Magic Genesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 2

Capítulo 33: Conflitos internos

Nenhum dos presentes ousou se mover, ainda processavam os eventos que haviam acabado de presenciar. Vladmyr cerrava os punhos com tamanha força que o sangue mal circulava. Sua expressão era uma mistura de culpa e frustração, enquanto Ector permanecia imóvel, analisando cuidadosamente a situação.

— Para onde ele a levou? — Vladmyr perguntou, respirando fundo, ainda indignado com a atitude do elfo.

Ector não respondeu. Estava claro que ele também não sabia, porém, uma resposta negativa não ajudaria em nada nesse momento. Ele sentia a tensão no ar e sabia que essa pergunta ecoava na mente de todos, mas não sabia o que dizer ao guerreiro.

— Isso não importa agora. O que importa é que você quase a matou — Ector direcionava seu olhar para Galgard — Esqueceu que estamos aqui para unir forças?

Desviando o olhar, o druida não respondeu. Galgard sabia que havia levado sua batalha ao limite, mas seu ego recusava a admitir o exagero.

— Você a subestimou, Galgard — continuou Ector — E ela provou algo hoje. Algo que você provavelmente não esperava. Ela pode não ser tão forte quanto você, mas mesmo em sua fraqueza, Lenna não desistiu. Devo reforçar que esta não é uma guerra de egos, não somos inimigos, e seu papel não é esmagar aliados, mas fortalecê-los.

— Se a garota não se provou suficiente para me vencer, os demônios então...

— Suficiente? — murmurou Vladmyr, interrompendo o druida — Ela quase morreu para ter sua aprovação, e é tudo o que diz?

Ector suspirou profundamente, seus olhos cansados fixavam-se no jovem que estava prestes a partir para cima do druida.

— Calma, garoto. Também gosto da maga, mas a escolha foi dela e do druida... bom, ele está certo, precisamos muito mais que persistência para vencer nosso inimigo.

— Ela precisa de um médico. Temos que achá-la! — O desespero na voz de Vladmyr era evidente. Ele parecia mais abalado do que gostaria de admitir, sua preocupação escapava de forma quase involuntária.

Estreitando os olhos enquanto franzia o cenho, Ector observou o garoto com atenção. Por um instante, refletiu sobre o tom desesperado de Vladmyr e as palavras que pareciam carregar um peso maior do que o evidente. Ele sabia que havia algo mais por trás dessa urgência.

— O elfo não a levaria para um lugar perigoso. A atitude dele pode ter sido precipitada, mas ele sabe o que faz — As palavras de Ector foram firmes, mas não o suficiente para acalmar Vladmyr.

— Isso não significa nada! — retrucou Vladmyr, dando um passo à frente. — Ele não é um curandeiro. E se o ferimento for grave...

— Chega, Vladmyr! — interrompeu Ector, com um tom explosivo. — Não sabemos onde ela está. E enquanto você perde tempo aqui, discutindo o que não pode controlar, estamos nos afastando do real objetivo.

As palavras de Ector atingiram Vladmyr em cheio, mas a frustração não desapareceu de seu semblante.

— Já que você não consegue manter seu foco no treinamento, é melhor se retirar e esfriar essa cabeça.

Sem contestar, ele deu meia volta e caminhou até uma das laterais da arena, sentando-se em um banco de pedra mal entalhado. Estava tão frustrado com sua atitude que nem reparou quando Galgard se aproximou, encostando em uma pilastra de pedra à sua direita.

— Ele tem razão. Você precisa se controlar.

— Mas o quê?! — rosnou Vladmyr.

— Um oficial destaque da sua turma, se comportando dessa maneira? Estamos em guerra e você aí, perdendo o foco por... aquilo...

— Aquilo? — retrucou Vladmyr, com sua voz carregada de indignação — Ela não é "aquilo", Galgard. Ela é nossa aliada, e se você não consegue ver isso, talvez esteja no lugar errado.

O druida permaneceu impassível, cruzando os braços enquanto encarava Vladmyr com a tranquilidade de quem sabia exatamente como provocar uma reação.

— Então, prove que ela é mais que isso — respondeu Galgard, sua voz calma, mas agora levemente provocativa. — Porque, pelo que vejo, sua preocupação não é apenas com uma aliada. É emocionalmente descontrolada e perigosa.

Aquelas palavras foram como um golpe certeiro. Vladmyr cerrou os punhos, lutando contra o impulso de reagir fisicamente.

— Calma... Meu propósito não é só implicar com você, mas veja bem, precisamos de força para reagir, não é hora de deixar seus sentimentos prevalecerem sobre a situação em que estamos. Melhor focar no que de fato vale a pena e, se aliar a uma potencial traidora, não é a melhor escolha.

— Se você ao menos soubesse metade da história...

Galgard cruzou os braços, como se aguardasse a conclusão da frase do guerreiro, a tensão entre os dois pairava no ar.

— Na verdade...

— Garoto! — A voz de Ector, ao longe, abafava a frase de Vladmyr.

