Volume 1
Capítulo 23: Futuro incerto
Com um sorriso largo e irônico, lá estava ele. Sentado em um dos grandes cristais. De pernas cruzadas, admirava o livro enquanto o erguia à sua frente. Apesar da pouca luz que havia no salão depois que Fazhar sumiu, ainda era possível enxergá-lo com facilidade, exibindo com orgulho, sua nova aquisição.
Seus olhos brilhavam de uma forma quente, contrastando com o ambiente frio e silencioso. Ter esse item em sua posse parecia deixá-lo em êxtase.
O choque do grupo ao ver a cena impossibilitou qualquer reação. A única coisa que lhes trouxe de volta a realidade, foi quando perceberam que a imagem gravada na capa do livro, era a mesma que Fazhar havia lhes dado, relembrando a missão que o conjurador confiou a eles.
— Muito obrigado. Já não preciso mais disso — O homem dos olhos púrpuras, mostrava com desdém, o medalhão que havia roubado de Vladmyr, jogando-o no chão na direção do guerreiro.
Provavelmente, assim como eles, usava o pequeno artefato para chegar até o livro. Deixando que o grupo se encarregasse de limpar o caminho. O homem não parecia nem um pouco preocupado com a desvantagem numérica. Estava fascinado com o que tinha em mãos.
Ver o pequeno medalhão, com o cordão arrebentado, caído próximo aos seus pés, trouxe lembranças a Vladmyr. O pouco controle que ele estava tentando manter, se esvaiu em questão de segundos. Instintivamente o guerreiro partiu para cima do ser misterioso, cravando com eficácia sua espada em seu abdômen.
— Opa... opa... é melhor você tomar cuidado com esse brinquedinho afiado aí. Pode acabar machucando alguém. Ahahah! — O homem dizia ironicamente, olhando para onde Vladmyr o havia golpeado e logo em seguida, o encarando nos olhos.
Desacreditado, o guerreiro olhava para sua espada envolta por algo escuro, algo que parecia um buraco vazio.
“Sombras?”
Inesperadamente, ele havia se fundido às sombras para evitar o ataque, desaparecendo logo em seguida com um estalar de dedos. O guerreiro, irado, procurava, mas sem sucesso, seu inimigo nos arredores. Era como se ele conseguisse se mover entre as sombras.
— Bom... chega de brincar, agora preciso ir — disse o estranho ser ao reaparecer mais a frente, próximo à saída.
Aproveitando o momento de distração, enquanto o homem ignorava a presença do grupo, dando as costas, rapidamente Eduardh empunhou seu arco, atirando a flecha com maestria em direção ao seu alvo. Por alguns segundos o homem parou, virou levemente sua cabeça para o lado, apenas o suficiente para ver o elfo.
A flecha ricocheteou em uma barreira que ele havia criado. Era semelhante ao que Lenna fazia, porém, era opaca e escura. Se assemelhava a um espelho d’água, manchado por uma tinta preta. Seu olhar transmitia perigo.
— Agora, sem a interferência desse maldito conjurador, não existe mais nenhum bloqueio na minha magia, então não me irrite — disse o ser, demonstrando que ficou realmente incomodado com a atitude do elfo.
O ar pesado ao seu redor demonstrava a ameaça dessas palavras.
— Vocês não têm nada que possa nos impedir. Não representam nenhum risco aos nossos planos. Talvez, a pequena luz do bichinho de estimação de vocês possa ser interessante no futuro, isso é, se sobreviverem! — disse a figura enquanto se misturava novamente às sombras.
Nesse mesmo momento, um enorme borrão, junto a uma grande corrente de ar, passou pelo grupo em direção aos vestígios da criatura que ainda se misturava ao cenário. Ector, enfurecido, havia lançado seu machado com extrema violência, porém, sem sucesso, ele acabou apenas o cravando na parede do corredor já vazio.
O papel no colar, já não ressoava mais. Estavam angustiados e furiosos, pois novamente, foram incapazes de impedir esse homem. Na verdade, não tiveram tempo nem de tentar. O inimigo foi ardiloso, escondendo sua presença e aparecendo somente quando lhe foi conveniente. Estava claro que ele tinha muita afinidade com o lugar. Aparentemente, a magia de Fazhar o impedia, de algum modo, de chegar até o livro.
Não havia tempo para pensar, tinham que de alguma forma encontrá-lo e recuperar o livro quanto antes. Se preparavam as presas para fazer o caminho de volta, quando Eduardh se comportou de forma estranha.
— Pessoal! Só um momento! — o elfo, pediu para o grupo aguardasse.
— O que ele está fazendo? — Vladmyr olhava confuso à espera de uma resposta.
— Sr. Hardro, precisamos ir!
