eduardh se abriu em seguida, e ele surgiu acompanhado por uma escolta de guardas, cujas presenças transmitiam tanto segurança quanto restrição. Todos os guardas e empregados fizeram uma reverência imediata e coreografada. A ação repentina e impecável deixava claro o respeito absoluto que aquele homem impunha, mesmo antes de qualquer palavra. Ao mesmo tempo, tentavam disfarçar suas reações, mas para qualquer observador externo era evidente a mistura de admiração, medo e descrença que estampava seus rostos.

Eduardh permaneceu parado diante da grandiosa porta de entrada do castelo, como se se recusasse a dar o próximo passo. Lenna pensou em chamá-lo, mas Cázhor a impediu:

— Agora não, senhorita Weins — sussurrou ao seu lado.

Sem olhar para trás, Eduardh avançou em direção aos grandes portões do castelo, como se se recusasse a ceder à ansiedade ou ao temor que o pressionava por dentro. Um sentimento que ele se recusava a compartilhar.

Por fim, o grupo foi encaminhado para uma sala de espera, alguns cômodos adiante da entrada principal. O ambiente era amplo, com paredes de pedra e tapeçarias que narravam a história de conquistas da família Fëanor. Móveis pesados de madeira escura e polida contrastavam com estofados de veludo profundo. Candelabros com cristais de mana iluminavam o espaço com uma luz suave, dançando sobre as superfícies brilhantes.

Eduardh sentou-se em uma poltrona mais afastada, ainda cercado pelos guardas. O olhar dele permanecia vazio, sem vida, triste e abatido, como se todo o peso de sua linhagem e dos segredos que carregava tivesse se concentrado em seus ombros nesse instante. O grupo de Lenna, ainda absorvendo a reverência imediata e a coreografia silenciosa diante de sua presença, não podia deixar de sentir o impacto do momento. Era uma mistura de respeito, medo e descrença que os fazia compreender, mesmo antes de qualquer palavra, a magnitude do que estavam prestes a enfrentar.

Um silêncio tenso se instalou no salão. Cada respiração parecia ecoar, exagerada, entre as paredes altas e os lustres de cristal. Guardas imóveis, olhos fixos em Eduardh, pareciam vigiar não apenas o herdeiro, mas qualquer movimento errático que pudesse quebrar aquela frágil ordem. Lenna sentiu seu coração acelerar e seus dedos se enrijecerem, enquanto isso, a ansiedade tomava conta do grupo.

Ao fundo, vozes quase inaudíveis se misturavam ao eco do salão, quebrando o silêncio. Uma voz feminina, trêmula, suplicava apelos desesperados, tentando conter algo que claramente já escapava de seu controle. Cada sussurro, cada suspiro nervoso, reverberava pelo espaço, prenunciando a chegada de um caos iminente.

— Imundo! — uma voz aguda cortou o ar como uma lâmina seca, surgindo do alto de uma escadaria.

— Senhora, por favor… — suplicou outra voz, mais jovem. — A senhora não está em condições…

— Não encoste em mim! Eu não vou tolerar que um qualquer se passe por ele!

O escândalo chamou a atenção de todos, que olharam para a escadaria, tentando descobrir de quem era a voz. Estranhamente, os soldados pareciam não se surpreender; já estavam acostumados a tais cenas.

Quando finalmente a mulher se revelou, era uma linda elfa de longos cabelos brancos como a neve, trançados e adornados com pequenos ornamentos em formato de folhas banhadas a ouro. Vestia um vestido de cetim branco perolado, com costuras douradas e pedrarias discretas, que escorregava suavemente sobre sua pele a cada passo, revelando sua nobreza e posição sem esforço.

Imediatamente, todos os guardas responderam à sua presença, ajoelhando-se em reverência.

— Minha rainha! — disseram em coro.

O grupo, quando percebeu de quem se tratava, também se curvou, enquanto a rainha avançava com graça e imponência. Eduardh, já ajoelhado, sentiu o coração apertar, cada músculo tenso. A rainha aproximava-se como uma tempestade elegante. E então, chegou o momento em que ele ergueu finalmente os olhos para encará-la.

— Mãe…

Antes que pudesse continuar, Irmiriam, ignorando qualquer palavra, lhe desferiu um tapa com o dorso da mão. O impacto foi tão forte que os anéis em seus dedos fizeram cortes profundos no rosto de Eduardh, que permaneceu imóvel. O pequeno filhote nos braços de Eduardh reagiu de forma estranha, encolhendo-se ligeiramente e deslizando para baixo de seu manto surrado, com um olhar levemente irritado, mas, ao mesmo tempo, contido e confuso, como se não conseguisse compreender a tempestade de emoções que se desenrolava à sua frente.

— Você não é meu filho! — esbravejou a rainha, enquanto sua dama de companhia tentava contê-la.
— Por favor, senhora, acalme-se! — implorou a elfa de cabelos negros.

O grupo ficou atônito, tentando compreender a cena. Lenna continha-se para não correr em defesa de Eduardh. O sangue escorria pelo rosto dele, manchando a camisa surrada.

— Você nem se parece com ele. A quem está tentando enganar? — gritava a rainha entre lágrimas — Por que não fazem nada? Prendam esse impostor!

Os guardas se entreolharam, sem saber como agir; a maior autoridade presente era a rainha, e sua ordem não podia ser contestada.

— Vai me deixar preso… de novo? — murmurou Eduardh, quebrando finalmente o silêncio.

Por um instante, o olhar cansado da rainha se suavizou. As olheiras e os bolsões sob seus olhos denunciavam cansaço extremo e recente choro.

— Eduardh? Meu menino? É você mesmo? — sussurrou, segurando o rosto ensanguentado de Eduardh.

Ele respondeu apenas com uma tristeza profunda, sem ternura. O grupo trocou olhares, sem encontrar respostas.

Então, a rainha o abraçou delicadamente, enquanto lágrimas escorriam de seus olhos já vermelhos. Mas o olhar doce rapidamente se transformou em algo sombrio e carregado, como se duas pessoas habitassem o mesmo corpo.

— Já não bastasse você tomar o lugar do meu bebê, ainda some, como se seu reino não fosse nada! — esbravejou. — Ingrato! Você pode parecer um de nós, mas eu sei que não…

— Basta, Irmiriam! — uma voz imponente cortou os gritos.

Um silêncio quase sufocante tomou a sala.

O homem que descia as escadarias emanava um leve brilho de mana, sutil a princípio, mas que logo transbordava de seu corpo, expandindo-se pelo salão como uma neblina densa e penetrante, fazendo o ar vibrar com uma presença quase palpável. Era impossível não sentir sua presença.

Os guardas e empregados se curvaram imediatamente, reverências quase mecânicas diante do poder que se manifestava diante deles. Até a rainha, no meio de sua fúria, recuou imperceptivelmente, como se a presença desse homem reconfigurasse a atmosfera, impondo silêncio e respeito instantâneo.

Cada gesto, cada olhar parecia medir, julgar e reafirmar sua supremacia, lembrando a todos que estavam diante de alguém cuja autoridade não dependia apenas de títulos, mas da força incontestável de sua própria essência.

O Rei Idril.

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