Vladmyr, no entanto, não estava ouvindo. Em sua mente, a imagem de Lenna sendo carregada por Eduardh o incomodava.

“Aquela cena... me fez sentir raiva... isso seria ciúmes? Absurdo! Mas... por que ele? Por que ela confia tanto nele assim?” Vladmyr pensava, com sua mandíbula cerrada.

— Vladmyr! — A voz de Ector chamou sua atenção novamente, arrancando-o de seus pensamentos.

— O quê?

— Pare de falar besteiras e vá verificar as condições das defesas da sede.

— E Lenna...?

— É uma ordem! — Ector o encarou com firmeza. — Se algo mudar, você será o primeiro a saber.

— Sim, senhor! Peço desculpas. — Relutante, Vladmyr acenou com a cabeça e foi em direção à saída da arena.

Cada passo parecia pesado, como se estivesse se afastando de algo que não deveria. Enquanto isso, Galgard apenas o acompanhou com o olhar, sem dizer nada, até que o guerreiro saiu de seu campo de visão.

— Bom, o show acabou e se alguém ainda insistir nesse assunto, farei questão de mostrar o porquê de eu ser o líder geral das tropas do reino.

Os ânimos estavam exaltados, mas não houve nenhuma contestação e todos voltaram aos treinos. O dia, que já se iniciou escuro, agora se findava com o breu do cair da noite e uma nova tempestade de neve.

Enquanto isso, não muito longe dali, em um casebre abandonado à beira de uma clareira, acobertados pela densa névoa e rodeada de montanhas, Eduardh descansava ao lado de Lenna. Ele havia feito o possível para estabilizar seus ferimentos, tudo indicava que havia sido efetivo em sua manobra. No entanto, algo o incomodava. A ferida parecia bem menos grave do que aparentava inicialmente, como se estivesse cicatrizando de forma anormalmente rápida.

— Você sempre foi teimosa assim? — murmurou ele, interrompendo seus próprios pensamentos ao perceber a palidez da maga.

O brilho fraco da marca na mão do elfo ainda pulsava. O selo próximo a seu ombro drenava sua energia toda vez que ele teimava em usar sua magia de teleporte, mesmo assim, ele se recusava a ceder. Seus olhos se fixaram na luz da lua, buscando forças em algo maior.

— Você me faz lembrar de mim mesmo, sabe — ele continuou — sempre atrás de uma aprovação, tentando mostrar que pode fazer as coisas sozinha. Só que sempre tem alguém para te julgar e apontar o dedo e logo você tem que voltar a se a certinha e agir como mandam. Mas, diferente de mim, você tem um mentor que te apoia... do jeito dele, mas apoia. Se você conhecesse meu pai...

Mergulhado em pensamentos, o elfo parecia distante.

— O que... quem é seu pai?

Aquela voz atordoada fez o corpo de Eduardh tremer. Seus olhos se lançaram em direção a ela, mas logo desviaram, tentando esconder a tensão estampada em seu rosto.

— Desde... desde quando está acordada? — disse o elfo, tentando disfarçar a inquietação, com a voz baixa e hesitante.

Lenna o observava com uma expressão confusa, mas seus olhos ainda continuavam a buscar respostas. A reação do elfo não era comum, logo ele, que sempre se preocupou com ela, mudar assim do nada só a instigava mais. Algo em seu tom, algo na maneira como ele se esquivava, indicava que ele claramente estava desconversando o assunto.

— Parecia que você estava falando sobre algo que te incomoda há bastante tempo. Você é tão reservado que mal sabemos sobre você...

— Ah! Então, você... ouviu? — interrompeu ele. — Não era nada importante, apenas pensamentos... sem sentido.

— Tem a ver com você ser um mestiço? Porque, se for, eu entendo um pouco pelo que você está passando.

“Por que ela ainda insisti nisso...”

— Bom... sim... — disse Eduardh fechando os olhos por um instante.

— Você parece incomodado em tocar nesse assunto. Pensei que, agora que somos amigos, você confiaria mais em mim. Mas parece que eu me enganei...

Eduardh permaneceu em silêncio, sem tentar esconder a vontade de esquecer o que havia dito.

— Idiota fui eu, que pensei que seria diferente... — resmungou Lenna enquanto se levantava com certa dificuldade. Ela tentava se localizar e encontrar o caminho de volta à sede.

— Espera!

Eduardh soltou um longo suspiro e segurou a mão da maga, a puxando em sua direção.

— Você não está em condições de sair andando por aí sozinha. Deixa que eu te levo...

— Estou bem! — sua voz despejava um leve tom áspero em cada palavra. — Vlad e os outros devem estar preocup...

O foco da conversa havia mudado, assim como o elfo queria, porém, o motivo não lhe agradava.

— De novo, ele? — Eduardh indagava com um semblante irritado.

— Como assim, de novo?

— Que mais provas você precisa para perceber que esse cara não vale a pena? Quantas vezes ele te deixou na mão? Quantas vezes sua vida ficou em risco devido à hesitação desse babaca? Por que você insiste em ficar do lado dele?