Eduardh apenas ignorou os questionamentos e ordens do grupo. Então, ajoelhando-se e colocando uma de suas mãos no chão, fechou seus olhos, na esperança de se concentrar melhor enquanto os demais o alertavam insistentemente para irem atrás do livro.
Repentinamente ele, assustado, segurou a mão de Lenna puxando-a em direção à saída.
— Não há tempo para isso. Corram!
Ela não conseguia entender o que estava acontecendo, até ouvir um forte estalo. Uma grande rachadura se fazia visível no teto do salão. E num piscar de olhos, a poeira e vários detritos de rocha começaram a cair.
— Está desabando! — alertou Vladmyr.
— Mas que MERDA! — Ector gritava indignado com a falta de sorte que estavam tendo.
Sem opções, os três correram em direção ao caminho de volta, atravessando o grande salão. Ao chegar próximo à entrada do corredor, Ector segurou o cabo de seu machado, sem parar seu movimento, usou a força do seu corpo em movimento para arrancá-lo de onde o havia cravado momentos antes.
A poeira aumentava e os destroços que caiam ao chão dificultavam a passagem. O longo corredor parecia não ter fim. Enormes rachaduras, que mais lembravam raízes, cresciam por toda a estrutura e avançavam rapidamente.
Cázhor era o que mais apresentava dificuldade. Seu condicionamento físico não era tão bom assim e Lenna sabia disso. Ela já não o via mais, a percepção do elfo fez com que ele percebesse o desastre antes de todos e sua incrível agilidade era suficiente para mover-se com facilidade mesmo a levando junto.
— Siga em frente! — gritou para Eduardh, soltando sua mão para ajudar seu mestre.
— Não! — Ele hesitou por um breve momento, segurando novamente a mão dela com mais força — Não vou deixar que se coloque, mais ainda, em risco.
— Por favor! — Lenna suplicava.
— Eu já disse que... — Eduardh se interrompeu ao ver a tristeza no olhar de Lenna em deixar seu mestre para trás.
— Só... tome cuidado. — Por um instante, ele a encarou e, após um longo suspiro, acatou sua decisão.
— Eu tomarei. Muito obrigada! — Lenna desacelerou o passo, logo em seguida, correu em direção ao mago.
Lenna, agora, estava ao lado de Cázhor seguido por Ector que cuidava da retaguarda. Vladmyr, após alcançar o elfo, auxiliava a encontrar o melhor caminho para saírem dali, enquanto tentava não ser atingido por algum pedregulho.
— O que está fazendo aqui? — disse Cázhor desacreditado ao ver sua pupila.
— Pare de reclamar! Dessa vez, eu te protejo — A maga conjurava seus escudos, usando-os como barreira para desviar os escombros que caiam cada vez mais.
Tinham que se apressar, qualquer passo em falso, seriam esmagados, virando literalmente parte da caverna.
A cada minuto que se passava, a caverna se desfazia mais rápido. Por mais que corressem, quase não havia nenhuma distância entre o grupo e a grande parede de pedras que se acumulava atrás deles.
— Sem chance! — Eduardh disse desacreditado.
O elfo olhava para o grande paredão onde lutaram contra o Cérbero. O caminho que haviam usado para descer já não existia, estava em ruínas.
— Vlad! O caminho do qual viemos! — disse Lenna, ao finalmente os alcançar.
Vladmyr indicou a passagem por onde haviam passado depois que caíram do penhasco. Aparentemente, ainda estava intacta, mas não por muito tempo, as rachaduras já haviam alcançado a estrutura da entrada. O grupo estava sem tempo, todos passaram e, logo em seguida, a entrada desmoronou. Mesmo com a proteção dos escudos de Lenna, alguns pedregulhos atingiram as costas de Ector, provocando um grande corte, mesmo assim ele se mantinha firme.
— E aí? Para onde agora? — questionava o elfo.
Eduardh liderava junto ao jovem guerreiro, e aguardava a resposta de Vladmyr, visto que, somente ele e Lenna haviam passado por ali.
— Eu... eu... não me lembro — Vladmyr se forçava a resgatar as lembranças.
Não havia tempo. Mesmo naquelas condições, Eduardh usou suas habilidades de rastreio e sobrevivência, da forma mais precisa que poderia fazer. Entretanto, um estrondo enorme tirou sua concentração e ele foi puxado para trás. Ector havia livrado o elfo de ser esmagado por uma enorme pedra que se desprendeu do teto.
— Vamos, rapaz! Agora é com você! — Ector pressionou o elfo para encontrar uma saída.
— Tá, eu sei... só me dê mais alguns segundos!
— Não temos mais tempo! Ed!?
As vozes ecoavam em sua mente, como se estivesse em meio a uma multidão enfurecida e desesperada. Estava cansado, seu corpo estava no limite. Aparentemente, o efeito da poção do mago estava acabando e toda dor que ela havia suprimido, agora, voltava com tudo.