— Você não entende, Eduardh! — respondeu Lenna, tentando se soltar do aperto dele, mas sem sucesso. — Ele perdeu o pai devido à guerra. Eu ouvi um pouco da conversa do meu mestre com o senhor Ector antes de encontrarmos com você na fonte, lá no templo. Entendo um pouco da raiva que ele sente pela minha raça. Ele não é tão ruim quanto você pensa!

— O que eu penso? — ele retrucou, soltando uma risada seca. — Lenna, abra os olhos! Você quase morreu hoje, e o que ele fez? Ficou observando sem se mover.

— Ele me salvou na luta contra o Cérbero! — Lenna ergueu a voz. — Ele está tentando... tudo que ele acreditava era uma mentira, não posso culpá-lo por agir do jeito que agiu comigo no início. Vlad mudou... Não é justo cobrar tanto dele agora!

Eduardh apertou os lábios, claramente segurando uma resposta mais dura.

— Ele perdeu a memória! Não considero isso uma mudança. O que vai acontecer quando ele recobrar as lembranças e voltar a ser tudo como era antes? — Ele soltou a mão de Lenna com um gesto brusco, afastando-se um passo, mas ainda olhando diretamente para ela.

— Quem sou eu para julgar o passado de alguém e, desde que ele soube a verdade, ele sempre ficou ao meu lado, diferente de pessoas que sabiam de tudo desde o início, mas nunca fizeram questão de me tratar melhor.

— Eu gosto de você — disse o elfo subitamente — Mesmo sem saber, você me cativou na primeira vez que nos vimos. Uma garota forte, que lutava contra um golem vinte vezes maior do que ela e ainda tentava proteger seus companheiros a todo custo. Você pode se achar fraca, mas naquele dia, eu vi uma verdadeira guerreira.

— Você... gosta de mim? — Desconsertada, sua voz soou quase como um sussurro.

Eduardh não se retraiu e respirou fundo antes de responder.

— Sim. Gosto de você. Não entendo sua surpresa, eu nunca tentei esconder isso.

Lenna sentiu as palavras a atingirem de uma maneira diferente do que já havia sentido.

— Eduardh, eu... não sei o que dizer. — Ela balançou a cabeça levemente, ainda confusa.

— Não precisa dizer nada — interrompeu ele, a voz mais baixa e séria. — Eu não esperava que você correspondesse, nem estou pedindo nada. Só queria deixar claro. Em certos momentos, eu fiquei na dúvida se era apenas admiração ou algo mais e, sendo sincero, ainda não sei a resposta. Só não quero que você siga o mesmo caminho que eu e acabe fugindo da sua história para se esconder.

Eduardh avançava na neve, segurando a mão de Lenna firmemente. Precisavam voltar para a sede quanto antes, estava escuro e a tempestade de neve só piorava. Nas condições em que ambos se encontravam, um ataque inimigo, certamente, seria fatal.

— Fugindo? — perguntou ela, franzindo a testa — O que mais você está escondendo, Ed? Por que se preocupa tanto com quem me magoa se você mesmo não é completamente sincero comigo?

Eduardh parou de andar por um momento, como se as palavras dela tivessem atingido um ponto sensível de seu passado.

— Não é tão simples, Lenna — respondeu ele, com a voz carregada de tensão. — Algumas coisas do meu passado... não são fáceis de contar.

— Você não confia em mim? — ela insistiu, cruzando os braços.

Ele a encarou por um instante, seus olhos refletiam uma mistura de culpa e angústia.

— Não é isso. — Ele respirou fundo, como se estivesse reunindo coragem. — Tem coisas que eu mesmo ainda estou tentando entender.

— Como o seu pai? — perguntou ela, com um tom mais incisivo. — Você o mencionou antes e depois acabou desconversando. Foi ele que te fez fugir?

Eduardh engoliu em seco, claramente desconfortável.

— Você não vai desistir mesmo, não é? Vamos voltar. Chegando na sede, fica mais fácil, aí eu só precisarei tocar uma única vez nesse assunto. Até lá, concentre-se em não abrir seu ferimento.

— Hurum! — Lenna assentiu com a cabeça.

Sua cauda, mesmo no intenso frio, se agitava com a nova informação. Seus olhos brilhavam com a expectativa de que alguém, além de seu mentor, confiaria algo tão importante a ela. Isso a fazia se sentir importante, parte de algo maior, algo além de uma história inventada para acobertar um passado cheio de traições e ganância.

Toda essa empolgação fez com que Lenna se aproximasse mais do elfo, segurando firmemente sua mão, se aninhando em suas costas para que ele barrasse o vento. A ação arrancou um longo sorriso do elfo, que não pôde deixar de reparar a inquietação da garota, mas conseguiu disfarçar cobrindo a boca com o cachecol do uniforme.

— Não parece estar tão frio agora... — As palavras saíram abafadas em meio aos grossos tecidos que o envolviam. Seu rosto estava corado e o ar quente que saía de sua boca se dissipava lentamente, mantendo aquela região quente.

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