Sem mais opções, Eduardh se ajoelhou novamente e, colocando suas mãos no chão, começou a recitar alguns versos na língua élfica. A ação gerou desespero em todos ali, era irracional parar nessa situação. A caverna estava se desfazendo e as pedras, cada vez maiores, caiam aos montes.
— Mas o que você está fazendo? — Vladmyr desacreditava no que via.
A terra que caía levantava uma grande cortina de poeira que invadiu rapidamente os pulmões dos que estavam ali. Era quase impossível de respirar. Eduardh continuava o encanto, ele se recusava a parar.
Para desespero de todos, a única passagem que lhes restava, estava a desmoronou. Eduardh ainda permanecia da mesma forma, Vladmyr tentava convencê-lo de que não havia tempo para o que quer que ele estivesse tentando fazer, mas era ignorado, assim como todos os outros ali.
Sua respiração estava ofegante, o esforço e toda a poeira que pairava ali só contribuíam para a piora do elfo. Algumas pedras o acertaram de raspão e outras deixavam grandes hematomas e cortes onde acertavam. Porém, Eduardh se mantinha firme, recitando o que Cázhor concluiu ser algum tipo de encanto.
Estavam longe da entrada, havia muito chão a ser percorrido. Considerando que, era um caminho praticamente inexplorado, a chance de saírem vivos era praticamente zero. Ector e Vladmyr cogitaram levar o elfo à força, mas antes mesmo que eles tomassem qualquer atitude, a passagem pela qual iriam, acabava de desmoronar diante de seus olhos.
A cada segundo que se passava, as enormes trincas se dilatavam por todo o interior da caverna. Os escudos de Lenna já não davam mais conta de suprir a proteção ao grupo. A caverna estava prestes a colapsar. Ao ver que a única passagem havia se extinguido, suas esperanças de sair dali desapareceram. Por mais que tentasse acreditar que o elfo tinha algum plano em mente, era impossível ver toda a situação à sua volta e não temer o pior.
Estavam encurralados. Ector, auxiliava Lenna na proteção, usando seu enorme machado para desviar as pedras. De costas uns para os outros, já sem muita opção de se moverem. O escudo já não era tão efetivo devido à quantidade de pedras que caiam simultaneamente, atingindo-os violentamente. E então, o teto finalmente cedeu sobre eles, trazendo consigo, a escuridão.
— Arch!
Inesperadamente, uma luz intensa saiu da marca na mão do elfo. Todos sentiram uma grande pressão, como se seus corpos estivessem se rompendo. Logo em seguida, voltaram ao grande breu.
Um silêncio inquietante. O ar não inflava os pulmões. E em um piscar de olhos, novamente um clarão. A visão estava turva, os sentidos demoraram a se restaurar. Finalmente, uma imagem se formou, um céu acinzentado, a vegetação seca coberta por um manto liso e reflexivo.
— Neve? — disse Cázhor ofegante, enquanto tentava recuperar seu fôlego.
Um forte vento, trouxe o ar gelado e possibilitou vislumbrar o cenário de uma floresta envolvida pelo gelo. Ector tentava se mover, mas sua ação foi subitamente impedida quando o estalar em sua perna indicava algo grave. Um grande rasgo em sua pele expunha o osso fraturado, o fazendo soltar um grito de dor. O som, fez Cázhor voltar sua atenção ao guerreiro, instintivamente ele tentava levar sua mão à bolsa onde guardou suas últimas poções, mas sem sucesso.
— Seu... seu braço! — disse Lenna, aterrorizada enquanto olhava.
— O quê? — O mago não entendia o desespero de sua pupila, até perceber que seu membro havia sido decepado, caindo de joelhos enquanto apertava fortemente para estancar o sangue antes que desmaiasse.
Vladmyr tentava socorrer seu superior. Mas ao ver a situação do mago, concluiu que ele era prioridade. Lenna estava em estado de choque, apesar dos vários hematomas pelo corpo, seus ferimentos não eram graves.
— Lenna! Ajude-o! Ande logo! — Vladmyr apontava para Ector, enquanto ele socorria o mago.
— Tá... tá bom! Estou indo! — A pequena maga estava desnorteada, ainda tentando entender como tudo aconteceu.
— Garota, eu consigo me virar, ajude o elfo!
— Ed... Você está me ouvindo? Vlad, por favor, ajude ele! — Lenna estava em prantos.
Eduardh mal teve tempo de ver o cenário ou prestar atenção no estado do grupo ao seu redor. Sua visão escureceu e, logo em seguida, ele caiu direto na neve. No selo em seu ombro e em sua boca, o sangue escorria. A ferida, que a pouco havia se fechado em suas costas, estava aberta novamente e também sangrava, deixando a branca neve à sua volta, com um tom em vermelho vivo.